[TEMPORADA 2] Capítulo 3 - DECISÕES DE COMANDO


 

“Diário do Capitão – Data Estelar: 7527.3 

A Frontier segue em curso rumo a um planeta recém-descoberto localizado em um setor não-mapeado do quadrante.

De acordo com relatórios preliminares da srta. Hong, o planeta possui uma grande concentração de deutério em sua superfície – o que pode torna-lo de suma importância para os interesses da Federação.”

 

 


A Frontier segue em dobra rumo ao novo planeta. A movimentação na ponte de comando é intensa, e a expectativa é grande: o deutério é um material importante no processo de propulsão de dobra, uma vez que é um dos elementos responsáveis por balancear a reação entre matéria e anti-matéria; e um planeta rico nesse elemento poderia tornar-se opção importante em termos de mineração.
De sua cadeira, o capitão Nardelli conversa com seus oficiais:

 

- Estimativa de chegada, srta. Martínez?

 

- Mantendo a velocidade atual, chegaremos em aproximadamente 1 hora e 53 minutos, senhor – respondeu a morena.

 

- Entendido. Sr. Cortez, aumentar velocidade para dobra 9.

 

- Aumentando para dobra 9, senhor – diz Cortez, enquanto aciona os comandos no painel do leme.

 

O entusiasmo no semblante e na voz de Dan é visível. Seul-gi observa tudo de seu painel, e acha graça de toda aquela situação.

 

- Você parece empolgado, Dan – diz ela.

 

- E não é pra menos, Seul-gi – responde o capitão – Não é todo dia que se descobre um planeta com uma superfície rica em deutério...

 

Os dois sorriem um para o outro durante alguns segundos. Mas Dan retoma o foco.

 

- A propósito... que outras informações a respeito do planeta o seu relatório contém?

 

Seul-gi aciona alguns dígitos em seu painel. E uma pequena imagem holográfica do planeta aparece.

 

- A atmosfera é semelhante à de um planeta de classe M. Contém 65% de nitrogênio, 30% de oxigênio, 2% de dióxido de carbono e outros gases em quantidades menores. Possui aproximadamente 10 mil quilômetros de diâmetro, e a superfície é rochosa em quase sua totalidade. Há atividade vulcânica intensa em alguns pontos do planeta; por conta disso, devemos ter bastante cuidado ao enviarmos um grupo avançado.

 

- Compreendo – diz o capitão – Há algum indício de presença de formas de vida?

 

- Negativo, capitão – responde Seul-gi – Pelo menos não da forma como conhecemos.

 

Dan franziu a testa.

 

- É... pelo jeito, vamos descobrir mesmo quando chegarmos ao planeta...

 

- De fato. Se realmente for um planeta desabitado, seria interessante estabelecer ali uma colônia de mineração – sugeriu Hong.

 

- Sim. No entanto, isso vai depender do Conselho da Federação – respondeu Nardelli – Essa questão já é algo que está além da alçada da Frota Estelar.

 

- Espero que tudo corra bem – diz a coreana – Também estou ansiosa...

 

***

 

Alguns decks abaixo, minutos depois, o doutor Lester conversa com a conselheira T’Kara nos aposentos da vulcana. No centro da discussão, está a sua relação conturbada com Seul-gi Hong, que vem desde a época da Academia da Frota.

Os dois estão sentados de frente um para o outro, separados apenas por uma pequena mesa de vidro ao centro.

 

- Não é que eu não goste da Hong, conselheira – diz Jon – Mas sei lá... pessoas muito introvertidas sempre me deixam com o pé atrás. Ela sempre teve esse jeito desde a época da Academia, e de alguma forma, isso nunca me desceu...

 

T’Kara escuta atentamente cada palavra do doutor, com sua frieza típica.

 

- Compreendo – diz ela, enquanto registra suas anotações em um PADD – Se me permite o comentário, doutor, eu observei que seu temperamento é bastante volátil. Possui uma tendência peculiar à impulsividade e a explosões emocionais; ao contrário da comandante Hong, que se esforça para guardar suas emoções e sentimentos para si mesma.

 

Lester empalideceu. Mordeu ligeiramente os lábios e cerrou um dos punhos. As palavras de T’Kara soaram-lhe como um insulto; no entanto, ele precisava se conter, pois, ao contrário do que estava acostumado, ele mesmo era o paciente ali.
A própria T’Kara o havia convocado para aquela sessão – ela estava começando a se familiarizar com a tripulação da nave, e fez questão de ouvir todos os tripulantes um a um.
Tal reação do doutor não passou batido diante dos olhos – e da telepatia – da vulcana.

 

- Algum problema, doutor? – diz ela, enquanto ergue uma sobrancelha – Parece que a sua mente está prestes a explodir.

 

- Hã?! Não, não é nada! – responde o loiro, completamente sem graça e rindo de nervoso.

 

Clara e visivelmente, Lester estava intimidado. Jamais havia conversado a fundo com alguém a respeito dos aspectos da sua personalidade – mesmo com Dan, seu melhor amigo, uma conversa como aquela era rara. A postura gélida de T’Kara também era algo que o fazia se sentir como um coelho diante de uma alcateia de lobos. E além disso, as habilidades telepáticas da vulcana faziam com que sua mente se tornasse um livro aberto para ela.

 

- A diferença de temperamento entre você e a comandante Hong é clara como as águas de um oceano – comenta T’Kara, sem mudar o tom de voz – Diferenças de qualquer tipo costumam naturalmente gerar conflitos. Isso é válido para qualquer espécie humanoide senciente.

 

Lester fica completamente mudo, enquanto T’Kara discorre.

 

- No entanto, esta tendência conflituosa é mais forte entre os seres humanos. A maioria dos conflitos que aconteceram na Terra foram fruto de divergências aliadas à instabilidade emocional intrínseca dos humanos: desde conflitos considerados ínfimos a grandes guerras globais.

 

T’Kara fixa o olhar no doutor, que por sua vez, fica com o rosto ruborizado de vergonha.

 

- No seu caso em específico, doutor... o principal fator em seus conflitos com a comandante Hong é sua diferença de personalidade. Mas eu posso ver em sua mente que há algo que ainda vai além desse fator...

 

Jon permanece sem dizer uma palavra. A pergunta que T’Kara faria a seguir acaba o pegando de surpresa:

 

- Por acaso, doutor, seria... ciúme do seu melhor amigo?!

 

O inglês fica sem reação. E começa a gargalhar de nervoso, sob o olhar inexpressivo da vulcana.

 

- Ciúme, conselheira?! Que bobagem! – diz ele, aos risos – O Dan é meu amigo, e mais do que tudo, eu quero ver ele feliz! Ainda que seja com a Hong...

 

T`Kara ergue a sobrancelha, em sinal de espanto. Eis que o sinal do INTERCOMM soa, e a voz do tenente Stanic é ouvida no alto-falante dos aposentos:

 

- Doutor Lester, apresente-se à ponte.

 

Os dois imediatamente se levantam de suas poltronas.

 

- Parece que teremos que continuar esta conversa depois, conselheira – diz Jon.

 

- Precisamente, doutor – responde T’Kara, já com as mãos nas costas.

 

Ambos deixam a sala, e seguem rumo à ponte de comando.

 

***

 

A Frontier se aproxima da órbita do planeta. Imediatamente, a alferes Martínez, navegadora, reporta ao capitão:

 

- Estamos a 10 mil quilômetros da órbita do planeta, senhor.

 

- Estabelecendo contato visual, capitão – complementa Cortez.

 

- Na tela – ordena Dan, de sua cadeira.

 

Cortez executa o comando, e a imagem do planeta aparece na tela principal. De imediato, Dan percebe que há algo de errado.

 

- Amplie a imagem, sr. Cortez – diz o capitão.

 

A imagem é ampliada. Percebe-se que há certas anomalias na atmosfera do planeta – algo que estava longe do descrito nos relatórios preliminares.

 

- Que estranho... – Dan fica com um olhar desconfiado – Pode me dizer alguma coisa a respeito, srta. Hong?

 

Seul-gi executa alguns comandos em seu painel.

 

- Os sensores indicam tempestades iônicas intensas ao longo da atmosfera do planeta – relata ela – É realmente estranho... isso não estava nas informações que me foram passadas!

 

- Possui alguma hipótese? – perguntou Dan

 

- É provável que essas tempestades sejam fruto de grande atividade vulcânica na superfície. As leituras dos sensores não são precisas, há muita interferência por conta das tempestades.

 

Nardelli lança um olhar atônito para sua primeira-oficial. Enquanto isso, Lester e T’Kara chegam à ponte de comando.

 

- É esse o tal planeta, Dan? – pergunta o doutor, olhando para a tela principal com um sorriso irônico – Parece ser bem convidativo...

 

- Essas tempestades não estavam nos planos, Jon – responde o capitão – Estamos tentando verificar o que está havendo, mas estamos com dificuldades nas leituras dos sensores.

 

T´Kara fixa o olhar na imagem da tela. E revela suas impressões de imediato:

 

- Eu sinto uma grande hostilidade emanando da superfície desse planeta. Parece que há alguém que não está contente com a nossa presença.

 

- Ué... mas a gente nem pisou nesse planeta ainda! – inferiu Lester – Como isso pode ser possível?

 

- É evidente que esta é uma situação incomum, doutor – responde T’Kara, com o tom de voz absolutamente frio – No entanto, tirar qualquer tipo de conclusão neste momento, além de precipitado, seria ilógico.

 

- Hunf... vulcanos... – resmunga o britânico consigo mesmo.

 

- Mas uma coisa é certa – continuou T’Kara – Existe vida senciente neste planeta. E eu posso sentir os pensamentos destes seres.

 

Dan estranha estas palavras da conselheira, uma vez que o relatório preliminar de Seul-gi não acusava nenhum tipo de forma de vida. E naquele momento, devido à interferência gerada pelas tempestades, as leituras dos sensores da Frontier eram inconclusivas.

 

- Alguma coisa nos sensores, Seul-gi? – perguntou Dan.

 

- Nada, capitão. As tempestades estão se intensificando. Os sensores de longo alcance também não funcionam.

 

- Não sei, não... Mas acho que esse planeta me cheira a encrenca! – diz o doutor – Será que não é melhor a gente voltar, Dan?

 

- Ora... – Hong lança um sorriso sarcástico para Lester – Por acaso está com medo de novo, doutor?

 

- E quem foi que pediu a sua opinião, senhorita espertalhona?! – retruca o britânico, ligeiramente irritado.

 

Antes que um pequeno bate-boca se iniciasse na ponte, Nardelli intervém:

 

- Senhores, isto não é hora para discussões inúteis! – diz ele, aumentando ligeiramente o tom – Nosso principal interesse aqui é o deutério, não chegamos até aqui para simplesmente desistir. Se realmente houver vida inteligente neste planeta, como T’Kara disse, iremos dialogar e negociar com eles.

 

Lester engole a seco as palavras de Dan. Hong olha para seu painel, e faz uma recomendação ao capitão:

 

- As tempestades já se estendem por toda a atmosfera do planeta. Com toda essa interferência iônica, o teletransporte se torna inviável. Teremos que usar uma nave auxiliar para chegar à superfície.

 

- Essas tempestades também irão dificultar as comunicações, capitão – relata Stanic – Os meus sistemas estão bastante instáveis. Não há como estabelecer um canal com a superfície do planeta.

 

- Isso não é nada bom... – Dan franze a testa.

 

Determinada, Hong se coloca diante da cadeira do capitão.

 

- Capitão – diz ela, com firmeza na voz – Estou ciente dos riscos que envolvem esta missão. No entanto, não chegamos até aqui para simplesmente sair de mãos vazias. Organizarei e comandarei um grupo avançado para ir à superfície do planeta; isso, claro, com a sua devida permissão.

 

Dan fica espantado com a firmeza e a determinação de Seul-gi. Reluta por alguns segundos, mas acaba dando uma palavra final favorável a ela:

 

- Permissão concedida. Mas por conta dos riscos desta missão, e com a probabilidade de estarmos sem comunicações com a superfície, devemos tomar algumas precauções. Você e seu grupo terão um prazo de exatamente duas horas para explorar a superfície do planeta, recolherem amostras de deutério e retornarem para a nave. Se dentro de duas horas vocês não retornarem, enviarei um grupo de apoio para resgatá-los. Independente das circunstâncias, vocês deverão retornar imediatamente para a Frontier com o grupo de apoio. Isso está claro?

 

- Sim, senhor – Hong assentiu, com o olhar firme.

 

O capitão se volta para o alferes Cortez, no leme:

 

- Estabeleça órbita padrão, sr. Cortez.

 

- Sim, senhor! – responde o espanhol.

 

Nardelli se levanta de sua cadeira. E encara Seul-gi por alguns segundos.

 

- Pode vir ao meu gabinete um instante, srta. Hong?

 

A coreana se surpreende com este pedido do capitão. Mesmo assim, faz um sinal de afirmação com a cabeça, sem dizer uma palavra.

 

Ela o segue para o gabinete do capitão, sob os olhares de Lester e T’Kara.

 

 

Dan e Seul-gi entram no gabinete. Ela estranha um pouco aquela atitude do capitão.

 

- Algum problema, Dan? – pergunta ela.

 

- Não, não é nada de mais... – responde Dan, com um sorriso tímido no rosto.

 

Ele se coloca na frente da primeira-oficial. E a segura suavemente pelos antebraços.

 

- É que... eu não queria fazer isso na frente dos outros – diz ele, com uma voz mais suave.

 

Dan sorri e olha fundo nos olhos de Seul-gi. E a ficha dela cai. Ele estava visivelmente preocupado – afinal de contas, agora ela não era mais apenas a sua primeira-oficial e a sua melhor amiga; agora ela era, também, a sua companheira, a sua amada. E vê-la ir para uma missão arriscada como aquela era algo um tanto quanto difícil para ele.

 

Os dois se entreolham por alguns segundos. Aproximam seus rostos pouco a pouco até os lábios se tocarem, e trocam um beijo apaixonado.
Ele a abraça, e ela retribui o gesto.

 

- Tenha cuidado, está bem, Seul-gi? – diz Dan, com a voz extremamente doce.

 

Seul-gi assente com a cabeça.

 

- Vai dar tudo certo, Dan – diz ela – Não se preocupe, eu vou ficar bem.

 

Dan também faz um gesto de afirmação com a cabeça.

 

- Conto com você.

 

Hong sorri. Pouco a pouco, ela se afasta de seu amado, e deixa o gabinete, em direção ao hangar da nave.

 

***

 

Instantes depois, todos estão no hangar de lançamento, onde o grupo avançado liderado por Hong embarcará na nave auxiliar para seguir rumo à superfície do planeta.
Para compor o grupo, Hong selecionou os seguintes oficiais: o doutor Lester, médico-chefe; o tenente-comandante Okonwa, engenheiro-chefe; o alferes T’alek, irmão de T’Kara, que serve na divisão de ciências; e três oficiais de segurança: o tenente Kevin Garrett e os alferes Hartley e Chen – estes dois últimos servem na Frontier há menos de um ano: o primeiro é um loiro canadense com olhos claros e o rosto repleto de sardas; o outro é um americano descendente de chineses, oriundo de Los Angeles.
O grupo está todo enfileirado diante da porta da nave auxiliar – sob os olhares do capitão Nardelli. da doutora McKinnon e da conselheira T’Kara, Hong repassa as orientações dadas pelo capitão, por conta das tempestades iônicas:

 

- Nós teremos exatamente duas horas para verificar a superfície do planeta e recolher amostras de deutério. Passado esse tempo, devemos retornar imediatamente para a Frontier. Se não voltarmos após duas horas, o capitão enviará um grupo de apoio para nos buscar. E independentemente de nossas condições, devemos voltar com esse grupo. De qualquer forma, vamos tentar executar a missão dentro do tempo estipulado. Isso está claro pra vocês?

 

Todos fazem um sinal de afirmação com a cabeça. Só o doutor Lester que resolve erguer o braço e fazer uma pergunta:

 

- O Andros não vem com a gente? Ele não perderia uma missão como essa por nada... o que foi que houve com ele?

 

- Eu dei algumas semanas de licença pra ele, Jon – esclareceu Dan – Toda aquela confusão na Base Estelar 12 o desgastou muito psicologicamente, por isso achei por bem liberá-lo de suas funções por um tempo. O sr. Garrett está exercendo as funções dele temporariamente.

 

- Ah, entendi – responde o doutor – Em todo caso, não temos com o que nos preocupar! Ainda mais depois do que eu vi ele fazer na Base Estelar 12...

 

- Não me subestime, doutor! – diz o brutamontes texano Garrett, com um sorriso irônico no rosto – Quando o assunto é a segurança da tripulação, eu sempre dou o meu melhor!

 

- Eu não duvido disso, tenente! – responde Lester, sem graça.

 

Enquanto isso, T’Kara olha para T’alek. Em ambos os olhares, é possível ver a objetividade e a frieza típicas dos vulcanos.

 

- Faça o seu melhor, T’alek – diz T’Kara – E aja sempre de maneira lógica.

 

- Não se preocupe, minha irmã – responde T’alek – Empregarei todo o meu conhecimento nesta missão.

 

A conselheira, então, faz a saudação vulcana.

 

- Vida longa e próspera! – diz ela.

 

- Vida longa e próspera! – responde o alferes, retribuindo a saudação.

 

Um a um, os membros do grupo vão embarcando na nave auxiliar. Quando chega a vez de Jon, Christine lança uma pequena provocação:

 

- Vê se não vai fazer nenhuma besteira, hein, Jon? – diz ela, sorrindo.

 

- Tá brincando, é?! – retrucou Jon – Isso aqui não é nenhum passeio turístico!

 

Hong é a última a embarcar na nave. Ainda há tempo para uma última palavra de Dan:

 

- Faça o melhor que puder, Seul-gi. E volte dentro do prazo estipulado.

 

- Pode deixar, capitão – diz ela – Nós voltaremos logo.

 

Ela entra na nave auxiliar, e a porta automática se fecha. T’Kara volta seu olhar para Dan, e lhe dirige a palavra:

 

- Está preocupado, não é, capitão?

 

- Lendo meus pensamentos de novo, conselheira?! – responde o capitão, achando graça.

 

T’Kara não responde. Apenas ergue uma de suas sobrancelhas.

 

- Vai dar tudo certo, Dan! – Christine tenta tranquiliza-lo – Confie na Seul-gi e nos outros! Eles vão dar conta do recado, você vai ver!

 

- Eu espero que sim, Christine – diz Dan – É que tem alguma coisa errada com aquele planeta...

 

Assim que todos embarcam na nave, Dan e os outros deixam o hangar, para que os procedimentos de lançamento pudessem ser iniciados.

Hong e T’alek assumem os painéis de controle da nave.

 

- Despressurizando hangar – relatou T’alek.

 

- Todos os instrumentos foram acionados. As leituras estão normais – informou Seul-gi – Preparar para iniciar motores de impulso, alferes.

 

- Sim, senhora.

 

O portão do hangar começa a se abrir.

 

- Iniciando motores de impulso – informa o vulcano, enquanto mexe em seu painel.

 

- Marque o curso para a superfície do planeta – responde Hong, também acionando dígitos em seu painel – Definindo velocidade em 1/4 de impulso.

 

- Você parece empolgada, Hong – diz Jon, com um sorriso malicioso – Nem parece que é a sua primeira vez comandando uma missão tão importante. Grandes ambições dentro da Frota à frente, é?!

 

- Pra ser sincera, comandar não faz muito o meu estilo, doutor – responde Seul-gi, um pouco incomodada – A verdade é que estou seguindo para este planeta mais pela curiosidade científica do que por outra coisa.

 

- Tá... vou fingir que eu acredito... – ironiza Jon.

 

A nave levanta voo e deixa o hangar pouco a pouco. O portão já está totalmente aberto.

Enquanto isso, Dan chega à ponte, acompanhado de T’Kara, e se encaminha para sua cadeira.

 

- A nave auxiliar acabou de deixar o hangar, capitão – informou Stanic – Está se encaminhando para a superfície do planeta.

 

- Frontier para nave auxiliar 1 – Dan contata a nave – Informe.

 

- Seguindo na direção 025, marco 7, capitão – informa Hong – Entraremos na atmosfera do planeta em aproximadamente cinco minutos.

 

- Quatro minutos e cinquenta e seis segundos, para ser mais exato – comentou T’alek.

 

Há um certo ruído na linha. As tempestades iônicas na atmosfera do planeta começam a se intensificar.

 

- A interferência iônica está cada vez mais intensa – relatou Seul-gi – É provável que a gente perca as comunicações assim que entrarmos na atmosfera.

 

- Então o prazo de duas horas valerá a partir desse momento – diz o capitão – Ajam conforme o protocolo estabelecido e tenham cautela. Retornem o quanto antes possível.

 

- Sim, capitão.

 

Pouco a pouco, a nave auxiliar vai alcançando a atmosfera do planeta. As tempestades ficam cada vez mais intensas.

 

- Nave auxiliar começando a entrar na atmosfera – relata Cortez.

 

- Os sistemas de comunicação estão se desestabilizando, capitão – informa Stanic – Estou perdendo contato com a nave auxiliar.

 

Dan fixa seu olhar na tela principal. E vê a nave auxiliar alcançar a atmosfera do planeta, entrando em uma nuvem iônica densa.

 

- Agora eles estão por conta deles – diz o capitão – Acione o cronômetro, sr. Stanic. O prazo de duas horas começa a partir de agora.

 

- Sim, senhor.

 

Stanic aciona alguns comandos em seu painel, e um relógio em contagem regressiva aparece no canto superior direito da tela.
Quando aquele relógio zerasse, o tempo estipulado se esgotaria, e a equipe de Seul-gi teria que retornar à nave.
Angustiado, Dan gruda os olhos no relógio.

 

- Espero que você consiga, Seul-gi – murmurou ele.

 

***


 

Na nave auxiliar, a situação já não era tão tranquila, uma vez que estavam dentro de uma intensa turbulência de íons.

 

- Perdemos a comunicação com a Frontier, comandante – relatou T’alek.

 

- As duas horas de prazo começam a partir de agora – responde Seul-gi – Leituras dos sensores, alferes.

 

- Há muita interferência. Os sensores estão erráticos.

 

Dentro da nuvem, descargas elétricas começam a surgir. Um desses raios atinge a nave, e explode uma das naceles.

 

- Problemas com a nacele de estibordo! – informa o alferes vulcano – Velocidade aumentando! Estamos perdendo altitude!

 

- Preparar para pouso de emergência! – ordenou Seul-gi – Tente encontrar um espaço aberto, T’alek!

 

Todos os outros membros do grupo avançado entram em pânico. Especialmente o doutor Lester.

 

- Eu sabia que esse planeta era sinônimo de problema! – exclamou ele.

 

- Qual é, doutor! – interpelou Garrett – Nunca viajou dentro de uma turbulência antes, é?!

 

Garrett começa a rir. E Lester se irrita:

 

- Não numa turbulência como esta, tenente! E isso aqui não é nada engraçado, as nossas vidas estão por um fio!

 

- Relaxa... – diz o grandalhão ruivo – Perto de encarar os romulanos, isso aqui não é nada!

 

- Os reatores de plasma estão superaquecendo! – exclamou Okonwa, em seu painel.

 

- Seguindo para 026, marco 4 – informou T’alek – Há uma área aberta nesse ponto. Faremos o pouso nessa área.

 

- Marcando curso para essas coordenadas – diz Hong, suando frio – Preparar para impacto em 15 segundos.

 

A nave auxiliar sai da turbulência em alta velocidade, seguindo em direção a uma clareira rochosa.

 

- Impacto em 5 segundos – informa Seul-gi – 4... 3... 2... 1...

 

- Segurem-se todos! – gritou Oko.

 

Com a nacele direita fumegando, a nave faz um contato violento com a superfície, deslizando até parar totalmente.
Mesmo com a força do impacto, ninguém se fere com gravidade – um ou outro tripulante sofreu apenas escoriações leves.

 

- Estão todos bem? – perguntou a coreana.

 

- Sim, senhora – diz o alferes Chen, com uma das mãos na cabeça – Só um galo na cabeça, nada mais.

 

- Eles vão sobreviver... – diz Lester, enquanto examina Hartley com seu tricorder médico.

 

- Está tudo bem, comandante – inferiu Oko – Ao que tudo indica, não sofremos baixas.

 

- Errado, sr. Okonwa! – Jon sobe o tom de voz – Nós temos uma baixa, sim... a minha sanidade!

 

O inglês começa a encarar Seul-gi.

 

- Afinal de contas, o que significa isso, Hong?! Você quase nos matou com essas manobras!!! Devia ser mais responsável, já que está no comando aqui!

 

- Nem vem, doutor! – retrucou ela – Eu fiz o que tinha que ser feito. Os riscos já estavam calculados desde o princípio. Se estava com tanto medo assim, você devia ter ficado na Frontier!

 

- Que medo, que nada! Eu sou o oficial médico-chefe da Frontier, já se esqueceu? E se algo mais grave tivesse acontecido e eu não estivesse aqui, o que você faria?

 

- Já chega, Jonas! – diz ela – Isso não é hora para discutirmos. Chegamos ilesos à superfície deste planeta, e temos trabalho a fazer aqui!

 

Seul-gi lança um sorriso irônico para Jon.

 

- E como você bem disse, eu estou no comando. Então é melhor você ter juízo.

 

- Tá... aproveita enquanto pode! – diz ele.

 

Hong, então, começa a distribuir ordens.

 

- Muito bem. Sr. Okonwa, faça um relatório de danos; sr. Garrett, ficará encarregado de vigiar a nave. Os demais irão vasculhar os arredores e recolher amostras de deutério. Levem phasers e tricorders, e mantenham contato visual com a nave.

 

- Sim, senhora – dizem Oko e os outros.

 

- Ei! E quanto a mim? – questiona Lester.

 

- Você fica aqui de prontidão pra qualquer emergência médica – responde Seul-gi – Afinal, esta é a sua função, não é?

 

- Se quiser, pode dar uma mão aqui, doutor! – diz Oko, em um tom descontraído – Do jeito que a nave foi danificada, toda ajuda vai ser bem vinda!

 

Oko ri, enquanto Lester fecha a cara.

 

- Oras... eu sou um médico, não um engenheiro! – esbraveja.

 

- Eu sabia que ia responder isso... – responde o africano, caindo na risada.       

 

Oko começa sua inspeção, enquanto Jon, de cara fechada, faz um sinal de negação com a cabeça.

 

***

 

Enquanto Jon e Oko permanecem no interior da nave auxiliar, Hong e os outros vão para o lado de fora. Por conta das tempestades, todo o céu do planeta está encoberto por nuvens cinzentas e espessas, e ocasionalmente, raios se formam entre elas. O som de trovoadas é quase constante, e algumas rajadas de vento podem ser sentidas.

Diante deste clima instável, Seul-gi dá andamento à missão de exploração.

 

- Fique vigiando a porta, sr. Garrett – ordena ela – Mantenha um canal aberto e nos informe sobre qualquer eventualidade.

 

- A senhora é quem manda, comandante! – responde o ruivo, sorrindo.

 

T’alek e os outros dois da segurança estão com os olhos voltados para seus tricorders, examinando as leituras.

 

- Não há dúvidas que este planeta possui abundância de deutério, comandante Hong – relatou o vulcano – Meu tricorder acusa uma reserva grande do minério na direção 541, marco 9.

 

- O meu também mostra leituras intensas de deutério, comandante – diz Hartley – a mais ou menos uns 300 metros a noroeste da nossa posição.

 

- Vamos nos dividir em dois grupos – determina Hong - Eu irei com T’alek para a direção indicada pelo seu tricorder, enquanto vocês dois seguirão para a outra direção. Recolham amostras de deutério e voltem para a nave o quanto antes. Lembrem-se de manter contato visual com a nave e ajustem seus phasers para tonteio.

 

- Sim, senhora! – responde Chen.

 

As duplas seguem para as direções determinadas. Em frente à nave, Garrett permanece de tocaia, observando ao redor. A alguns quilômetros à sua frente, há uma grande formação rochosa – no alto, ele vê algo parecido com um vulto se movimentando. Tal movimentação chama a atenção do texano.

 

- Mas o que diabos é aquilo?! – resmunga ele, franzindo a testa.

 

 

A alguns metros dali, Hartley e Chen caminham seguindo as leituras dos tricorders, enquanto conversam entre si:

 

- Eu não sei você, Hartley... – diz Chen – Mas este lugar está me dando arrepios!

 

- Ah, qual é, Brandon! – responde Hartley; Brandon é o primeiro nome do alferes Chen – Vai me dizer que está com medo igual o doutor Lester estava quando a gente estava vindo pra cá!

 

- Não é isso, cara... é que, sei lá... Parece que tem alguma coisa aqui observando a gente o tempo inteiro!

 

- Eu não vi ninguém aqui até agora... – diz o loiro – Pelo visto, aqui só tem deutério! Bem que podia ter também umas moças bonitas por aqui, não acha? Tipo a comandante Hong...

 

- Sério?! Eu não sabia que orientais faziam o seu estilo... – Chen acha graça – Já que estamos falando dela, você ficou sabendo?

 

- O quê?! – Hartley fica curioso.

 

- Ela e o capitão Nardelli estão juntos! – comentou o sino-americano – Foram passar licença em Risa e tudo o mais.

 

- Não brinca!!! O capitão é mesmo um cara de sorte...

 

As leituras do tricorder de Chen se tornam mais intensas, assim como as de Hartley. Os dois param em uma bifurcação.

 

- Parece que o deutério está naquela direção! – Chen aponta para a sua direita.

 

- Meu tricorder está indicando uma grande reserva ali também! – diz Hartley, apontando para a sua frente – Vamos fazer o seguinte: você vai recolher amostras do seu lado enquanto eu vou recolher por ali. A gente se encontra exatamente neste ponto, beleza?

 

- Tá legal! Vê se toma cuidado, hein?

 

- Deixa comigo!           

 

Cada um segue para um lado da bifurcação. Do alto de um pequeno morro próximo, uma sombra se movimenta rapidamente.

 

***

 


Em um outro canto do planeta, estão Hong e T’alek. Os dois estão partindo pedaços de rocha, com os phasers ajustados em uma frequência maior.
O alferes vulcano consegue partir uma grande lasca, e em seguida a analisa com um pequeno sensor de seu tricorder.

 

- Não há dúvidas, comandante – diz ele – Isto é deutério bruto. Com uma porcentagem de minério relativamente alta.

 

- As leituras do meu tricorder também dizem o mesmo sobre a minha amostra – responde ela – É bom recolhermos mais algumas delas para levar para a Frontier. Vamos continuar.

 

- Sim, senhora.

 

Os dois voltam às suas tarefas. Eis que T’alek pressente algo e olha para trás – e vê uma sombra se movimentando rapidamente entre as rochas.
Tal movimento chama a atenção do vulcano, que, ligeiramente apreensivo, fixa o olhar nas rochas e ergue uma sobrancelha.

 

- O que foi, alferes? – pergunta Seul-gi.

 

- Talvez eu não saiba definir isto de maneira exata, comandante – responde T’alek – Mas tenho a impressão de que estamos sendo observados. Acabei de ver alguma coisa se movimentando naquela direção.

 

Ele aponta para a direção onde viu a sombra.

 

- Que estranho... – diz ela – As leituras preliminares não indicaram presença de formas de vida neste planeta. Os tricorders também não acusam nada desde que chegamos aqui.

 

- Pode não ser vida como conhecemos... – especula o vulcano.

 

- Tem razão. É melhor verificarmos. Coloque seu phaser em tonteio.

 

- Sim, senhora.

 

Os dois seguem para a direção onde T’alek viu a sombra, e começam a vasculhar cuidadosamente.

 

 

Enquanto isso, o alferes Hartley recolhe amostras de deutério no outro lado do planeta, e as analisando com seu tricorder.
Ele segue trabalhando tranquilamente, até que uma sombra se move por trás, movendo-se tão rápido que apenas um sopro é ouvido.
Hartley percebe e fica atônito – imediatamente, ele ajusta o phaser para tontear e fica com ele em punho. Olha para todos os lados, e avança dois passos para a frente.
Em um dos lados, outra sombra se move com velocidade – o oficial de segurança volta-se para esse lado, e nada vê.
Um outro sopro é ouvido em outro canto do lugar, seguido por outros. Completamente confuso, Hartley não sabe em que direção dirigir o seu olhar.
Até que algo aparece diante dele, e o deixa paralisado de medo. E em seguida, tudo o que se ouve é o forte rugido de uma fera, e o grito de dor e de desespero de Hartley.

 

Perto dali, Chen é pego de surpresa ao ouvir o grito de Hartley.

 

- Hartley!!! – grita ele, visivelmente assustado.

 

Imediatamente, ele interrompe seus trabalhos e corre na direção onde ouviu o grito, na tentativa de ajudar o colega.

Poucos instantes depois, ele chega até a posição onde Hartley estava, de phaser em punho. Olha para todos os cantos, e não encontra nada.

 

- Hartley!!! O que aconteceu?! Onde você está?!

 

Mais uma vez, Chen olha em volta, tentando encontrar algo. Até que, próximo a uma rocha, ele encontra o tricorder de Hartley caído no chão, e manchas de sangue ao lado.

 

- Não pode ser... – diz ele, horrorizado.

 

De imediato, ele saca o comunicador:

 

- Chen para comandante Hong! – chamou, aos berros – Por favor, responda!

 

Hong e T’alek tentam encontrar a sombra vista pelo vulcano, sem sucesso. Ela ouve o chamado de Chen e o responde:

 

- Aqui é Hong! Informe!

 

- Eu preciso de reforço aqui, comandante! – responde Chen, desesperado – Alguma coisa atacou o Hartley! Ele desapareceu!

 

- A caminho! – Hong encerra a comunicação.

 

Ela e T’alek, então, se dirigem para o local onde Chen se encontra.

 

***

 


“Diário do Capitão – suplemento:

Já se passou cerca de meia hora desde a entrada da nave auxiliar na atmosfera do planeta.
Devido à intensidade da tempestade iônica, não há como contatar o grupo avançado.

 

Não sei se isso é o bastante para eu estar preocupado. No entanto, minhas impressões sobre a atual conjuntura não são das melhores...”

 

 

Sentado em sua cadeira na ponte, Dan não desgruda os olhos da tela principal, onde se vê a imagem do planeta com a atmosfera completamente encoberta com nuvens instáveis.

A tensão em seu rosto é visível.

 

- Informe, srta. Martínez – ordena.

 

- A atmosfera do planeta está completamente ionizada, capitão. Os sensores de longo alcance não funcionam.

 

- Impossível contatar a superfície, senhor – relatou Stanic – Os sistemas de comunicação não respondem.

 

Dan suspira por um instante, levando as mãos ao rosto.

 

- Será que a curiosidade matou o gato?! – murmura.

 

- Me perdoe a ignorância, capitão – intervém T’Kara, com a postura fria e racional de sempre – mas o que o ato de tirar a vida de felinos tem a ver com a nossa situação atual?

 

Ainda que de forma tímida, o capitão sorri, achando graça das palavras da vulcana.

 

- Isto é apenas um antigo ditado da Terra, conselheira – respondeu Dan – Trata-se de uma mera figura de linguagem.

 

- Que, por sinal, revela o quanto humanos ainda são bárbaros – diz a conselheira, de forma categórica – Mas creio que compreendi o seu raciocínio.

 

Ela olha fixamente para a imagem do planeta. E faz uma declaração aterradora:

 

- A fúria e o ódio estão prestes a explodir no planeta. O grupo avançado pode ter problemas.

 

- Talvez a gente tenha se metido onde não devia... – diz o capitão, com a expressão no rosto cada vez mais tensa.

 

Mais uma vez, Dan volta seus olhos para a tela principal. E a imagem de Seul-gi e dos seus companheiros da nave auxiliar lhe vem à cabeça.

 

- Tenha cuidado, Seul-gi... – pensou – Estou preocupado com você e com os outros...

 

 

Enquanto isso, na superfície, Hong e T’alek encontram-se com o alferes Chen, que lhes conta tudo o que aconteceu.
Com o uso do seu tricorder, o vulcano analisa o sangue que se encontra no chão.

 

- Não há dúvidas, comandante – diz ele – Este sangue é do sr. Hartley.

 

- O meu tricorder não detecta nenhum tipo de leitura adicional – comenta Seul-gi – Lembra-se de ter visto ou sentido algo estranho ao redor, sr. Chen?

 

- Não, senhora... – respondeu Chen, visivelmente assustado – Quando eu cheguei, tudo o que eu encontrei foram o tricorder do Hartley e essas manchas de sangue. Não vi nada nem ninguém por perto!

 

- Fascinante – comenta T’alek – Ao que tudo indica, a criatura ou o que quer que tenha atacado o sr. Hartley não deixou qualquer rastro de sua presença... À exceção do tricorder e das manchas de sangue.

 

- Pode ter sido a mesma coisa que você viu quando estávamos explorando do outro lado, sr. T’alek – diz Hong – Mas... como ela pode ter se movimentado tão rápido? E por que ela atacou o Hartley?

 

- As circunstâncias de fato são ilógicas, comandante. Não há como determinar uma hipótese a respeito.

 

- O deutério deixou de ser a nossa prioridade – Seul-gi franze a testa – Devemos descobrir que tipo de formas de vida existem nesse planeta e também encontrar o paradeiro do sr. Hartley. Vamos voltar para a nave auxiliar e traçar uma estratégia.

 

- Com todo o respeito, comandante – Chen resolve intervir – Mas não acha que devíamos procurar o Hartley agora? Ele claramente está ferido... e se bobear, pode até já estar morto!

 

- Eu também estou preocupada com o alferes Hartley, sr. Chen – respondeu a coreana – Mas nós não sabemos exatamente com o que estamos lidando aqui. Qualquer tipo de atitude precipitada neste momento significaria colocar mais vidas em risco. E isto é tudo o que eu não quero agora.

 

- Mas, comandante... – insistiu Chen, visivelmente desesperado – como fica o Hartley? A gente não pode deixar ele pra trás assim...

 

Seul-gi suspira e respira fundo, tentando não se irritar. Ela se aproxima de Chen e lhe dirige a palavra, subindo um pouco o tom:

 

- Alferes Chen! Devo lhe deixar claro que sou eu quem está no comando desta expedição. Portanto, não apenas a vida do sr. Hartley está sob a minha responsabilidade, mas também a sua e a de todos os outros que vieram a este planeta. Eu entendo perfeitamente os seus sentimentos, mas diante da nossa situação, não devemos agir com imprudência! Independente da condição dele, nós o encontraremos da forma apropriada. Nós vamos sim encontra-lo, mas agora nós vamos retornar para a nave e traçar um plano. E isto é uma ordem!

 

Abatido, Chen engole a seco as palavras de Hong.

 

- Eu sinto muito, senhora... – diz ele.

 

- Acalme-se, Brandon – Seul-gi sorri – O Hartley vai ficar bem.

 

O jovem oficial de segurança assente com a cabeça. E todos tomam o rumo de volta à nave auxiliar.

 

***

 

Os três retornam ao ponto onde se encontra a nave auxiliar. O tenente Garrett permanece em frente à porta da nave, fazendo guarda.

 

- Comandante! – Garrett coloca-se à frente de Hong.

 

- Como estão as coisas, sr. Garrett? – perguntou ela.

 

- Aparentemente tudo está tranquilo – responde o ruivo – Exceto por...

 

Antes que Garrett concluísse a frase, o doutor Lester sai da nave de surpresa, interrompendo-lhe a fala.

 

- Ora, já voltaram! – diz ele – E aí, o que foi que vocês conseguiram?

 

- Recolhemos algumas amostras de deutério, mas ganhamos um problema: o alferes Hartley desapareceu – contou Seul-gi – Aparentemente, ele foi atacado por alguma coisa.

 

- Tava na cara que esse planeta era encrenca na certa! – resmunga o médico inglês – E como se não bastasse, estamos presos aqui! Vamos ter que voltar com o grupo de apoio, pelo jeito...

 

- Do que está falando, doutor? – Hong franze a testa.

 

Eis que Okonwa aparece na porta, com um PADD em suas mãos. Ele faz o seu relato para Seul-gi:

 

- A nacele de estibordo foi seriamente danificada. Os motores de impulso também estão inoperantes.

 

- Quanto tempo até concluir os reparos, sr. Okonwa? – perguntou a coreana.

 

- Cerca de três a quatro horas, pelo menos – responde Oko.

 

- Nós não temos todo esse tempo – ponderou Seul-gi – E parece que não estamos sozinhos neste planeta.

 

- Era sobre isso que eu ia falar, comandante – comenta Garrett – Eu vi alguma coisa esquisita se movendo no alto daquela montanha...

 

Garrett aponta para a montanha rochosa onde viu a sombra.

 

- Consegue descrever o que viu, Kevin? – questiona Seul-gi.

 

- Difícil responder... Não consegui ver direito, se mexeu muito rápido.

 

- É muito estranho... – reflete Hong – Não há qualquer indício de presença de vida por aqui... Há alguma coisa errada, pelo visto.

 

- Acha que essas criaturas podem ser hostis, comandante Hong? – pergunta Oko.

 

- A julgar pelo que fizeram com Hartley, esta é uma hipótese plausível – responde ela – Sr. Okonwa, consegue remodular os escudos da nave e usá-los para criar um campo de contenção de nível 3 em torno dela?

 

- Sim, claro. Acredito que isso é possível.

 

- Pois então faça isso. Quanto mais estivermos precavidos, melhor.

 

- Sim, senhora.

 

Oko começa a trabalhar nos escudos da nave auxiliar. Seul-gi se volta para os outros integrantes do grupo. E nota que está faltando alguém.

 

- Onde está o sr. Chen? – pergunta ela.

 

- Disse que foi atrás do alferes Hartley, comandante – responde T’alek – Tentei convencê-lo a ouvir a sua estratégia, mas em vão. Ele está emocionalmente alterado.

 

- Como se já não tivéssemos problemas o suficiente... – Seul-gi suspira – sr. T’alek, fique aqui e vigie a nave. Doutor Lester, sr. Garrett, comigo!

 

Ela saca o phaser e segue adiante, acompanhada dos dois.

 

 

A alguns metros dali, Chen caminha à procura de Hartley. Tenta refazer o caminho que o colega seguiu, buscando encontrar alguma pista.

 

- Droga... não dá pra esperar uma posição da comandante, o Hartley precisa de ajuda! – resmunga ele.

 

Visivelmente desesperado, ele grita para todos os cantos:

 

- Hartley!!! Hartley, você está bem?! Onde é que você está? HARTLEY!!!

 

Chen caminha por mais alguns metros. Até que algo se movimenta pelas costas dele. Ele percebe e olha para trás, mas não vê nada.

 

- Hartley, é você? – pergunta ele – Onde você está, eu tô preocupado, cara! Hartley!

 

Não era Hartley. Mais sombras começam a se mover rapidamente, pelos lados. Chen fica confuso e olha em sua volta, mas não encontra nada. Até que algo surge em sua frente e o ataca de surpresa. Da mesma forma que Hartley, Chen não tem tempo de reagir – grita de dor e de medo, enquanto a fera misteriosa urra estrondosamente.

 

O grito de Chen é ouvido por Hong e pelos outros, que imediatamente vão em sua direção.

 

- Chen!!! – gritou ela – Vamos!

 

Em questão de minutos, ela, Lester e Garrett chegam até a posição de Chen. E para o espanto de todos, o encontram estatelado no chão, com cortes profundos pelo corpo.
Lester o examina com o sensor de seu tricorder médico, e direciona seus dedos ao pescoço dele, para medir a pulsação. Mas antes que o tocasse, o doutor percebe um corte na jugular, e um olhar fixo e sem vida no rosto do alferes sino-americano.
Ele se vira para Hong e faz seu diagnóstico:

 

- Está morto.

 

Horrorizada, Seul-gi leva às mãos ao rosto. Garrett também fica sem reação.

 

***

 

Pouco depois, Hong e os outros trazem de volta o corpo do alferes Brandon Chen e o sepultam em um ponto próximo da nave auxiliar.
Garrett coloca a última pedra sobre o túmulo improvisado, feito somente com pedras colhidas ao redor.

 

- Puxa vida... coitado do Brandon... – diz ele – Ele era jovem e muito promissor. Tinha tudo pra ser um dos meus melhores oficiais...

 

- Realmente não dá pra acreditar... – diz um consternado Okonwa.

 

Perto da porta da nave, está Hong. Bastante abatida, ela olha na direção das montanhas rochosas do planeta. Também consternado, Lester se aproxima.

 

- É... nada mal para um primeiro comando, hein?! – diz ele, sério, mas com uma pitada de sarcasmo na voz – Uma nave auxiliar avariada, um oficial morto, outro desaparecido... Tá bom ou quer mais?

 

- Por acaso quer me culpar pelo que aconteceu com o Chen? – responde ela, com a voz atravessada.

 

- Ei, ei, bandeira branca, Hong! – exclamou o doutor, agitando as mãos como quem pede calma – Eu não tô a fim de discutir com você, até por que não é hora e nem lugar pra isso! Só tô tentando dizer que deve estar sendo difícil pra você segurar essa barra, só isso!

 

- Foi por isso que eu te disse que comandar não faz o meu estilo. Eu não sei como é que o Dan aguenta... se isso aqui já é difícil, comandar uma nave estelar deve ser pior ainda!

 

- Não acho que você tenha pensado assim quando comandou a Frontier contra o Nero... – Lester sorri – Você se saiu muito bem daquela vez, isso eu sou obrigado a admitir!

 

- A única coisa em que eu pensava naquele momento era em salvar a vida do Dan – responde Seul-gi, sorrindo timidamente – Acho que eu não sabia o que estava fazendo...

 

A coreana volta seu olhar para o túmulo do alferes Chen. E uma lembrança vem à sua mente:

 

- Antes de ir confrontar o Nero, o Dan me disse que ser um oficial da Frota Estelar significava correr riscos constantemente. Vendo o que aconteceu com Chen, eu começo a entender o que ele quis dizer...

 

Lester olha para Hong, enquanto esta olha para o túmulo de Chen. Mas alguém lhe chama a atenção para algo. É T’alek:

 

- Comandante!

 

O vulcano aponta para a direção das montanhas, e todos fixam o olhar.
Alguém está se aproximando da nave, acompanhado por pelo menos uma centena de estranhas criaturas, muito semelhantes a lobos, cada uma com uma pelagem em um cinza-chumbo profundo, olhos vermelhos cintilantes como rubis, garras que parecem ser de um metal afiado nas patas e um par de chifres de pedra na cabeça.

E quem as acompanha é ninguém menos que o alferes Hartley, visivelmente ferido, com alguns cortes e escoriações pelo corpo.

 

- Não pode ser... é o Hartley! – exclamou Garrett.

 

- Mas... que tipo de animais são esses que estão com ele? – questiona Oko.


Hong faz um gesto com uma das mãos, como quem pede para esperar. Ela se aproxima e dirige a palavra à Hartley:

 

- Sr. Hartley! É bom vê-lo de volta. Está tudo bem?

 

No entanto, o alferes permanece mudo. Ele aparenta estar fora de si: o olhar dele permanece vazio e inexpressivo, como se ele estivesse em transe ou algo parecido.

Ao mesmo tempo, as criaturas encaram o grupo com olhares de fúria, rosnando o tempo inteiro.

A atitude catatônica de Hartley provoca estranheza nos outros tripulantes da Frontier.

 

- Alferes? Está tudo bem? – insistiu Seul-gi.

 

Uma das criaturas ruge e avança para cima da comandante, colocando-se à frente do alferes ruivo.

Hong consegue se esquivar a tempo, dando um salto para trás. Todos os outros observam, visivelmente assustados.

 

- Parece que alguém não está muito contente com a nossa presença... – diz Jon Lester.

 

- Devem ter sido essas coisas que atacaram Hartley e Chen – palpitou Garrett – Esses bichos são realmente assustadores.

 

De forma cautelosa, T’alek faz uma análise com o seu tricorder. E informa suas descobertas à Seul-gi:

 

- A composição destes seres não é orgânica, comandante. Sua fisiologia consiste em tecidos feitos de compostos minerais e metais pesados. Não são formas de vida baseadas em carbono: eu diria que são uma espécie de rocha viva ou algo semelhante.

 

- Por isso não apareceram nos relatórios primários – conclui Hong – Os sensores da Frontier não os detectaram porque eles não possuíam características de formas de vida convencionais. Agora tudo está fazendo sentido...

 

- Hartley, nós estávamos preocupados! – diz Garrett – Está tudo bem com você?

 

As palavras de Garrett não surtem efeito. Hartley permanece apático, como quem olha para o nada. Os estranhos lobos cor de chumbo do planeta vão se aglomerando diante do grupo de exploração da Frontier, todos eles com uma expressão furiosa no rosto e os olhos vermelhos brilhantes de ira.

Seul-gi e os outros começam a ficar apreensivos diante da situação. Até que Hartley dá dois passos à frente e, enfim, diz algumas palavras, em um tom de voz absolutamente estranho:

 

- Vocês não são bem-vindos aqui...

 

De imediato, as palavras do jovem canadense deixam a todos de queixo caído.

 

***

 

“Diário do Capitão – suplemento:
A situação permanece inalterada. Apesar dos esforços do sr. Stanic, a comunicação com a superfície do planeta continua impossibilitada devido à tempestade iônica. 

Já estamos quase no limite do tempo. Estou colocando o grupo de apoio a postos para resgatar a equipe de exploração. Isso, claro, se ainda estiverem vivos...”

 

 

Dan está no hangar de naves auxiliares da Frontier, juntamente com T’Kara e um grupo de uniformes vermelhos – eles são oficiais de segurança encarregados de trazer de volta o grupo avançado liderado por Seul-gi.

Quem está no comando desse grupo é o tenente Gibbons, um negro robusto de cerca de 1,80m de altura, que faz parte da equipe de segurança da nave.
Dan passa orientações para ele:

 

- Sr. Gibbons, o senhor e a sua equipe estarão encarregados de resgatar o grupo avançado e trazê-lo de volta para a Frontier. Assim que chegarem na superfície do planeta, devem embarca-los na nave auxiliar e retornar imediatamente, independente das circunstâncias. Isso está claro?

 

- Sim, senhor! – responde Gibbons – Faremos o nosso melhor.

 

- Boa sorte! – diz Nardelli – Creio que na atual situação vocês irão precisar...

 

- Está tudo bem, senhor. Nós os traremos de volta sãos e salvos – prometeu o tenente.

 

Um a um, Gibbons e os membros da equipe de apoio vão embarcando em uma nave auxiliar, sob o olhar tenso do capitão Dan Nardelli.

 

- Ainda está preocupado, não é, capitão? – diz T’Kara – Especialmente com a comandante Hong...

 

- É, conselheira – respondeu Dan – Não deve estar sendo nada fácil pra ela comandar essa missão.

 

- Ela tem ciência de sua responsabilidade como primeira-oficial, além de um senso de dever muito grande. Logicamente ela lidará com a situação da melhor forma possível.

 

- Espero que você esteja certa, T’Kara – diz Dan.

 


 

Na superfície do planeta, Hong e os outros permanecem estupefatos com o estranho comportamento do alferes Hartley. E para piorar, um bando de criaturas desconhecidas começava a cercar o grupo avançado.
A situação tinha contornos imprevisíveis; contudo, o doutor Lester se demonstra revoltado com as palavras de Hartley.

 

- Mas que negócio é esse, sr. Hartley?! – exclamou ele, quase gritando – Isso é algum tipo de brincadeira?! Porque se for, não tem a menor graça!

 

T’alek coloca seu braço diante do doutor, como quem diz para esperar. O alferes vulcano percebeu algo errado no comportamento de Hartley.

 

- Contenha seu ímpeto, doutor – diz ele – Aparentemente o alferes Hartley não está falando de forma consciente. Ele está visivelmente fora de si.

 

- O que quer dizer, alferes? – questiona Hong.

 

- Eu sinto uma grande capacidade telepática nessas criaturas – responde T’alek, de forma categórica – Elas devem estar usando ondas mentais para controlar o alferes Hartley e se comunicarem através dele.

 

- Impossível! – exclamou Okonwa – Elas o estão controlando como se fosse uma marionete?

 

- Creio que sua analogia descreve bem esta situação, sr. Okonwa – diz o vulcano – É perfeitamente lógica.

 

- Fascinante... – Seul-gi arregala os olhos.

 

Ela dá alguns passos à frente e se coloca próxima de Hartley. Uma das criaturas permanece à frente dele, rosnando incessantemente. Outras duas também se aproximam, uma de cada lado.

 

- Oh, céus!!! Qual é a sua, Hong?! – gritou Lester, apavorado – Que diabos você está pretendendo fazer?

 

- Isso é um pouco óbvio, não acha, doutor? – Seul-gi lança um olhar atravessado – Ou já se esqueceu de quem está no comando aqui?!

 

Jon fica paralisado. Aparentemente, Seul-gi estaria se colocando em uma situação de risco. Quem trata de esclarecer as coisas é o tenente Garrett:

 

- Ela vai tentar negociar com as criaturas – diz ele – Realmente a comandante Hong tem fibra!

 

- Ela tem evoluído muito desde que a Frontier deixou a Terra – comentou Oko – Eu estou impressionado.

 

Jon suspira por um instante.

 

- É, acho que vocês têm razão – diz ele – Se ela consegue bater de frente com os romulanos pra salvar o Dan, então ela consegue qualquer coisa...

 

Os lobos de chumbo continuam a rosnar – estão visivelmente incomodados com a atitude de Seul-gi.
Uma pergunta sai da boca do apático Hartley:

 

- O que você quer?

 

- Sou a comandante Seul-gi Hong, da nave estelar da Federação Frontier – responde ela – Somos representantes da Federação Unida dos Planetas. Nossa missão neste planeta é pacífica. Não temos a pretensão de causar nenhum mal a nada nem a ninguém.

 

Todos os lobos rosnam ao mesmo tempo. Parecem estar mais enfurecidos ainda. Tal reação provoca uma expressão de espanto em Seul-gi, e deixa os outros integrantes do grupo apreensivos – à exceção de T’alek, que permanece em sua típica frieza vulcana.

 

- Parece que não adiantou muito... – diz Lester, visivelmente com medo.

 

- Pare de falar bobagens! – diz Hartley, sem mudar a expressão – Vocês não nos enganam! Está claro nas mentes de vocês que vocês vieram saquear recursos deste planeta!

 

- Você está enganado! – retrucou Hong, com firmeza na voz – Admito que este planeta possui recursos que interessam a nós. No entanto, se houvesse vida inteligente aqui como acabamos de descobrir que há, nós dialogaríamos a respeito, como estou tentando fazer agora. Nós nunca faríamos nada sem o seu consentimento.

 

- E quem é que garante isso? – pergunta o hipnotizado Hartley.

 

- Como é?! – Hong franze a testa.

 

O clima fica cada vez mais tenso. Os lobos encaram Hong com mais hostilidade, sob os olhares atônitos do grupo avançado.

Parecia que aquela conversa não daria em nada; no entanto, as criaturas começam a dar suas explicações através de Hartley:

 

- Nós vivemos neste planeta e o guardamos durante milênios. Vocês não são os primeiros humanoides a pisar aqui. Por diversas vezes, outras raças semelhantes à sua tentaram nos saquear, e até mesmo nos exterminar. Nos vimos obrigados a travar guerras sangrentas contra esses seres. E perdemos muitos dos nossos nelas.

 

- Guerras?! – pergunta Seul-gi, incrédula.

 

- Isso mesmo! – diz Hartley – Muitas delas, por sinal. Nosso povo quase foi dizimado uma vez...

 

A expressão no rosto das criaturas muda. Parecem sentir uma profunda tristeza.

 

- Foi há muito tempo – continuou o alferes em transe – Não me recordo exatamente, talvez alguns milhares de anos. Nós lutamos contra uma espécie de homens-máquina que queria nos transformar em máquinas como eles. Muitos de nós sucumbiram...

 

Todos do grupo avançado se espantam. Jamais haviam ouvido algo parecido. Hartley complementou:

 

- “Resistir é inútil”, eles diziam... Mas nós resistimos. E os derrotamos graças à nossa capacidade de controlar a atmosfera deste planeta...

 

- Controlar a atmosfera?! – pergunta Seul-gi, surpresa.

 

- Significa que eles são os responsáveis pelas tempestades iônicas... – conclui T’alek.

 

- Tá de sacanagem... – resmunga Lester.

 

Mas esta não seria a única revelação feita pelas criaturas. Mais coisas ainda estavam por ser contadas:

 

- O último ataque por parte de humanoides aconteceu há pelo menos uns dois séculos. Não eram tão poderosos quanto as máquinas, mas também nos deram muito trabalho. Eram uma raça de guerreiros que queria colonizar este planeta e enviar nossos recursos naturais para o planeta deles. Lutavam com espadas e lâminas afiadas, e clamavam o tempo inteiro por honra ao seu império. Eles nunca se entregavam... faziam questão absoluta de lutar até a morte, e assim o fizeram.

 

- Devem ter sido os Klingons... – especula Hong – Esse tipo de atitude é típica deles.

 

- Que seja – retruca Hartley – Nós matamos até o último deles, e nos fartamos em sua carne! E faremos a mesma coisa com vocês se não deixarem este planeta o quanto antes!

 

Após esta ameaça, as criaturas voltam a rosnar. Duas delas se posicionam como quem vai dar o bote em sua presa. O desespero do doutor Lester aumenta.

 

- Caramba!!! Eles vão matar a Hong! – exclamou ele.

 

- Deixa que eu cuido disso! – diz Garrett, com o phaser em punho.

 

O ruivo texano ameaça dar um passo. Mas Hong o contém.

 

- Fique onde está, sr. Garrett! – diz ela – E abaixe o seu phaser. Se reagirmos, nós só vamos piorar as coisas.

 

- Mas, comandante... – Garrett não compreende a atitude de Seul-gi.

 

- Isto é uma ordem, tenente! – Hong sobe o tom.

 

Garrett fica mudo e apenas consente com a cabeça. Seul-gi se volta novamente para Hartley e os lobos de chumbo – as criaturas se demonstram surpresas com a atitude da comandante.

 

- Escutem com bastante atenção – diz ela – Nossa nave auxiliar sofreu danos sérios por conta da tempestade na atmosfera. Mas isso não significa que iremos ficar por aqui. Em pouco tempo, um grupo de companheiros nossos virá nos buscar. E então voltaremos para o lugar de onde viemos. Depois disso, asseguro-lhes que nunca mais voltaremos a este planeta. Eu lhes dou a minha palavra.

 

Três das criaturas olham para Hong. E seus olhos vermelhos começam a brilhar.
De imediato, Seul-gi começa a sentir dores de cabeça e a se contorcer, gritando de dor, para desespero dos outros.

 

- Hong!!! – gritou Lester.

 

- Comandante!!! – Garrett repete o gesto.

 

- Mas o que eles estão fazendo?! – questiona Oko.

 

- Estão sondando a mente dela – responde T’alek, com sua voz fria – Querem ver se ela está falando a verdade. O ceticismo desses seres é incomparável, nunca vi nada parecido.

 

Mas a agonia de Seul-gi não dura muito tempo. Após quase um minuto, as dores cessam e ela se recompõe.

 

- Parece que você fala a verdade, mulher – diz Hartley – Pois bem... Aguardaremos a chegada desses seus companheiros. Podem pegar os recursos que precisarem, se for da vontade de vocês. Mas assim que os outros humanoides chegarem, vocês vão embora com eles. E nos deixarão em paz.

 

- Está certo – assentiu Seul-gi – Nós temos um acordo.

 

Alguns segundos depois, Hartley cai no chão, inerte. Rapidamente, o doutor Lester vai até ele e o examina com o tricorder. Em seguida, tenta medir o seu pulso. A notícia não é nada animadora.

 

- Está morto – diz ele – Do mesmo jeito que o Chen.

 

Seul-gi fica cabisbaixa. Mal estava digerindo a morte do alferes Chen, e agora tem que lidar com mais uma baixa em seu grupo.

O comando desta missão não estava sendo nada fácil. Mas ela permaneceu firme.

 

- Sr. T’alek, sr. Okonwa, recolham o máximo de deutério que conseguirem – ordenou ela – Os demais permanecerão na nave auxiliar. Vamos aguardar o grupo de apoio.

 

- Peraí... e o que a gente vai fazer com o Hartley? – pergunta Jon.

 

- Vamos levar o corpo dele de volta para a Frontier – responde Seul-gi – Quero que faça uma autópsia assim que retornarmos à nave.

 

- Tudo bem – responde o doutor.

 

Após cerca de dez minutos, Oko e T’alek retornam para a nave auxiliar com amostras de deutério, acompanhados de alguns dos lobos.

Eis que a nave auxiliar da equipe de Gibbons chega – ela pousa em local próximo e o tenente desembarca.

 

- Comandante, está tudo bem? – pergunta Gibbons.

 

- Está tudo bem, tenente – responde Hong – Estamos prontos para retornar.

 

***

 

“Diário da Primeira-Oficial – Data Estelar: 7528.1
Retornei para a Frontier juntamente com a minha equipe. Apesar das descobertas, a experiência na superfície do planeta recém-descoberto não foi das mais agradáveis.

 

Ainda estou digerindo as mortes dos alferes Hartley e Chen, que estavam sob o meu comando – ambos eram jovens e tinham toda uma carreira pela frente.
Me sinto em parte responsável pelo que aconteceu com eles...”

 

 

Seul-gi está em seus aposentos, com os longos cabelos lisos soltos, parada em pé diante de uma janela, observando as estrelas.
Está profundamente pensativa, com uma expressão abatida no rosto – as mortes de Hartley e Chen não lhe saíam da cabeça.
Eis que, subitamente, a campainha de sua porta automática é ouvida.

 

- Entre! – diz ela.

 

É Dan quem entra pela porta, com um sorriso reconfortante.

 

- É você, Dan... – Seul-gi timidamente esboça um sorriso.

 

- E quem mais seria? – responde ele, quase rindo.

 

Os dois se abraçam, e ela o aperta com força, enquanto ele alisa seus cabelos. Depois, eles se entreolham.

 

- Eu li o seu relatório – diz Dan – Não havia nada que pudesse ser feito. As criaturas do planeta se sentiram incomodadas, como se nós estivéssemos invadindo o espaço delas, e foram guiadas simplesmente pelo seu instinto de sobrevivência. Por isso agiram da forma que agiram.

 

- Eu sei... – responde Seul-gi – Mas Hartley e Chen estavam sob minha responsabilidade, assim como todos os outros da equipe. Não consigo parar de pensar neles...

 

- Eles eram oficiais da Frota. E cumpriram com seu dever até o fim, com determinação e muita coragem. Você devia ter orgulho deles.

 

Seul-gi emudeceu. Começa a ficar com os olhos marejados, mas contém o choro.

 

- Você não tem culpa, Seul-gi – diz Dan – Quando se está no comando, você passa por esse tipo de situação o tempo todo. Eu mesmo já perdi a conta de quantos bons homens eu perdi em toda a minha carreira de oficial... Não é fácil, mas você está sujeito a isso.

 

- Não sei como você aguenta... – desabafa a coreana.

 

- Se eu me sentisse culpado por cada perda que presenciei, eu não estaria comandando esta nave! – Dan sorri.

 

Ela também sorri, e uma lágrima escorre de seu rosto. Lentamente, os rostos dos dois se aproximam e eles se beijam.

 

- O Jon me contou que você foi muito corajosa lá na superfície – revelou o capitão.

 

- ELE disse isso?! – Hong se mostra surpresa – Só pode ser brincadeira...

 

 

Enquanto isso, Jon está nos aposentos de T’Kara, submetendo-se a mais uma sessão de terapia.
Ele comenta sobre os fatos ocorridos na superfície do planeta:

 

- É, conselheira, eu sou obrigado a reconhecer... A Hong tem o seu valor.

 

- Como assim, doutor? – questionou T’Kara – Ela não tem méritos de estar onde está?

 

Mais uma vez, T’Kara deixa Lester em uma posição constrangedora.

 

- Hã?! O que você quer dizer? – diz ele, com cara de espanto.

 

- É ilógico pensar que o esforço de alguém é menos importante do que o de outros – responde a vulcana – Ainda mais quando se trata do ambiente de uma nave estelar.

 

O inglês permanece mudo. T’Kara discorre:

 

- Dentro de uma nave todos se esforçam e se empenham ao máximo, desde o tripulante de patente mais baixa até o capitão. Todos fizeram um juramento ao se juntar à Frota Estelar. E procuram honrá-lo ao máximo. Em outras palavras, eu diria que todos os que ingressam na Frota Estelar possuem algo a oferecer.

 

- Eu acho que você tem razão... – responde Lester, sem jeito.

 

T’Kara olha bem para o doutor. E faz uma consideração:

 

- Contudo, posso observar que está começando a fazer progressos, doutor. Está começando a olhar a comandante Hong com outros olhos.

 

- É... talvez eu esteja... – responde o doutor, franzindo a testa.

 

T’Kara ergue a sobrancelha, enquanto faz anotações em seu PADD. Enquanto isso, a Frontier deixa a órbita do planeta e segue rumo ao horizonte do espaço.

 

 

CONTINUA...


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