Capítulo 9 - REFUGIADO




PREFÁCIO DO AUTOR

Saudações, amigos! Tudo bem?

A partir deste capítulo, a primeira temporada de Frontier entra em sua reta final.
Este capítulo será o primeiro de uma sequência de três, que concluirá a temporada - mistérios, fatos novos, revelações e muita ação serão vistos nesta sequência.
Descubram nas próximas linhas!

Boa leitura. Vida longa e próspera!





“Diário do Capitão – Data Estelar: 7512.9
A
Frontier está a caminho de Vulcano para pegar o embaixador Sarek, que será escoltado por nós para uma missão diplomática da Federação em Capella IV.

Enquanto não chegamos a nosso destino, posso desfrutar de alguns raros momentos de lazer com a minha tripulação.”


O capitão Nardelli encontra-se na sala de recreação da Frontier, onde disputa uma partida de xadrez com o alferes Cortez, piloto da nave.
O tabuleiro é um detalhe que chama a atenção, pois não é um tabuleiro convencional: é dividido em três níveis, um acima do outro.
Os dois estão com seus olhares fixos nas peças do tabuleiro, observados atentamente pelo doutor Lester, pela comandante Hong, pelo tenente Andros e alguns outros oficiais de menor patente. Cortez aparentemente está mais tenso do que o capitão – ao que tudo indica, o jovem espanhol está em desvantagem.
O alferes faz sua jogada. Dan pensa por alguns segundos e move uma peça, próxima do rei adversário, já cercado; tal movimento acaba definindo o jogo em favor do capitão.

- Xeque-mate! – diz Dan, com um ligeiro sorriso, logo após fazer sua jogada.

Cortez fica incrédulo. E acaba caindo na risada, um pouco sem jeito.

- Hostia!!! – diz o espanhol, rindo – Eu desisto, capitão! Não há meio de ganhar do senhor!

- Não diga isso... – Dan tenta consolá-lo – Xadrez é um jogo que envolve não apenas estratégia, mas também lógica, Hernando. Cada movimento deve ser planejado cuidadosamente... um passo em falso e todo o seu jogo pode ser comprometido.

- Eu vou me lembrar disso, senhor! – Cortez sorri.

Ambos se levantam da mesa, sob os olhares de Lester, Hong e Andros.

- Estou impressionado... – diz Lester – Já é a quinta que ele ganha seguida do Cortez! É a primeira vez em anos que eu vejo o Dan jogando xadrez. E confesso que nunca vi ele jogando assim, mais parecia uma máquina! Ele nem sequer respirava direito!

- Pra você ver como ele tem um nível de concentração alto... – comenta Hong.

- Já vi partidas de xadrez na Terra, mas admito que nunca vi nada parecido com isto! – Andros se volta para Dan – Onde aprendeu a jogar assim, capitão?

- Com Sarek – responde Dan – Ele me deu algumas dicas preciosas na época da Academia.

- Com o embaixador Sarek?! – exclamou Andros, surpreso.

- Está explicado... – inferiu Jon – Os vulcanos são conhecidos por serem indivíduos extremamente lógicos. E diante do tabuleiro você estava agindo exatamente como um deles! Só estava faltando as orelhas pontudas...

Dan ri das observações do doutor.

- Sarek me ensinou muitas coisas, Jon – diz ele – Se estou onde estou agora, em grande parte, devo isso a ele.

- O embaixador Sarek realmente é um grande homem – afirmou Andros – Mas... eu não sabia que o senhor era pupilo dele, capitão.

- Você o conhece, tenente? – questionou Dan.

Mas Andros não teve tempo de responder. Logo na sequência, o terminal do INTERCOMM da sala de recreação emitiu um sinal sonoro. Era um chamado da ponte de comando.

- Ponte para capitão – a voz de Okonwa soou do outro lado da linha.

- Aqui é Nardelli – Dan prontamente atende ao chamado – Prossiga, sr. Okonwa!

- Estamos nos aproximando de Vulcano, senhor – informa Oko – Chegaremos em cerca de 26 minutos.

- Está certo – diz o capitão – Vamos nos preparar para receber o embaixador Sarek.

- Sim, senhor!

Dan encerra a comunicação e se volta para seus oficiais.

- Bom, pessoal, acho que a nossa folga terminou – diz ele – Melhor vestirmos algo mais apropriado e fazermos os preparativos. Receberemos o embaixador Sarek a bordo assim que chegarmos a Vulcano.

Todos assentem com a cabeça e se dirigem para fora da sala de recreação. Seul-gi se aproxima de Dan.

- É a primeira vez em anos que você vai encontrar o embaixador Sarek – diz ela – Como se sente, Dan?

- Ansioso e ao mesmo tempo apreensivo, Seul-gi – responde o capitão – Sempre mantivemos uma boa relação, mas Sarek costumava me testar o tempo inteiro. Pra mim, essa missão soa como outra provação dele.

- Eu soube que foi o próprio Sarek que pediu para que a Frontier o escoltasse – comenta Hong – Ele deve confiar muito em você.

- Pode ser – responde Dan – É difícil saber o que os vulcanos pensam. A mentalidade deles se baseia totalmente em lógica...

- Pois eu acho que a decisão dele foi bastante lógica! – comenta Seul-gi, com um sorrisinho.

Dan cai na risada com este comentário de sua primeira-oficial.

- Esse tipo de afirmação só podia vir de você...

Os dois sorriem um para o outro, enquanto deixam a sala de recreação.

***

Alguns minutos depois, Dan está em seus aposentos, fazendo os últimos ajustes em seu traje de gala – um casaco inteiramente azul com uma faixa dourada contornando o peito, e uma calça preta.
Enquanto se olha no espelho, o capitão se recorda de alguns de seus momentos na academia, sob a tutela do embaixador Sarek.


Cerca de nove anos antes. Academia da Frota Estelar.

O jovem Dan Nardelli, à época cadete da Academia, está sentado em uma sala de aula, juntamente com outros vinte alunos.
Era dia de aula de diplomacia – no comando, estava o embaixador Sarek, de Vulcano.
Ele explicava, de forma sucinta, detalhes de sua disciplina, enquanto Dan e os outros alunos o ouviam atentamente:

- A diplomacia nem sempre é um caminho lógico – diz ele, olhando para os alunos com as mãos para trás – Muitas vezes, para conseguir se chegar a um consenso com outros povos, devemos deixar algumas de nossas convicções de lado e agirmos de acordo com os costumes que estão do outro lado...

Eis que o embaixador vulcano percebe algo em meio aos alunos. É Dan, que está com a mão levantada e o olhar fixo em direção a ele. Ao que tudo indica, ele tem uma pergunta para fazer.

- Deseja perguntar algo? – diz Sarek, para Dan.

- Sr. Sarek – Dan toma a palavra – O senhor já atua há algum tempo como embaixador de Vulcano aqui na Terra. Acredito que o senhor deve saber como ninguém as grandes diferenças que existem entre os humanos e os vulcanos. Como foi que o senhor aprendeu a lidar com essas diferenças e estabelecer boas relações com os humanos?

Sarek fixa seu olhar em Dan, que por sua vez, se demonstra apreensivo. Mas a resposta do embaixador vulcano surpreende o jovem italiano.

- Uma pergunta bastante pertinente, sr. Nardelli – Sarek retoma a palavra – Assim que cheguei à Terra, tive que aprender sobre os costumes e as tradições da raça humana. Não foi um processo fácil, mas com o tempo, consegui me adaptar.

Sarek faz uma pausa. Todos os alunos da sala o observam com atenção.

- Mas isto traz uma questão que considero fundamental para o bom convívio com outras raças intergalácticas... aliás, para qualquer boa relação: aprender sobre seus costumes, tradições e cultura. Quanto mais vocês se inteirarem a respeito, maiores serão as chances de vocês estabelecerem relações diplomáticas com outros povos.

Dan assente com a cabeça, assim como todos os outros na sala.

- A aula de hoje está encerrada – diz Sarek – Estão todos dispensados.

Todos os alunos começam a sair da sala. Quando Nardelli se aproxima da porta, Sarek o interrompe.

- Sr. Nardelli – diz o vulcano, com sua voz fria.

Dan olha para trás por um minuto. E volta o olhar para seu mentor.

- Pode me acompanhar por um instante? – pergunta Sarek.

- Hã?! – Dan hesita por um instante, ligeiramente sem graça – Claro, senhor.

Poucos minutos depois, os dois seguem por um dos corredores da Academia – Sarek segue dois passos à frente.
Enquanto caminham, o embaixador vulcano começa a fazer alguns elogios a Dan:

- O senhor tem se saído muito bem ultimamente, sr. Nardelli. Sua capacidade de lidar com questões complexas é simplesmente fascinante.

- Obrigado, senhor – responde Dan – Eu tenho me esforçado...

- Disso não há a menor dúvida – responde Sarek – Nesse ritmo, posso lhe assegurar que terá um futuro brilhante dentro da Frota Estelar.

Eis que os dois chegam a uma sala em meio ao corredor. A porta automática se abre.

- Entre, por favor – diz o vulcano.

Dan entra na sala, seguido por Sarek. A porta se fecha. A sala, na realidade, se trata de um escritório, onde Sarek trabalha fora do período de aulas.
Nardelli olha em volta, atentando-se a todos os detalhes nos cantos da sala: as mesas, as cadeiras, o computador, alguns adornos típicos de Vulcano caprichosamente distribuídos pelas prateleiras, entre outras coisas.
Sarek aponta para uma mesa em um canto, onde se encontra um tabuleiro de xadrez de três andares – muito semelhante ao da sala de recreações da Frontier – que de imediato chama a atenção de Dan.

- Sabe jogar xadrez, sr. Nardelli? – questiona Sarek.

- Bem, já joguei algumas vezes, mas... nunca vi nada parecido com isso, senhor! – responde Dan.

- Como eu pensei... – Sarek levanta uma das sobrancelhas – Este xadrez não é muito diferente do xadrez que os terráqueos estão acostumados a jogar. Também envolve um pouco de intuição, e claro, lógica.

O jovem Nardelli olha o tabuleiro de alto a baixo, vendo a distribuição das peças. Eis que Sarek, enfim, faz o convite.

- Sente-se – diz ele – Vou lhe ensinar algumas das minhas técnicas e estratégias de jogo.

- Claro, senhor – Dan ainda se sente meio sem jeito – Se me permite a pergunta, sr. Sarek... isto tem alguma coisa a ver com o meu treinamento?

- Precisamente, sr. Nardelli – responde Sarek, de forma categórica – Se o senhor continuar no ritmo que está, é bem provável que futuramente o senhor comande uma nave estelar. E o senhor precisa estar preparado.

- Ainda não entendi, senhor – diz Dan, franzindo a testa.

- O xadrez é um jogo de estratégia, e em muitas situações envolve a tomada de decisões difíceis – explica Sarek, pacientemente – da mesma forma que o comando de uma nave estelar. Um bom capitão é aquele que sabe como lidar com todas as situações... até mesmo as mais complicadas.

A ficha de Nardelli começa a cair.

- Acho que estou começando a entender... – diz ele.

Após estas palavras, os dois começam a jogar. E Sarek começa a explicar a Dan seus segredos e estratégias.


De volta ao presente, o sinal sonoro dos aposentos de Dan soa, anunciando que tem alguém à porta.

- Entre! – diz ele, enquanto termina de ajeitar seu traje em frente ao espelho.

Eis que a porta automática se abre, e revela quem estava por trás dela. É Seul-gi, já vestida com seu traje de gala: um casaco muito parecido com o do capitão, com uma faixa dourada contornando o peito, só que na cor verde – cor de sua divisão, de ciências – complementado por uma saia preta que vai até a metade das coxas; suas pernas estavam cobertas com uma meia-calça preta, e ela ainda usava sapatos pretos de salto alto nos pés.
Além dos detalhes do traje de gala, a coreana estava com uma aparência um pouco diferente do que de costume: seus longos cabelos castanhos estavam soltos e ela ainda usava dois brincos de argola dourados nas orelhas. Simplesmente de encher os olhos – o capitão que o diga!

- Ora... – diz Dan, totalmente surpreso – Você está incrivelmente elegante, Seul-gi. Ficou simplesmente encantadora com o traje de gala!

- Obrigada! – Hong ri, um pouco sem jeito e com o rosto ligeiramente corado – Você também está muito bonito.

Nardelli sorri. Os dois se olham por alguns instantes.

- Ainda está ansioso? – perguntou ela.

- Um pouco – responde Dan – Como você bem disse, é a primeira vez em anos que eu encontro o sr. Sarek... quer dizer, o embaixador Sarek. Dessa vez as circunstâncias são bem diferentes... naquela época, eu era um cadete e ele era meu instrutor; agora, ele está cumprindo seu papel de diplomata e eu sou capitão de uma nave estelar...

- Ele certamente deve estar orgulhoso de você... – afirma Seul-gi.

- Orgulho é uma palavra que não combina com os vulcanos... – diz o capitão – Mas acho que o sr. Sarek deve estar satisfeito com a minha condição.

Os dois ficam em silêncio por alguns segundos.

- Daqui a pouco chegaremos a Vulcano – lembrou Dan – Vamos para a sala de transporte.

Seul-gi assente com a cabeça. Os dois saem dos aposentos do capitão.

***

Lester, Dan, Seuk-gi e Oko em trajes de gala,
aguardando a chegada do embaixador Sarek


Na sala de transporte da Frontier, alguns dos principais oficiais da nave já estão presentes, como o doutor Lester, o tenente Andros e o tenente-comandante Okonwa – todos trajando uniformes de gala.
Lester estava com um traje verde da divisão de ciências, enquanto Oko acrescentou alguns detalhes afro em seu visual: em sua cabeça, usava um filá – um chapéu típico da Nigéria, sua terra natal – e, por cima de seu traje vermelho de gala, uma túnica colorida que se sustentava no ombro esquerdo e ia até a metade das canelas.
Em meio a esse ambiente de expectativa pela chegada do embaixador Sarek, Dan e Seul-gi entram.

- Já estava achando que vocês não iam aparecer! – diz Jon, em um tom de deboche.

- Não entendi sua colocação, doutor – Seul-gi sorri e lança um olhar afiado para o médico britânico – Por que você achou isso? Não vai me dizer que você é do tipo que reclama que as mulheres demoram pra se arrumar...

- Foi isso que eu disse, por acaso?! – retrucou o doutor – Eu estava me referindo ao atraso de vocês. Nós vamos receber uma autoridade importante a bordo da Frontier pela primeira vez, e o capitão e o seu imediato deviam ser os primeiros a estar aqui! Como você e o Dan não se desgrudam, obviamente eu estranhei.

- O que você está querendo insinuar?! – Hong franze a testa – Pelo jeito a sua mente anda meio poluída, não é, doutor Lester?

- Insinuar?! Eu?! Que nada... – diz Lester – Só estou constatando os fatos, nada mais do que isso.

- Você devia ter mais respeito, sabia? – retruca Seul-gi – Como você bem sabe, eu sou primeira-oficial desta nave. E não faço nada além de cumprir o meu dever.

- Tá... vou fingir que eu acredito em você... – responde Jon, com a voz carregada de ironia.

- O que foi, Jon?! Por acaso está com ciúme, é?! – Dan entra na discussão, achando graça de tudo aquilo?

- Fala sério, Dan! – responde o doutor, sem graça – Do que você está falando?!

- Tá bom, deixa pra lá... – diz Nardelli – De qualquer forma, acho bom vocês dois segurarem a onda. O embaixador Sarek logo virá a bordo, e se ele vir vocês discutindo desse jeito, não vai ser nada agradável.

Jon e Seul-gi ficam meio sem jeito com as palavras do capitão. Enquanto isso, o comunicador de Dan apita – de imediato, ele o saca e atende ao chamado.

- Aqui é Nardelli.

- Capitão, já estamos em órbita de Vulcano – responde o alferes Cortez, do outro lado da linha – o embaixador Sarek já está no aguardo.

- Entendido, sr. Cortez – responde Dan – Solicite as coordenadas do embaixador e retransmita-as para a sala de transporte.

- Sim, senhor!

O capitão encerra o contato e guarda o comunicador. Em seguida, se volta para a mesa de acionamento do teletransporte, onde um jovem alferes albino de operações aguarda as coordenadas de transporte de Sarek.
Assim que ele as recebe, ele informa a Dan:

- Recebendo coordenadas, capitão.

Dan assente com a cabeça. E antes de voltar-se para a plataforma de transporte, dá sua ordem ao alferes:

- Acionar!

O alferes acata a ordem, e aciona o dispositivo de transporte. Luzes azuladas brilham na plataforma, e materializam a forma do embaixador vulcano.

Enfim, o embaixador Sarek está a bordo da USS Frontier. O capitão Nardelli trata de fazer as honras, usando o conhecido gesto vulcano:

- Paz e vida longa, embaixador! – diz ele, sorrindo.

Sarek retribui o gesto, reagindo da forma típica dos vulcanos:

- Vida longa e próspera, capitão Nardelli.

Após o cumprimento, Sarek desce da plataforma de transporte. E se aproxima de Dan.

- Seja bem-vindo a bordo da Frontier, embaixador Sarek – diz o capitão.

- Capitão – responde Sarek – Eu estou honrado.

Sarek e Dan se entreolham por alguns segundos.

- Já faz um bom tempo, não é, sr. Sarek? – diz Dan.

Sarek, embaixador de Vulcano
- De fato, sr. Nardelli – responde o embaixador, sem mudar a expressão e levantando uma das sobrancelhas – Como o senhor bem sabe, nós, vulcanos, mantemos nossas emoções sob controle. No entanto, não posso deixar de mencionar o quanto estou orgulhoso e satisfeito em ver onde o senhor chegou. Minhas sinceras congratulações.

- Eu fico lisonjeado, senhor – diz Dan, tentando segurar o entusiasmo.

Sarek, então, volta seu olhar para Hong e Lester. E lhes dirige a palavra.

- Comandante Hong, doutor Lester... o mesmo vale para vocês.

- Obrigada, embaixador – responde Seul-gi – É uma honra poder revê-lo.

- Obrigado, senhor – diz Jon.

Dan, em seguida, se aproxima de Oko. E o apresenta a Sarek.

- Este é meu engenheiro-chefe, tenente-comandante Eugene Okonwa.

- Embaixador, é uma honra – diz Oko.

- A honra é minha, sr. Okonwa – responde Sarek, sem mudar o tom de voz.

Eis que o embaixador vulcano volta seu olhar para o tenente Andros, que também o olha de maneira fixa e com um certo espanto.
Sarek também não esconde sua surpresa, e sua reação pega todos desprevenidos:

- Não imaginava que iria encontra-lo aqui, senhor V’Kor.

- Embaixador! – Andros faz uma reverência com a cabeça, demonstrando respeito.

Com o rosto repleto de surpresa, Dan se aproxima de Andros e faz as honras:

- O tenente Andros é meu chefe de segurança. Tanto ele quanto o sr. Okonwa foram indicados a mim pela almirante Burnham. O senhor já o conhecia?

- Sim, eu o conheci na Terra – revelou Sarek – Quer dizer então que ele se tornou seu chefe de segurança?

- Sim... – responde o capitão, ligeiramente sem jeito – E diga-se de passagem, ele tem desempenhado sua função com excelência.

Sarek olha para Andros por um segundo, antes de retomar a conversa.

- Fascinante – diz o embaixador – Uma escolha inusitada, porém bastante lógica.

Dan franze a testa, ainda sem entender. Andros, então, resolve tomar a palavra para si.

- Não há quem não reconheça o peso e a importância do embaixador Sarek. Mas no meu caso, ele tem um papel determinante. Para ser bem direto, eu devo minha vida a ele.

Dan olha com uma expressão ainda mais desconfiada, enquanto Sarek simplesmente ergue a sobrancelha.
Logo atrás deles, Hong e o doutor Lester cochicham entre si:

- Você tá entendendo alguma coisa, Hong?!

- Não... eu não tô entendendo é nada...

- Bom, tenente, eu acho que você pode explicar isto melhor durante o jantar – diz o capitão – Embaixador, preparamos um banquete especialmente para a sua recepção. Creio que o senhor vai querer comer alguma coisa antes de ir para os seus aposentos.

- É muita gentileza da sua parte, capitão – responde Sarek.

- Senhores? – Dan se volta para os outros oficiais.

- Ora, já não era sem tempo! – exclamou Lester – Eu estou morrendo de fome...

Pouco a pouco, todos vão deixando a sala de transporte.

***

Cerca de meia hora depois, em uma das salas de recreação da Frontier, todos os oficiais superiores da nave se encontram reunidos, todos devidamente trajados com uniformes de gala, em um coquetel de recepção ao embaixador Sarek.
O cardápio reunia diversos pratos da culinária terrestre e também da culinária vulcana, além de sucos de frutas, vinhos da Terra e cerveja andoriana.
Várias rodas de conversa estavam formadas por toda a extensão da sala – em uma delas, Dan e Seul-gi conversam com Sarek, que havia acabado de se servir de uma tigela de sopa plomeek:

- O senhor continua perspicaz como sempre, capitão – diz o embaixador vulcano, enquanto entrega sua tigela vazia a um dos garçons – Esta sopa plomeek estava excelente.

- Obrigado, embaixador! – responde Dan – Eu procurei usar os replicadores o mínimo possível aqui. Pedi a um grupo de descida que adquirisse alguns ingredientes em Vulcano assim que entramos em órbita, e pedi ao nosso chef para que cuidasse do resto. Uma ocasião especial como esta sem dúvida merecia algo especial.

- De fato – diz Sarek – Mudando de assunto, capitão... o senhor disse que conhecia minha filha adotiva, Michael. Pelo que sei, foi ela quem supervisionou o projeto de concepção e exploração desta nave.

- É verdade – responde o capitão – Conheci a almirante Burnham exatamente nestas circunstâncias. Foi ela quem me indicou para o comando da Frontier... e também me indicou boa parte dos meus oficiais sêniores...

Dan olha para Seul-gi por um instante. E coloca suavemente uma das mãos em seu ombro.
Ela olha para o capitão e sorri, enquanto ele complementa sua fala com Sarek:

- À exceção, claro, do doutor Lester e da srta. Hong. Eles foram escolhas pessoais minhas.

- Soaria ilógico se o senhor não os escolhesse para sua tripulação, capitão. Tendo em vista o quanto eram próximos nos tempos da Academia. Ainda tenho esta lembrança muito clara em minha mente.


Sarek, então, olha para a mesa do banquete. E vê uma grande panela redonda com uma mistura de cor alaranjada de arroz, carne, verduras e frutos do mar – o que incluía alguns camarões graúdos.
Movido pela curiosidade, ele dirige a palavra ao capitão:

- Esta parece ser uma iguaria bastante exótica. Não me lembro de ter visto nada parecido.

- Ah, está falando disto?! – Dan aponta para a panela – Este é um prato da Terra, embaixador. Chama-se paella; é um prato muito apreciado na região da Espanha.

Eis que Cortez entra em cena. E cumprimenta os três de forma cordial:

- Senhores! Embaixador, é uma honra!

Dan, então, menciona um detalhe sobre o prato que deixa o embaixador vulcano ainda mais curioso:

- Esta paella, em específico, foi preparada especialmente para esta ocasião pelo nosso piloto, o alferes Hernando Cortez, que é natural da Espanha. Diga-se de passagem, a paella dele é um sucesso intergaláctico!

- Que é isso, senhor! – Cortez se mostra meio sem jeito – Eu apenas quis fazer a minha parte...

- Por favor, embaixador, experimente! – diz Dan – Creio que o sr. Cortez ficaria honrado...

- Precisamente, capitão – responde Sarek.

Após estas palavras, os três se servem, pegando pequenas porções da paella, e Sarek degusta um pouco, sob os olhares atentos de Dan, Seul-gi e Cortez.
Um pequeno clima de suspense se forma. Até que Sarek dá o seu veredito:

- Interessante... O sabor é bastante peculiar. E agradável – Sarek olha para Cortez – Suas habilidades culinárias são bastante apuradas, alferes. O senhor está de parabéns.

- Puxa, muito obrigado, senhor! – responde o espanhol – Receber um elogio como esse do senhor é uma grande honra para mim...

Nisso, Andros passa pelo grupo com uma taça de cerveja andoriana em uma das mãos, meio distraído. O romulano não passa despercebido aos olhos do capitão, que o convida a entrar na conversa:

- Tenente! Por favor, junte-se a nós por um instante!

- Ah... claro, senhor! – diz Andros, um pouco sem graça – Comandante! Embaixador!

Hong e Sarek assentem com a cabeça. Dan vai direto ao assunto:

- O senhor disse na sala de transporte que devia sua vida ao embaixador Sarek. Gostaria que o senhor nos contasse mais a respeito.

- Bem... – Andros coça a cabeça, ainda meio sem graça – É uma longa e complicada história, senhor...

Sarek olha para Andros firmemente. E começa a lhe tecer elogios:

- O senhor V’Kor é um homem de grande coragem e determinação. E como já deve ter percebido, é muito diferente de seus compatriotas romulanos.

- E até aqui tem sido um oficial exemplar – comenta Dan – Ele salvou a minha vida algumas vezes. Eu lhe sou grato por isso, tenente.

- Eu estava apenas cumprindo meu dever, capitão – diz Andros.

- Nos conte a sua história, tenente – pediu Seul-gi, timidamente esboçando um sorriso – Eu também estou curiosa, ainda não tive tempo para ouvi-la.

- É... conta pra gente, tenente! – diz um entusiasmado Cortez.

- Pois bem... – Andros toma um gole de sua cerveja e começa a falar – Como os senhores já devem saber, eu tenho vivido no espaço da Federação sob asilo político, na condição de refugiado...

O romulano volta seu olhar para Sarek. E continua:

- O embaixador Sarek teve um papel determinante neste processo. Foi ele quem me auxiliou com o pedido de asilo junto ao Conselho da Federação.

Dan e Seul-gi arregalam os olhos, enquanto Sarek permanece impassível. Andros prossegue com seu relato:

- Já faz quase treze anos... – o romulano suspira – Eu cheguei à Terra em uma nave auxiliar. Pra falar a verdade, não me lembro de quase nada de como cheguei aqui. Eu... só me lembro de acordar em um hospital da Frota, num leito cercado de seguranças...


Cerca de 13 anos atrás. São Francisco, Terra. Hospital do quartel-general da Frota Estelar.

Menos de duas semanas antes, Andros V’Kor havia sido encontrado, muito ferido e quase sem vida, em uma nave auxiliar romulana caída em um campo localizado nas proximidades de Montgomery, Alabama.
Suspeitando que ele fosse um espião a serviço do Império Estelar Romulano, o Comando da Frota Estelar ordenou que ele fosse levado ao hospital de seu QG em São Francisco, para receber o devido tratamento. Após se recuperar, ele seria interrogado.

Eis que Andros desperta de seu coma, de maneira completamente súbita e abrupta. Ele levanta o tronco de seu leito, completamente ofegante e com o coração disparado.
Olha em volta, e vê algumas luzes, paredes brancas, e alguns guardas com phasers apontados para ele em torno de seu leito. Evidentemente, ele não compreende nada daquela situação:

- Onde estou? – pergunta ele, desorientado – Que lugar é esse?

- Fique onde está, romulano! – grita um dos guardas – Você está na Terra!

- O que veio fazer na Terra, romulano? – questiona outro guarda – O que o seu Império está tramando contra nós?

Andros ignora as perguntas dos guardas. Ainda está ligeiramente tonto e tentando compreender o que estava havendo.

- Eu estou na Terra... então eu consegui...

- Responda, romulano! – insiste um dos guardas – O que veio fazer em nosso planeta?

Logo em seguida, um médico entra no quarto. Um homem de pele parda, grisalho, já com cinquenta e poucos anos – um médico bastante experiente da Frota: o doutor Hugh Culber, que algumas dezenas de anos antes, serviu a bordo da USS Discovery.
Ele presencia a cena, e se demonstra indignado. Imediatamente, ele questiona os guardas:

- Mas o que está havendo aqui, afinal? – bradou ele – É o meu paciente! Por que estão apontando phasers pra ele?!

- Ele pode representar uma ameaça, doutor! – responde um dos guardas – Estamos aqui por ordem do Comando da Frota Estelar.

- Ameaça?! Não me faça rir! – retrucou Culber – Que tipo de ameaça um homem em um leito de hospital pode representar? Me façam um favor, saiam daqui imediatamente! Estão o deixando assustado!

Sem questionar, os guardas deixam o quarto. Culber se aproxima de Andros com um tricorder médico e um scanner, e começa a analisa-lo.

- Como você se sente? – pergunta o doutor, enquanto vai passando o scanner em torno do enfermo.

- Eu ainda não estou entendendo nada – responde Andros – O que aqueles homens armados queriam?

- É difícil explicar... – diz Culber – Eu não entendo nada das relações exteriores da Federação...

Nisso, mais uma figura entra em cena: um homem de cabelos brancos e pele branca, por volta dos sessenta anos, também experiente, com um ar bastante altivo e um uniforme de comando da Frota Estelar – é o almirante Fitzgerald, do Comando da Frota.
Minutos antes, ele foi informado pelos guardas de que Andros havia recobrado a consciência, e veio averiguar a situação.

- Ele recobrou a consciência, doutor? – questionou ele, com um tom de voz seco.

- Sim, almirante – responde Culber – Os ferimentos cicatrizaram e as funções cerebrais dele estão se normalizando aos poucos. Ele vai precisar de descanso por alguns dias.

- Os romulanos podem estar com uma invasão à Terra preparada em alguns dias – diz Fitzgerald, de forma ríspida e direta – A presença deste indivíduo por si só representa uma violação ao tratado da Zona Neutra. Temos que saber o que os romulanos estão tramando, e ele certamente deve ter as respostas.

- Com todo o respeito, senhor, mas ele é meu paciente – diz Culber, tentando manter a cordialidade – E ele acabou de despertar de um coma de duas semanas... Creio que este não seja o momento oportuno para se conseguir informações dele, ele ainda precisa se recuperar!

- É a segurança do planeta Terra e do espaço da Federação que está em jogo, doutor! – Fitzgerald aumenta o tom – Nós não podemos baixar a guarda quando temos um inimigo à espreita! Ele precisa ser interrogado, queira o senhor ou não!

- Mas, senhor! – intercede Culber – Ele ainda não...

- Basta, doutor Culber! – retruca o almirante – Se insistir em obstruir o meu trabalho, irei afastá-lo de suas funções! Agora saia do meu caminho!

Culber se assusta, e resolve ficar em seu canto. Fitzgerald se aproxima do leito de Andros.
O romulano olha para ele, com espanto.

- Diga o seu nome, romulano – diz Fitzgerald.

- Meu nome é Andros V’kor, senhor – responde Andros, de forma cordial.

- O que veio fazer na Terra, senhor V’Kor? – pergunta o almirante.

- Com todo o respeito, senhor, mas eu não tenho nada a lhe dizer – Andros demonstra firmeza na voz – Eu falarei apenas na presença de um representante oficial da Federação Unida dos Planetas.

- O senhor é um homem muito atrevido para fazer um pedido como este – retrucou Fitzgerald – Mas saiba que eu não estou aqui para brincadeiras. Sua presença é uma clara violação do tratado da Zona Neutra, e eu quero saber qual é a razão por trás disso. Agora pare de me enrolar e me responda, sr. V’Kor: quem está por trás da sua vinda até aqui? Para quem o senhor trabalha?

- Eu já disse que eu não tenho nada a dizer ao senhor! – Andros resolve aumentar o tom – E eu não estou pedindo, eu estou EXIGINDO: traga um representante da Federação até mim, e eu lhe direi tudo o que o senhor quiser saber a meu respeito!

De repente, Andros começa a sentir tonturas e uma dor de cabeça aguda, e imediatamente leva uma das mãos à testa.

- Já chega! – bradou Culber, que imediatamente injeta um hipospray em Andros  – O senhor só está piorando a condição dele, almirante! Por favor, eu peço para que o senhor se retire!

Fitzgerald lança um olhar de reprovação contra o doutor Culber. E em seguida dispara contra Andros:

- Isto não termina aqui, romulano. Se há alguém em seu planeta tramando contra nós, eu irei descobrir. Tenha certeza disso.

Furioso, o almirante se retira do quarto, sob os olhares espantados do doutor Culber e de Andros.

***

Andros na prisão, sob os olhares de Sarek
e do almirante Fitzgerald


Dias depois, Andros recebe alta do hospital e é transferido para uma cela dentro da carceragem do QG da Frota Estelar.
Selada por um campo de força, a cela tinha pouco menos de quatro metros quadrados, e tinha apenas uma cama e uma latrina.
O romulano encontra-se sentado no chão em um dos cantos da cela, debruçado em uma das pernas e reflexivo. Até que ele percebe uma movimentação na entrada.
Novamente, era o almirante Fitzgerald, que desta vez vinha acompanhado de dois seguranças e de um vulcano. Mas não era um vulcano qualquer – era alguém importante, que ocupava um dos mais altos escalões de seu planeta e da Federação como um todo.
Era o embaixador de Vulcano na Terra. Era Sarek.

Tal qual um cão acuado, Andros olha para o grupo, ainda sentado no chão, enquanto Fitzgerald fala com Sarek:

- Este é o referido indivíduo, embaixador. Desde que o encontramos, ele exige falar com um representante da Federação. Eu jamais havia visto uma insistência e uma petulância tão grandes!

- Certamente, ele deve ter seus motivos, almirante – responde Sarek, com sua típica frieza vulcana – Creio que agora seja o momento para descobrirmos.

Sem compreender nada, Andros se levanta. E se aproxima do campo de força da cela, sob o olhar atento de Sarek.

- O senhor é Andros V’Kor, de Romulus, correto? – perguntou o embaixador.

- Sim, sou eu – respondeu Andros – E quem é você, vulcano?

- Meu nome é Sarek. Sou embaixador de Vulcano na Terra. O senhor vinha exigindo a presença de um representante oficial da Federação... estou certo?

Completamente espantado, Andros assente com a cabeça. Ele ainda não entende o que está acontecendo.
Rapidamente, Sarek trata de esclarecer:

- Pois bem... eu estou aqui para cumprir sua exigência. Deste momento em diante, falarei com o senhor como representante da Federação Unida dos Planetas.

Após ouvir estas palavras de Sarek, Andros suspira, com um misto de espanto e de alívio. Enfim, sua exigência seria cumprida, e ele poderia falar sobre sua condição.
Logo após receber alta, o romulano havia sido interrogado algumas vezes pelo almirante Fitzgerald, e em todas as ocasiões, recusou-se a falar, a não ser que estivesse diante de um representante da Federação.
Fitzgerald relatou a situação ao Comando da Frota Estelar, que por sua vez, havia sido questionado pelo Conselho da Federação sobre a chegada repentina de Andros à Terra e pelos eventuais riscos que ela representaria.
O Comando da Frota acabou informando o Conselho sobre as exigências de Andros, e, mesmo relutante – afinal, havia riscos: poderia ser uma armadilha dos romulanos ou algo parecido – o conselho acabou por resolver enviar o embaixador Sarek como seu representante.

- Até que enfim resolveram me ouvir... – disse Andros, ligeiramente aflito – Pois bem... eu irei direto ao assunto...

Sarek observa com atenção, enquanto ergue uma das sobrancelhas. Fitzgerald e os guardas parecem não entender, e lançam olhares desconfiados.
Andros, então, começa a falar:

- Embaixador... senhor... eu sou um desertor! Cheguei a este planeta fugindo das tropas do exército romulano. Neste exato momento, eles devem estar me caçando ao longo do quadrante...

Fitzgerald franze a testa, enquanto Sarek permanece impassível. Andros conclui, em um tom de súplica:

- Por favor, senhor... eu preciso que o senhor me ajude! Preciso que o seu governo possa garantir a minha segurança! Eu preciso de refúgio... eu preciso de asilo... o que eu devo fazer para obter asilo político junto ao seu governo?!

Quase aos prantos, Andros coloca as mãos no campo de força da cela. E encara Sarek:

- Por favor, embaixador, me diga... Me ajude, por favor...

A reação e as palavras convictas de Andros pegam o almirante Fitzgerald de surpresa. Nunca lhe passara pela cabeça ver algo assim vindo de um romulano; os romulanos são conhecidos por serem uma raça muito altiva e orgulhosa de si, e pedir ajuda alguém seria possivelmente a última coisa que algum deles faria.
No entanto, Fitzgerald não se convence.

- Devo admitir que seu discurso é realmente impressionante, romulano – diz ele – Mas quem pode garantir que você está dizendo a verdade?

- Ele demonstra ter total convicção de suas palavras, almirante – interpelou Sarek – Mas posso lhe fazer uma sonda mental, se o senhor quiser ter certeza.

- Mas é claro... – exclama Fitzgerald – Os vulcanos são conhecidos por sua grande habilidade telepática. Pode fazer como bem entender, embaixador.

- Está bem – Sarek se volta para Andros – Isso, evidentemente, se o senhor concordar, sr. V’Kor.

- O senhor pode ir em frente – respondeu Andros, de forma convicta – Verá que eu não tenho nada a esconder.

- Pois bem...

Sarek pressiona as palmas de suas mãos e se concentra, enquanto um dos guardas desativa o campo de força.
O embaixador vulcano entra na cela, e se coloca diante de Andros. Em seguida, posiciona os dedos de forma estratégica em torno do rosto do romulano, enquanto olha fixamente em seus olhos e começa a murmurar uma frase ritual. É o início do elo mental vulcano;

- Minha mente para sua mente... Meus pensamentos para seus pensamentos...

Quase que imediatamente, as imagens das memórias de Andros aparecem como vislumbres diante de Sarek.
Cenas e imagens aparentemente desconexas começam a surgir, e a revelar algumas das circunstâncias que envolviam a fuga do romulano.
A primeira imagem que apareceu foi a de uma família remana, aparentemente assustada e indefesa; em seguida, o próprio Andros, fardado em vestes do exército romulano, aparecia discutindo com alguém:

- O que pensa que está fazendo? Eles são inocentes!

Na sequência, surge a imagem de um outro romulano, aparentemente retrucando a fala:

- Idiota! Vai se atrever a desobedecer uma ordem direta?!

Logo depois, a imagem de Andros ressurge, desta vez gritando de dor, como se estivesse sendo submetido a tortura.
A seguir, Andros já aparece em uma nave auxiliar, ferido e sendo perseguido e atacado por aves de guerra romulanas; na sequência, ele aparece dando uma ordem ao computador de sua nave, quase agonizando:

- Computador... traçar curso para... 215, marco... 137... Acionar dispositivo de camuflagem...
Por fim, aparece a imagem da nave de Andros em atrito com a atmosfera da Terra. E as memórias se cessam.
Andros transpira e fica ofegante, enquanto Sarek desfaz o elo mental, se afastando e tirando seus dedos do rosto do romulano. Suas mãos estão trêmulas, e seus olhos completamente arregalados; a expressão em seu rosto era de surpresa.

- Embaixador?! – bradou Fitzgerald, preocupado.

Ainda se recuperando da sonda mental, Sarek mantém o olhar fixo em Andros.

- Fascinante...  – diz o embaixador – Eu jamais esperaria isto vindo de um romulano...

- Embaixador, está tudo bem? – insiste o almirante – O que o senhor descobriu?

Já recuperado, Sarek se vira para Fitzgerald. E faz sua conclusão:

- Este homem é completamente inocente, almirante. Tudo o que ele diz corresponde à verdade.

- O que disse?! – Fitzgerald se indigna – Com todo o respeito, embaixador, mas o senhor só pode estar brincando!

- Vulcanos não brincam, almirante – diz Sarek, de forma categórica – O senhor concordou que eu fizesse o elo mental para confirmar se ele estava dizendo a verdade. E de fato, ele está. Não há mais nada que se discutir a esse respeito. O senhor deve libertá-lo.

O almirante engole a seco as palavras de Sarek. O vulcano, por sua vez, se volta para Andros e lhe faz um pedido:

- Senhor V’Kor, faça um relatório completo sobre as circunstâncias que envolvem sua vinda para este planeta. Eu o usarei como base para emitir um pedido de asilo político junto ao Conselho da Federação. Mencione cada detalhe que julgar relevante.

- Claro... eu farei isso, senhor – diz Andros, ligeiramente atordoado; a ficha ainda não havia caído para ele – Obrigado... muito obrigado...

Por fim, Andros sorri, enquanto Sarek levanta uma sobrancelha e Fitzgerald permanece boquiaberto.


De volta ao momento presente, na sala de recreações da Frontier, Andros conclui seu relato, deixando Dan e Seul-gi completamente espantados.

- Depois disso, fiz meu relatório ao embaixador Sarek, e ele me ajudou a entrar com um pedido de asilo político junto ao Conselho da Federação. E o resto da história os senhores já devem saber.


- Hostia!!! – Cortez arregala os olhos – O senhor realmente passou por maus bocados, hein, tenente?

- Eu estou impressionada! – exclamou Hong – Não fazia ideia que você tinha passado por tudo isto, tenente. E também não imaginava que o embaixador Sarek estivesse diretamente envolvido em seu processo de asilo.

- Eu também desconhecia estes detalhes, tenente – diz Dan – Você realmente passou por muita coisa: perseguição do seu próprio povo, chegada a um planeta estranho, dúvidas, preconceito... a vida de um refugiado não deve ser nada fácil. Eu não queria estar na sua pele!

- Estas dificuldades só me tornaram mais forte, capitão – comentou Andros – E também tive a sorte de encontrar pessoas boas no meu caminho, como o embaixador Sarek e o senhor.

- Ora, que é isso, tenente – Nardelli fica encabulado – Eu me sinto honrado em tê-lo como meu oficial.

- É uma honra servir com o senhor, capitão – diz Andros, sorrindo.

À exceção de Sarek (por motivos óbvios), todos na roda sorriem. A festividade em honra ao embaixador já estava quase no fim.
O capitão, então, resolve questionar o vulcano sobre a natureza de sua missão diplomática:

- A propósito, embaixador... o que o senhor vai fazer em Capella IV? Que tipo de negócios a Federação tem a resolver com os capelanos?

- Este é um assunto confidencial, capitão – responde Sarek, de forma direta – Se possível, gostaria de tratar a respeito com o senhor em particular.

- Claro – diz Dan – Podemos conversar em meu gabinete.

Assim que ouvem estas palavras, Hong, Cortez e Andros olham para Dan e Sarek com ares de desconfiança.

- Pelo jeito alguma coisa muito séria está acontecendo em Capella IV – pensou Seul-gi.

***

Minutos depois, a festividade termina. O capitão Nardelli recebe o embaixador Sarek em seu gabinete, para tratar da missão do embaixador no planeta Capella IV, que o próprio Sarek classificou como confidencial.
Sarek se senta diante da mesa de Dan, enquanto este permanece em pé em frente a um pequeno sintetizador de comida.

- Algo pra beber, embaixador? – questiona o capitão.

- Agradeço a gentil oferta, capitão – responde Sarek – Mas creio que comi e bebi o bastante durante o jantar. Então, estou satisfeito.

- Como desejar.

Em seguida, Dan aperta um botão do sintetizador, e faz seu pedido:

- Café expresso. Quente, sem açúcar.

Assim que o sintetizador recebe o comando, uma pequena xícara de café se materializa dentro dele. Nardelli o retira e se senta em sua mesa, e então, começa a questionar Sarek sobre sua missão:

- Pois então, embaixador – Dan toma um gole de seu café – Se a Federação trata sua missão como confidencial, então significa que há algo muito sério acontecendo em Capella IV. O que o senhor tem a dizer a esse respeito?

- De fato, é um assunto bastante delicado, capitão – responde Sarek – Oficialmente, estou indo a Capella IV para revisar e renegociar os termos do tratado de mineração que a Federação possui com eles. Mas meu encontro com os capelanos possui um caráter maior e bem mais sério...

Dan fixa seu olhar em Sarek com uma expressão séria, enquanto pressiona os dedos na asa da sua xícara de café. O vulcano continua a dar detalhes. E faz algumas revelações:

- Há alguns dias, uma nave de carga que transportava minério de dopalina sofreu um ataque surpresa nas proximidades de Corvan II. Todos os seus tripulantes foram mortos... incluindo dois trabalhadores capelanos.

- Meu Deus! – exclamou Dan, surpreso – O Comando da Frota Estelar não informou nada a respeito disso.

- Realmente eles estão procurando ser discretos sobre esse caso, capitão – informou Sarek – Há uma investigação em curso que está sendo mantida sob sigilo absoluto, com o intuito de identificar o responsável por este ataque.

- Será que foram os Klingons? – questiona Nardelli, enquanto toma outro gole de café – Se me lembro bem, há alguns anos atrás, eles estavam disputando com a Federação o direito de explorar minérios em Capella IV. (*)

- É muito pouco provável, capitão – respondeu Sarek, direto e reto – Os Klingons vêm reduzindo gradativamente suas ações hostis desde a assinatura do Tratado de Paz de Orgânia. E pelo que eu soube, foi constatado durante a investigação que os danos causados ao cargueiro não possuem características de armas Klingon.

- Se não foram os Klingons... então quem pode ter sido? -  Dan franze a testa.

- É exatamente o que o Comando da Frota quer descobrir, capitão Nardelli. Mas há uma suspeita...

Dan arregala os olhos, enquanto fica com uma pulga atrás da orelha. No entanto, a revelação que o embaixador Sarek faz a seguir o deixa de cabelo em pé:

- O piloto do cargueiro foi resgatado ainda com vida. Pouco antes de morrer, ele disse ter visto naves romulanas antes do cargueiro ser atacado.

- Romulanos?! Em Corvan II?! – Nardelli quase salta de sua cadeira – Isso não é possível, seria uma séria violação do tratado da Zona Neutra! E por que eles atacariam uma nave transportadora de minério?! Isso não faz sentido!

- Apesar desta afirmação do piloto, não há provas concretas de que os romulanos foram os responsáveis por este ataque, capitão – afirma Sarek – Até agora, a investigação não comprovou nada sobre isso. Portanto, qualquer afirmação a esse respeito não passa de mera especulação.

- Agora eu entendo porque o Comando da Frota está mantendo tanto segredo sobre este caso – conclui Dan – As relações entre os romulanos e a Federação já são bastante delicadas... e um incidente como esse vir a público poderia piorar ainda mais a situação. Poderia até mesmo resultar em um conflito armado.

- Precisamente, capitão – diz Sarek, com toda sua postura baseada na lógica vulcana.

O capitão termina sua xícara de café. E faz mais uma pergunta a Sarek:

- O senhor disse que dois capelanos foram mortos neste ataque. Qual foi a reação dos líderes de Capella IV?

- Eles estão furiosos, capitão – responde o embaixador – Eles culpam a Federação pelo ataque. Dizem que a Federação foi negligente em garantir a segurança de seus cidadãos. Estão ameaçando romper o acordo se o Conselho da Federação não tomar providências a respeito deste incidente.

- Pelo jeito eles não sabem da suspeita de envolvimento dos romulanos... – especulou Dan.

- Exatamente – afirma Sarek – Nem eles nem ninguém sabe a esse respeito. Apenas eu, o Comando da Frota, e agora o senhor, capitão.

Dan apenas olha para Sarek, estarrecido.

***

Poucas horas depois, a comandante Hong encontra-se em seus aposentos. Ela já estava se preparando para dormir – já havia tirado o uniforme de gala e vestido um short e uma camiseta regata preta.
Deitada, descalça e com os cabelos soltos, ela mexia em um PADD enquanto o sono não vinha; súbito, ouve a campainha de sua porta tocar.
Já era tarde e nem lhe passava pela cabeça receber visitas; no entanto, ela arrisca – somente uma pessoa poderia vir àquela hora da noite.

- Entre! – diz ela, enquanto se levanta da cama e deixa o PADD de lado.

O palpite de Seul-gi estava certo. Era Dan quem estava do outro lado da porta, ainda com o traje de gala. Assim que a porta se abre, ele entra.

- É você, Dan! – Seul-gi abre um sorriso – Só você viria me ver a essa hora da noite...

O capitão não diz uma palavra. Apenas assente com a cabeça, com um sorriso tímido no rosto e um ar apreensivo. Hong percebe, e sente que há alguma coisa errada.

- O que foi? – pergunta a coreana; a expressão em seu rosto muda de imediato – Você parece preocupado...

- Eu realmente estou preocupado, Seul-gi... – a voz de Dan sai um pouco embargada.

Claramente, Hong sente a tensão no olhar e nos maneirismos do capitão.

- Quer conversar um pouco? – perguntou ela.

Mais uma vez, Dan não diz nada. Apenas faz um sinal de afirmação com a cabeça.

- Sente-se – Seul-gi aponta para uma de suas poltronas – Quer beber alguma coisa?

- Não, obrigado... – responde o capitão.

Dan se senta, enquanto Seul-gi puxa a outra poltrona para mais perto. Ela também se senta, e segura no braço do melhor amigo, próximo ao pulso.

- O que houve, Dan? – perguntou ela, com uma expressão gentil no rosto – Tem alguma coisa a ver com o embaixador Sarek?

- É, Seul-gi... tem a ver com ele, sim... – a voz de Dan sai quase inaudível.

- Eu vi a forma como ele se referiu a sua missão diplomática em Capella IV – menciona Hong – Eu achei aquilo estranho... não é do feitio da Federação.

- De fato... o embaixador Sarek está indo a Capella IV para apagar um incêndio diplomático...

- Ele te contou os detalhes da missão?

- Contou, sim...

- E o que foi que ele te disse?

- Muitas coisas que você simplesmente não acreditaria...

Após ouvir estas palavras do capitão, a expressão no rosto de Seul-gi começa a ficar tensa. A próxima afirmação de Dan sai em um tom de voz ainda mais tenso e aterrador:

- É bom estarmos preparados, Seul-gi. Estou com a sensação de que estamos... na calmaria que antecede a uma tempestade...

Seul-gi não diz nada. Apenas olha para Dan com uma expressão assustada.

***


“Diário do Capitão – Data Estelar: 7513.3

Após quase quatro dias de viagem, chegamos a Capella IV sem maiores problemas; estamos nos preparando para deixar o embaixador Sarek na superfície do planeta.



No entanto, eu estou preocupado: o embaixador me revelou detalhes sigilosos e preocupantes a respeito de sua missão.

Por medida de precaução – e por recomendação de minha primeira-oficial – estou designando um grupo de oficiais armados para cuidar da segurança do embaixador até sua missão em Capella IV terminar.”



Dan, Seul-gi, Andros e um quinteto de uniformes vermelhos escoltam o embaixador Sarek pelos corredores da Frontier, rumo à sala de transporte.

- Este destacamento de segurança não era necessário, capitão – diz Sarek – Minha missão em Capella IV é de natureza pacífica, como o senhor bem sabe. Não compreendo a lógica por trás desta sua atitude.

- Em primeiro lugar, agradeça à srta. Hong, embaixador – responde Dan – A ideia do grupo de escolta foi recomendação dela; e outra, dadas as condições que o senhor me informou, é necessário agir com toda a cautela possível.

- Até onde me lembro, Capella IV é um planeta que possui uma sociedade tribal baseada em rígidos princípios morais e códigos de honra – relata Seul-gi – Se os capelanos se sentirem com a honra violada por algum motivo, não se sabe qual será a reação deles. Pelo fato de o senhor ser uma figura importante, embaixador, achei plausível que o senhor fosse à superfície do planeta escoltado por um grupo de segurança.

- Não estou dizendo que não há lógica nas suas atitudes, comandante – responde Sarek – Apenas julgo que sua medida é um tanto quanto temerária, dada a natureza de minha missão.

- É, mas não se sabe o que é que pode acontecer – diz o capitão – Ainda mais em se tratando daquele outro assunto...

- Acho que agora compreendi seu ponto, capitão – Sarek ergue uma das sobrancelhas.

Todos chegam à sala de transporte, onde Okonwa aguarda próximo ao dispositivo de ativação.

- Nós já temos as coordenadas para transporte, capitão – informa Oko – Eu os transportarei ao seu comando.

- Aguarde, Oko – ordenou Dan.

O capitão, então, dirige a palavra a um outro oficial, um ruivo parrudo de origem texana: o tenente Kevin Garrett, oficial de segurança encarregado de liderar o grupo de escolta ao embaixador Sarek, que acompanhará o vulcano na superfície de Capella IV:

- Sr. Garrett, será o responsável pela segurança do embaixador Sarek durante sua missão diplomática em Capella IV. Envie-nos diariamente um relatório completo de suas atividades. Assim que a missão se encerrar, voltaremos para busca-los. O senhor compreendeu?

- Sim, capitão! – responde Garrett.

- Está bem – diz Dan – Por favor, cuide bem do embaixador.

- Faremos o nosso melhor, senhor! – profere o ruivo.

Dan volta seu olhar para Sarek. É hora da despedida. A emoção em seu olhar é visível.

- Bem... parece que nos despedimos por aqui, embaixador.

Sem mudar a expressão, Sarek fixa seu olhar no capitão.

- Nos reencontraremos em breve, capitão. Esteja certo disso.

- É mais uma de suas afirmações baseadas em lógica, sr. Sarek? – Dan quebra o protocolo.

- Neste caso, a lógica é desnecessária – afirma o embaixador.

Eis que, antes de subir na plataforma do teletransporte, Sarek estende a mão para Dan. Ligeiramente surpreso, o capitão sorri, e retribui o gesto com um firme aperto de mão.

- Foi bom reencontra-lo, sr. Nardelli – diz o vulcano – O senhor amadureceu muito e se tornou melhor do que pude imaginar. Estou muito satisfeito com isso.

- Foi muito bom pra mim também rever o senhor, sr. Sarek – diz o capitão – Tudo o que conquistei dentro da Frota Estelar, eu devo ao senhor. Eu lhe sou eternamente grato.

Rapidamente, Sarek olha para Seul-gi, sem dizer uma palavra. E faz um comentário que deixa Dan sem jeito:

- Se me permite o comentário, capitão... eu vejo que o senhor continua seguindo meus conselhos à risca. Se é que o senhor me entende...

Dan se segura para não rir de nervoso. Sarek sobe na plataforma, juntamente com Garrett e os outros oficiais de segurança.
Antes de ser transportado, o vulcano olha para Nardelli e faz o famoso gesto de seu povo:

- Vida longa e próspera, capitão.

- Vida longa e próspera, embaixador! – diz Dan, retribuindo o gesto.

Sarek olha para Nardelli com satisfação, com seu frio olhar vulcano. Dan, por sua vez, se vira para Oko e lhe dá a ordem:

- Acionar!

Okonwa aciona o painel do teletransporte, e Sarek e os outros desaparecem da plataforma, envolvidos em luz azulada, para serem materializados na superfície de Capella IV.


Dan e Seul-gi voltam à ponte de comando da Frontier. Stanic anuncia sua chegada:

- Capitão na ponte!

Seul-gi assume seu posto, e Dan senta-se em sua cadeira.

- Nos tire de órbita, sr. Cortez – ordena ele – À frente, em dobra 4.

- Si, señor – responde Cortez, com seu tom descontraído e alegre – À frente, dobra 4.

A Frontier sai da órbita de Capella IV, e ganha o espaço disparando em velocidade de dobra.

***

Já longe de Capella IV, a Frontier segue seu curso, de forma tranquila. Até que o alferes Cortez vê uma movimentação estranha em seu painel.
Imediatamente, ele informa o capitão:

- Capitão, há uma nave vindo em nossa direção em dobra máxima. Direção... 374, marco 25. Está em curso de interceptação.

- Que estranho... – responde Dan – Consegue identificar a assinatura, srta. Hong?

- Negativo, capitão – diz Seul-gi – Há muita interferência nos sensores.

- Reverter para 1/4 de impulso, sr. Cortez – ordena o capitão.

- Sim, senhor – responde o espanhol – 1/4 de impulso.

A Frontier sai da velocidade de dobra e passa a navegar em velocidade sub-luz, a 1/4 de impulso.
Cortez continua atento ao seu painel, observando a movimentação da outra nave.

- A nave continua se aproximando, senhor! Ao alcance dos sensores em 5 segundos... 4... 3... 2... 1...

Eis que a misteriosa nave também sai de dobra.

- Contato visual, senhor! – relata Cortez.

- Na tela! – ordena Dan.

A aparência da tal nave pega todos de surpresa. Aparentemente, é um cruzador classe D7, muito semelhante ao utilizado pela frota do Império Klingon.
Imediatamente, Dan estranha a presença da nave:

- Isso é uma nave Klingon?! – questiona, franzindo a testa – Mas o que estão fazendo aqui? E por que interceptaram a gente?

Não apenas o capitão, mas todos estranham a presença daquela nave. Se era de fato uma nave Klingon, não seria a primeira vez que eles cruzariam o caminho da Frontier, dado o incidente com o cruzador T’Kuvma do capitão K’Nesh.
Claro, esta é uma situação completamente diferente – é bem provável que esta nave, agora, tenha surgido com intenções hostis. Mas, Dan, primeiro, resolve tirar satisfações:

- Frequências de saudação, sr. Stanic.

Imediatamente, o tenente Stanic acata a ordem:

- Abertas, capitão.

- Aqui é o capitão Daniele Nardelli da USS Frontier – diz Dan, com firmeza na voz – Nave Klin...

Antes que o capitão pudesse dizer mais alguma coisa, uma voz completamente rude é ouvida nos alto-falantes da ponte.
Uma voz masculina limpa, mas com tons sombrios, que desfere palavras extremamente ríspidas:

- Silêncio!!! Nós sabemos muito bem quem vocês são... escória da Federação!

Ao ouvir estas palavras, o tenente Andros fica paralisado. O som da voz lhe parece familiar.

- Não pode ser... – diz ele, com uma expressão de terror no rosto – Essa voz...

- Mas que atrevimento é esse?! – irrita-se Nardelli – Invade nosso espaço e ainda se dá ao luxo de falar nesse tom com um capitão da Frota Estelar? Quem diabos você pensa que é?!

A voz do outro lado da linha emite uma risada sinistra. E resolve falar em um tom ameaçador:

- Ficou assustado, capitão Nardelli?! Você ainda não viu nada... agora você sentirá o verdadeiro terror! Prepare-se!!!

- Ma che cazzo...?! – pragueja Dan, rangendo os dentes.

Eis que uma informação aterrorizante aparece no painel de Hong. De imediato, ela chama a atenção do capitão.

- Capitão! – grita ela, apavorada.

Rapidamente, Dan olha para Seul-gi. E ela informa sua constatação.

- A assinatura dessa nave não é Klingon, capitão... – ela faz uma pausa, quase ofegando – é romulana!

- Romulana?! – espanta-se Dan – Tá de brincadeira... nós não estamos na Zona Neutra!

E era apenas o começo. Não havia tempo para que a ficha pudesse cair. Não bastasse toda a tensão, Cortez ainda percebe uma outra movimentação estranha em seu painel.

- Ah, joder!!! – grita o espanhol, apavorado.

- Informe, sr. Cortez! – bradou Dan, quase no mesmo tom.

- Capitão... – a voz do alferes sai quase trêmula – Mais naves romulanas estão aparecendo por toda parte! Nós estamos cercados!

- Aves de guerra romulanas, capitão! – relata Hong – Elas estão se descamuflando!

E de fato, era o que acontecia. Outras dezenas de naves menores foram aparecendo ao redor da Frontier, como se aparecessem do nada. Era a mesma tecnologia de camuflagem usada pelos Klingons – na verdade, quem deu essa tecnologia aos Klingons foram justamente os romulanos; até cerca de quatro anos antes, ambos os povos formaram uma aliança que resultou em um importante intercâmbio tecnológico para as duas raças – daí o fato de os romulanos também usarem os cruzadores D7, projeto de tecnologia Klingon.

As naves romulanas cercam completamente a Frontier. Mesmo apavorado, Andros percebe em seu painel uma movimentação hostil das naves:

- Estão carregando e travando armas em nós, senhor! – grita ele.

- Alerta vermelho! – bradou Dan, sem pensar duas vezes – Defletores ao máximo! Todos a postos de batalha!

O alarme do alerta vermelho começa a soar por toda a nave. A tensão aumenta. Stanic recebe um chamado da nave romulana principal.

- O cruzador romulano está nos saudando, capitão! – informa o croata.

- Coloque no áudio! – ordena Dan.

Stanic acata a ordem do capitão. E a voz sinistra do misterioso comandante romulano é ouvida mais uma vez nos alto-falantes da ponte:

- Agora você entendeu, não é, capitão? – diz o comandante.

- Devo admitir que você é ousado... para não dizer louco! – retrucou Dan – Isto aqui é espaço da Federação, e sua presença e a de suas naves representa claramente uma violação do tratado da Zona Neutra. Qualquer passo que você ou seus homens derem adiante pode ser considerado por nós como um ato de guerra! Por que está jogando tão alto assim?

- Ah, capitão Nardelli... você sabe muito bem porquê... – responde o romulano.

- Do que está falando?! – Nardelli aumenta o tom.

Ninguém poderia imaginar o que o comandante romulano mencionaria a seguir. Sua resposta deixaria a todos na Frontier aterrorizados.

- Como eu disse, eu sei muito bem quem vocês são, capitão. E também sei muito bem que vocês têm um TRAIDOR a bordo de sua nave!

O comandante faz uma pausa do outro lado da linha. E revela, enfim, seu verdadeiro alvo:

- Não é mesmo... Andros V’Kor?!

A primeira reação de todos na ponte da Frontier é voltar seus olhares para Andros. Este, por sua vez, se vê completamente sem reação. Parecia conhecer bem o dono daquela voz, e sentiu um frio correr por sua espinha.

- Eu não acredito... É ELE!!! – exclamou.



CONTINUA...

________________________________

NOTAS DO AUTOR:

(*) Vide Jornada Nas Estrelas/Star Trek: The Original Series - Temporada 2 ep. 11: "O Sucessor" ("Friday's Child"

(**) Vide Star Trek: Frontier - Temporada 1 cap. 2: "Batismo de Fogo" 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Um pouco do que foi a StarCon 2019

Personagens de 'Frontier' #1 - Daniele "Dan" Nardelli

Capítulo 6 - PROJETO FRONTIER