Capítulo 10 - TRAIDOR



ANTERIORMENTE:

A Frontier escoltou o embaixador Sarek, de Vulcano, até o planeta Capella IV, onde ele realizaria uma missão diplomática. Mas havia muito mais por trás desta missão do que se podia imaginar:

- Há alguns dias, uma nave de carga que transportava minério de dopalina sofreu um ataque surpresa nas proximidades de Corvan II – explica Sarek ao capitão Nardelli – Todos os seus tripulantes foram mortos... incluindo dois trabalhadores capelanos.

- Será que foram os Klingons? – questiona Dan.

- É muito pouco provável, capitão – respondeu Sarek, direto e reto – O piloto do cargueiro foi resgatado ainda com vida. Pouco antes de morrer, ele disse ter visto naves romulanas antes do cargueiro ser atacado.

- Romulanos?! Em Corvan II?! – exclama o capitão.

Um pouco antes, durante o coquetel de boas-vindas ao embaixador Sarek, o tenente Andros revelou detalhes de sua chegada ao planeta Terra, em uma conversa com o capitão e a comandante Hong. E mencionou uma importante ajuda do embaixador vulcano:

- Como os senhores já devem saber, eu tenho vivido no espaço da Federação sob asilo político, na condição de refugiado... – explica ele –  O embaixador Sarek teve um papel determinante neste processo. Foi ele quem me auxiliou com o pedido de asilo junto ao Conselho da Federação.

Após deixar Sarek em Capella IV, a Frontier é abordada por uma misteriosa nave:

- Capitão, há uma nave vindo em nossa direção em dobra máxima. Direção... 374, marco 25. Está em curso de interceptação.

- Que estranho... – responde Dan.

O capitão tenta falar com a estranha nave, mas obtém uma resposta extremamente agressiva:

- Aqui é o capitão Daniele Nardelli da USS Frontier!

- Silêncio!!! Nós sabemos muito bem quem vocês são... escória da Federação!

Ao ouvir estas palavras, o tenente Andros fica paralisado. O som da voz lhe parece familiar.

- Não pode ser... – diz ele, com uma expressão de terror no rosto – Essa voz...

Descobre-se que a tal nave era, na realidade, um cruzador de guerra romulano. Outras naves romulanas surgem e cercam a Frontier, e se preparam para atacar. Até que o misterioso homem no comando da operação de ataque revela seu alvo:

- Como eu disse, eu sei muito bem quem vocês são, capitão. E também sei muito bem que vocês têm um TRAIDOR a bordo de sua nave! Não é mesmo... Andros V’Kor?!

- Eu não acredito... É ELE!!! – exclamou Andros.








“Diário do Capitão – Data Estelar: 7513.8
Fomos abordados de surpresa por uma frota de naves romulanas, mesmo estando fora do espaço da Zona Neutra.
Em um tom extremamente hostil, o seu comandante disse estar atrás de meu chefe de segurança, o tenente Andros, a quem chama de ‘traidor’.

É a primeira vez que vejo a Frontier sofrer um ataque dessa natureza.  Que tipo de relação o tenente Andros tem com esses homens?
Esta é a situação mais delicada que enfrento desde que me tornei capitão, e devo tomar qualquer decisão com cautela. Do contrário, poderei ser responsável pelo início de uma guerra.”



A tensão toma conta da ponte da Frontier. O alarme do alerta vermelho soava incessantemente. E não era para menos: a nave estava completamente cercada pelo cruzador e pelas aves de guerra romulanas.
A apreensão nos oficiais da ponte era visível – em especial, no tenente Andros, que reconheceu a voz por trás das ameaças nos alto-falantes.
O capitão Nardelli, então, resolve elucidar de vez o mistério por trás da sinistra voz:

- Coloque na tela, sr. Stanic.

- Sim, senhor.

Stanic prontamente atende ao comando do capitão, e transfere a imagem da transmissão para a tela principal.
Eis que a identidade do misterioso comandante é revelada: um romulano característico, com as orelhas pontudas e as protuberâncias na testa, com trajes acinzentados e o símbolo do Império Romulano no centro do peito.
Mas não se tratava de um romulano qualquer: um olhar e um sorriso sinistros eram vistos em seu rosto – evidências de alguém que seria capaz de tudo para alcançar seus objetivos.
Assim que bate os olhos na figura, Andros a reconhece de imediato:

- NERO!!! (*) Então era ele mesmo...

- Você o conhece, tenente? – questionou Dan.

- É uma longa e complicada história, capitão – respondeu Andros – Não sei se terei tempo pra explicar...

Do outro lado da linha, o misterioso Nero emite uma risada quase fantasmagórica. E resolve dirigir a palavra a seu “compatriota” da Frontier:

- Há quanto tempo, Andros! Vejo que abandonou de vez o nosso povo e se aliou a esses ratos...

- E você continua o mesmo covarde de sempre, Nero! – rebate Andros – Afinal de contas, o que pretende?!

- Tenente – Dan chama a atenção – Devo lembra-lo de que sou eu quem está no comando. Portanto, cabe a mim conduzir esta situação. Por questão de cautela, lhe ordeno que se manifeste apenas quando eu solicitar.

- Ah... perdão, senhor! – respondeu Andros, sem jeito.

Nardelli então volta seu olhar para a tela principal, com a imagem do comandante romulano. E toma as rédeas do diálogo para si:

- Pois bem, Nero... que fique claro que estamos em espaço da Federação, e a presença de suas tropas está em desacordo com o nosso tratado de paz. Portanto, qualquer tipo de hostilidade de sua parte pode ser considerada como um ato de guerra. Agora diga: quais são as suas intenções no nosso território?

- Como se eu me importasse com isso! – responde Nero, em tom de desdém – Seus acordos e tratados não significam nada para mim. Não passam de uma bobagem inútil!

Dan e todos os oficiais da ponte ficam estarrecidos com as palavras de Nero. E encaram a tela principal com um olhar aterrorizado.

- Mas, respondendo à sua pergunta, capitão... – Nero continuou – Creio que o nosso motivo é mais do que evidente. Está bem diante de vocês, na sua ponte de comando!

Andros sentiu um frio na espinha, enquanto Dan e os outros oficiais voltaram seus olhares para ele.

- Nós percorremos praticamente o quadrante inteiro atrás desse traidor chamado Andros V’Kor – prosseguiu Nero – Ninguém havia notado nossa presença até aqui... até que uma estúpida nave de carga cruzou o nosso caminho, e não tivemos escolha a não ser destruí-la!

- Então foi você quem atacou a nave de transporte de minério em Corvan II! – concluiu Dan.

- HAH! Isso não vem ao caso, capitão Nardelli – retrucou Nero, em tom irônico – Nossa única razão de estar aqui é simplesmente a cabeça do traidor V’Kor. Certamente o Pretor ficará satisfeito quando eu entrega-la a ele!

- Andros V’Kor é um refugiado, e vive sob asilo político no espaço da Federação! – alertou Dan – É um cidadão sob a proteção da Federação Unida dos Planetas, e também é um oficial da Frota Estelar! Qualquer tipo de ação que tomar contra ele pode acarretar em problemas para o seu governo. Eu pensaria muito bem se fosse você.

- Bobagem! – Nero aumenta o tom – Ele é um traidor que desobedeceu ordens diretas do Império Estelar Romulano! E além de tudo, desertou para o lado da Federação. Ele deve ser julgado de acordo com nossas leis, e punido de maneira exemplar!

- Você não sabe o que está dizendo... – retrucou Dan, quase rangendo os dentes.

O clima de apreensão aumenta na ponte da Frontier. E Nero resolve dar seu ultimato:

- Pois bem... Já estou farto de sua conversa fiada, capitão. Acho que é melhor eu ir direto ao ponto... Entregue-nos Andros V’Kor sem oferecer qualquer tipo de resistência. Caso contrário, ordenarei a minhas tropas que destruam a sua nave, e tanto você quanto sua tripulação irão morrer em minhas mãos!

Nardelli cerra os punhos e franze a testa. Sua expressão fica visivelmente tensa... bem como a de todos os outros oficiais da ponte.

- Darei-lhe o equivalente a duas de suas horas terrestres – complementa Nero – A decisão é sua. Escolha sabiamente, capitão...

Nero termina sua fala com uma risada maliciosa e sinistra, e encerra sua transmissão.
O ambiente na ponte da Frontier é de absoluta tensão e incerteza – certamente é a situação mais difícil pela qual a nave já passou.
Dan se senta em sua cadeira, atordoado e sem saber o que fazer, sob o olhar desolado de Seul-gi, sua primeira-oficial.
Mas certamente, quem sente mais o peso da situação é Andros, o pivô de todo o impasse.

- Não posso acreditar que ele foi capaz de tudo isso – diz o romulano da Frontier – Ele realmente é louco!

- Duas horas... esse foi o tempo que ele nos deu – diz Seul-gi – O que pretende fazer, capitão?

- Não faço a menor ideia, srta. Hong – responde Dan – Preciso pensar em um plano...

Eis que Dan se levanta, e começa a distribuir ordens, dirigindo-se primeiro a Andros.

- Tenente Andros, ao meu gabinete – o capitão se volta para o leme – Sr. Cortez, fique atento à movimentação das naves romulanas. Me informe sobre qualquer eventualidade.

- Sim, senhor – responde um tenso Cortez.

Dan se encaminha para o turbo-elevador, seguido de Andros. Ele volta seu olhar para Seul-gi:

- A ponte é sua, srta. Hong.

A coreana assente com a cabeça, com uma expressão de apreensão. Sente como se houvesse alguma coisa estranha no ar. Deixa seu painel e se dirige à cadeira do capitão.

***

Dan entra em seu gabinete, acompanhado de Andros. O capitão se aproxima do replicador.

- Aceita alguma coisa, tenente? – pergunta Dan.

- Não, senhor, obrigado – respondeu o romulano.

Em seguida, Dan aciona o replicador e faz seu pedido:

- Café expresso. Quente, sem açúcar.

Dentro da câmara do replicador, uma xícara de café se materializa. Dan a pega, e depois se senta em sua mesa.

- Sente-se – diz ele a Andros.

Andros toma seu assento, diante da mesa do capitão. E os dois se entreolham. Dan resolve tomar a palavra para si:

- Pelo jeito, esse homem chamado Nero tem a ver com a sua fuga de Romulus... e você parece conhece-lo bem. Estou certo?

- Sim, senhor – responde Andros – O senhor está correto, capitão.

- Pois bem... – Dan toma um gole de seu café – Então me fale sobre ele.

Andros empalideceu. No entanto, Nardelli permaneceu firme:

- Antes de qualquer coisa, preciso saber exatamente com o que eu estou lidando... – Dan faz uma pausa – Me diga, Andros... Me diga tudo o que eu preciso saber a respeito desse Nero.

Um silêncio se forma no gabinete. Andros fica visivelmente tenso. Lembranças de seu passado começaram a vir à sua mente – e ele estava plenamente convicto de que as vidas de seu capitão e de seus companheiros estavam sob sério risco com a ameaça de Nero.
Com certa dificuldade, as palavras começam a sair de sua boca.

- Permissão para falar livremente, capitão? – perguntou.

- Concedida – diz Dan – Esteja à vontade.

- Com todo o respeito, mas... eu acho que o senhor não vai gostar nada do que irá ouvir, capitão.

- De qualquer forma, já estamos em uma situação complicada – responde o capitão, enquanto toma outro gole de café – O que pode me surpreender a esta altura?

- O senhor não faz a menor ideia... – a voz de Andros começa a ficar trêmula – Nero é um dos homens mais terríveis e cruéis do Império Romulano. E eu me atrevo a dizer que ele é um dos homens mais perigosos do universo...

Nardelli arregalou os olhos.

- O que o senhor viu foi só uma pequena amostra, capitão! Ele é capaz de qualquer coisa para alcançar seus objetivos... e não importa quem seja, todo aquele que cruza o caminho dele é destruído sem piedade! A gente tem que fazer alguma coisa...

- Andros, tente se acalmar! – diz o capitão – É justamente por isso que eu te trouxe até aqui. Eu preciso saber que tipo de inimigo estamos enfrentando, pra assim podermos traçar uma estratégia! Tenha calma e não se deixe abalar...

O romulano começa a ficar cada vez mais tenso. Cerra os punhos em cima da mesa do capitão e abaixa a cabeça, mordendo o lábio.
Dan percebe que há algo errado com seu chefe de segurança, e diminui o tom.

- Ele fez algo contra você, não é? – pergunta, enquanto segura Andros pelos pulsos – Me conte tudo. E não tenha medo de falar.

O olhar confortador do capitão diminuiu a tensão no rosto de Andros. E ele decide falar mais sobre Nero:

- Nero é um general que comanda uma tropa secreta do Império Romulano. É um dos comandantes da agência de inteligência de elite do Império conhecida como Tal Shiar... uma força extremamente respeitada e temida não apenas dentro, como também fora de Romulus.

- Um serviço secreto romulano?! – Nardelli fica intrigado – Deve ser algo como a Seção 31 é para a Federação.

- Algo nesse estilo – responde Andros – Eles estão monitorando constantemente potenciais ameaças para o Império. Não apenas em Romulus, mas também fora do planeta: a Federação, os Klingons...

Dan assentiu com a cabeça. Olhou fundo nos olhos de Andros, e perguntou:

- Você disse que Nero é um dos comandantes dessa força especial. E também me afirmou que o conhecia bem... Me diga: por acaso você era subordinado dele?

Andros reluta por um instante. Mas responde ao capitão:

- Sim... sim, senhor.

- Eu entendo... – diz o capitão, enquanto toma outro gole de seu café – Foi o que eu imaginei. Mas me diga... o que foi que fez você se voltar contra ele?

Andros suspirou. E fez um esforço para dizer as palavras a seguir:

- Vou lhe contar o que aconteceu exatamente há treze anos...

Dan não responde. Apenas faz um gesto de afirmação com a cabeça.

- Ocorreu um atentado extremamente violento na capital do Império. Dezenas de civis morreram, e outras dezenas se feriram. Além disso, um porta-voz do Senado Romulano foi morto e um senador foi ferido gravemente.

Os olhos de Dan ficam arregalados. E ele se mostra estarrecido.

- Continue – diz ele.

- O Tal Shiar foi acionado. As investigações concluíram que os autores do ataque pertenciam a um grupo separatista remano.

O capitão permanece em silêncio, ouvindo atentamente cada detalhe do relato de Andros.

- E então fui a Remus... juntamente com Nero e seus soldados...


Treze anos atrás. Planeta Remus.

Remus é o planeta irmão de Romulus – os dois planetas encontram-se bastante próximos um do outro.
A população local é explorada pelo Império Romulano, especialmente na mineração de dilítio – Remus possui um número enorme de minas e de reservas de minério, além de fábricas de armamento pesado.
O planeta é iluminado em apenas um de seus hemisférios – a população remana vive apenas no lado escuro do planeta.
Em meio a essa escuridão e a um vilarejo em chamas, Nero e seus homens caminham fortemente armados, com pistolas e rifles disruptores – e em meio a esses soldados, estava Andros V’Kor.

Nero, general do Império Estelar Romulano
Enquanto as imagens dessa época vêm a sua mente, Andros vai narrando os fatos ao capitão, com detalhes:

De acordo com as investigações, os separatistas estavam escondidos em um vilarejo ao noroeste. Fomos até lá para procurar pistas que levassem ao paradeiro deles; mas Nero não se contentou em simplesmente interrogar os moradores... ele promoveu um verdadeiro banho de sangue naquele lugar.”

E de fato, foi o que ocorreu. Dentro do vilarejo, enquanto Nero e seus homens caminhavam, alguns remanos olhavam assustados, enquanto dezenas de outros permaneciam inertes no chão: homens, mulheres, crianças, idosos... Todos eles foram alvejados sem piedade pelos soldados de Nero.

- Maldição! – berrou Nero, enfurecido – Será que não existe nenhum remano imundo neste lugar disposto a colaborar? Será que estão todos aqui macomunados com os assassinos traidores do Império?!

Enquanto isso, um homem assustado observa tudo da porta de sua casa, acompanhado de sua família: uma mulher e duas crianças pequenas, provavelmente sua esposa e seus filhos.
Um dos soldados de Nero bate os olhos nele, e imediatamente reporta a seu comandante:

- General! – ele aponta para o homem e sua família – Aquele homem deve saber de alguma coisa a respeito. Ainda não o interrogamos.

- Muito bem! – diz Nero, com um brilho perverso no olhar – É para lá que nós vamos!

Rapidamente, a tropa comandada por Nero cerca a casa do homem, e encurrala a ele e a sua família. Apavorado, ele começa a implorar por sua vida e pela de sua família:

- Por favor! Nós não sabemos de nada, senhor... por favor, poupe as nossas vidas...

- SILÊNCIO!!! – Nero esmurra o homem com as costas de sua mão direita, e o derruba – Pare de dizer mentiras e diga onde estão os malditos separatistas! Nós sabemos que eles estão aqui, não adianta tentar nos enganar!

Nero e seus homens apontam as armas para a família indefesa, que imediatamente entra em pânico.
O general romulano, então, faz um ultimato:

- Falem de uma vez por todas onde os separatistas estão escondidos. Ou do contrário, não pensaremos duas vezes antes de manda-los para o inferno!

Com as armas apontadas para eles, o homem e sua esposa gritam, cada vez mais apavorados; e as crianças começam a chorar de medo.
Mas imediatamente, Nero percebe que há algo errado: olha ao redor, e nota que não são todos os seus soldados que estão apontando armas para a família; havia apenas um homem ali que, ao invés de apontar seu rifle como os outros, estava relutando em fazê-lo. E era ninguém menos que Andros.

- Qual o problema, soldado V’Kor? – questiona Nero – Por que não está apontando sua arma para o inimigo?

- Isso está errado... – diz Andros, trêmulo e rangendo os dentes. Ele parece ignorar as palavras de Nero – Isso está errado... Isso está errado...

- O que foi que disse, soldado? – Nero se aproxima de Andros – Fale mais alto para todos ouvirem!

- Com todo o respeito, senhor, mas isso está errado! – Andros resolve encarar Nero – Estamos aqui pra pegar terroristas, não pra matar quem aparecer no caminho! Precisamos ser mais prudentes!

- Como é que é?! – Nero franze a testa.

Andros não se intimida, apesar do olhar ameaçador do general:

- O que pensa que está fazendo? Eles são inocentes! Tá na cara que eles não estão acobertando ninguém... se eles souberem de algo, então perguntar já é o bastante! Não há necessidade de apontarmos nossas armas pra gente indefesa!

- Bobagem! – retrucou Nero – As ordens que recebemos são claras! Devemos interrogar a todos e procurar até no último buraco desse vilarejo! As evidências de que os separatistas estão aqui são claras... e devemos nos livrar de todos aqueles que não colaborarem!

Andros fica paralisado, e sente um frio correr pela sua espinha. Nero, então, resolve tomar uma atitude drástica.

- Pois bem... – diz ele – Pelo jeito estes ratos aqui também não querem colaborar.  V’Kor, você  deve executá-los imediatamente!

- Como é?! – Andros arregala os olhos.

- Execute-os, soldado – um sorriso cínico se forma no rosto de Nero – Eles são inimigos do Império, e devem ser tratados como tal. Devem ser devidamente eliminados, e é você quem se encarregará disso!

- Sinto muito, senhor, mas eu não posso fazer isso. Aliás... eu NÃO VOU fazer isso!

- Idiota! – Nero se irrita – Vai se atrever a desobedecer uma ordem direta?!

Nisso, Andros aponta seu rifle na direção de Nero, sob os olhares atônitos dos outros soldados. O ambiente começa a ficar mais tenso do que já estava.

- O que pensa que está fazendo, soldado?! – Nero permanece impassível – Atreve-se a apontar sua arma para um oficial superior?

- Eu estou avisando... – Andros começa a transpirar de nervoso – Poupe as vidas dessas pessoas... ou então eu vou te matar...

Mas Nero não se amedronta com a ameaça de Andros. Muito pelo contrário: se mostra extremamente tranquilo. Tão tranquilo que solta uma gargalhada assombrosa e nefasta, que se espalha por todo o vilarejo remano.

- Ora, V’Kor... – Nero dispara um olhar de desdém – Eu entendi direito? Pretende matar um general do Império?! Saiba que este é um ato de traição tão grave quanto o atentado na capital! É isso mesmo que pretende fazer?

Andros range os dentes, e segura firme em sua arma. No entanto, o general Nero parece não ligar.

- Muito bem... acho que é hora de mostrar quem está no comando aqui! Soldados!!!

De imediato, todos os outros soldados apontam as armas para Andros. E Nero resolve desafiá-lo:

- E agora, V’Kor? Vai se atrever a apontar sua arma para mim? Se ousar apertar esse gatilho, será morto aqui mesmo! É isso mesmo o que você quer, seu traidor?!

Andros não demonstra qualquer reação. E sente o apontar da arma de um dos soldados de Nero bem em sua têmpora.

- Abaixe a sua arma, V’Kor – diz o soldado – Ou do contrário você vai morrer.

Contra a sua vontade – e sob a mira de vários disruptores – Andros abaixa seu rifle. Logo em seguida, outro soldado se aproxima e dá uma coronhada em sua nuca, fazendo-o cair de joelhos.
Um dos soldados bate violentamente o pé em suas costas, derrubando-o de vez.

Sob o olhar atordoado de Andros, Nero se aproxima da família, com o rifle em punho.

- Agora vou lhe mostrar o que acontece com os traidores do Império – diz Nero, que em seguida volta o olhar para outros dois soldados – Você e você, comigo!

Enquanto Nero e os dois outros soldados se aproximam da família aterrorizada, Andros agoniza, com as costas pisadas por um dos soldados e um rifle apontado para sua cabeça.

- Não... não... – a voz dele sai atravessada, quase inaudível.

Nisso, Nero se aproxima da família remana, com um sorriso prazeroso e sádico no rosto, acompanhado dos outros dois soldados. Todos apontam as armas.

- NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOOOO!!! – a voz de Andros sai com mais força, e ele consegue gritar.

Mas já era tarde demais. Nero e os soldados atiram, executando a família a sangue frio.

***

Dias depois, Andros encontra-se acorrentado pelos pulsos em uma sala, com seus braços presos levantados para o alto. Sem camisa, ele recebe choques elétricos desferidos por lanças, das mãos de dois soldados romulanos, fazendo com que ele grite de dor.
Recordando deste fato, Andros narra ao capitão Nardelli:

Eu fui aprisionado e torturado durante dias depois daquele incidente. Passei a ser tratado como um traidor do Império Romulano: me acusaram de obstruir a operação em Remus e de estar em conluio com os terroristas.”

Outro indivíduo entra em cena na sala de tortura. É ninguém menos que Nero.

- Heh... eu confesso que não esperava um ato de traição vindo de você, Andros V’Kor – diz ele, com a voz carregada de ironia – Eu achava que aquele seu moralismo barato já havia desaparecido. Mas eu estava redondamente enganado.

Nero se aproxima do acorrentado Andros e o segura pelo queixo.

- Agora diga, seu traidor desgraçado... com quem você está conspirando para derrubar o Império? Para quem você está trabalhando?

- Eu não trabalho pra ninguém, Nero... – responde Andros, ofegante – Eu apenas tentei fazer o que eu achava certo... Não estou conspirando contra ninguém...

- Pare de dizer besteiras! – grita Nero, enquanto pega uma lança elétrica e a coloca no peito do indefeso Andros.

Mais uma vez, o ex-soldado grita de dor por conta dos violentos choques. Nero insiste em pressioná-lo:

- Você não me engana, V’Kor. Nem a mim nem a ninguém. Vou descobrir o que você está tramando, não importa o quanto isso irá me custar!

- E o que você vai fazer pra isso? Vai me matar como fez com aqueles inocentes em Remus? – diz Andros, com um sorriso sarcástico no rosto – Admita, Nero... você não passa de um canalha...

- Silêncio!!! – Nero acerta um direto de direita bem na boca de Andros.

Enquanto isso, um dos soldados recebe uma mensagem do terminal de comunicação da sala. E a repassa a Nero:

- General! Sua presença é solicitada no comando central.

- Diga que estou a caminho – respondeu Nero – Já estava mesmo me cansando de brincar com esse traidor.

O general se volta para Andros, que a esta altura, já estava atordoado por conta das torturas.

- Você teve sorte, V’Kor. Mas não pense que isto vai durar para sempre. Você sabe muito bem o que acontece com os traidores aqui em Romulus... seus dias estão contados, seu maldito!

Nero sai da sala, gargalhando alto, enquanto os soldados permanecem de olho no prisioneiro.

***

Uma noite, horas depois de outro interrogatório, Andros permanece acorrentado na sala de tortura, enquanto um dos soldados encarregados da guarda permanece sentado, com as mãos agarradas na lança elétrica e a cabeça pendente – aparentemente, está dormindo.
Andros observa a situação, e começa a fazer força nos braços, em uma tentativa de romper as correntes.
Mesmo debilitado, seu esforço dá resultado: depois de alguns minutos, as correntes se arrebentam, e ele consegue libertar seus braços.

Eu não sei de onde tirei forças para arrebentar aquelas correntes. Meu corpo estava debilitado por conta das constantes torturas. Mas eu consegui me libertar. E mesmo sem um plano, eu resolvi fugir.”

O barulho do arrebentar das correntes acabou acordando o soldado. Mas ele não teve tempo de reagir: antes que pudesse fazer qualquer coisa, ele recebeu de Andros um vigoroso soco no rosto.
Em seguida, Andros toma-lhe a lança elétrica, e dá um choque no soldado até ele ficar inconsciente.
Assim que o soldado tomba, ele lhe toma a arma que estava em sua cintura – uma pistola disruptora – ativa a sequência para abrir a porta da sala e sai.

Andros vai andando de forma furtiva pelos corredores, com a pistola em mãos. Eis que, subitamente, o alarme começa a soar por todo o complexo onde ele se encontrava – era uma das bases do Tal Shiar, que ficava nos arredores da capital.
O soldado nocauteado anteriormente por Andros rapidamente havia recobrado a consciência, e informou o comando central sobre a fuga.
Dois soldados aparecem de surpresa no corredor, e tentam intercepta-lo:

- Lá está ele! Vamos pega-lo!

Andros não tem outra escolha a não ser reagir. Ele atira contra os soldados e os acerta, desintegrando-os instantaneamente.
Logo depois, ele sai correndo.

Após fugir por uns três ou quatro corredores, Andros chega a um hangar, onde se encontram várias naves.
Ele opta por pegar uma pequena, mas veloz nave auxiliar. Antes de embarcar, um grupo de soldados armados entra.

- Ele está ali! Não deixem ele escapar!

Eles começam a atirar, e um dos tiros acerta de raspão o braço de Andros. Mesmo ferido, ele adentra a nave, toma o painel do leme e aciona a sequência de lançamento.
A porta do hangar começa a se abrir. A voz do computador começa a repetir incessantemente:

- Alerta: Sequência de lançamento não autorizada.

Nero chega, acompanhado de outros soldados. Mas já era tarde: a nave roubada por Andros deixa o hangar, e começa a ganhar os céus.

- Peguem as aves de guerra, rápido!!! – grita o general, visivelmente irritado – Ele não pode ir muito longe!

Em questão de minutos, uma frota inteira de aves de guerra toma os céus de Romulus, e seguem a nave de Andros rumo ao espaço.

- Peguem esse maldito! – grita Nero, na ponte de comando de uma das aves de guerra – Disparem os disruptores!

Fora da atmosfera do planeta, elas começam a atirar. Mesmo sob fogo cerrado, os escudos da nave aguentam.

- Escudos a 80% - informa o computador da nave.

- Se continuar assim, eles vão me transformar em poeira cósmica... – diz Andros, agonizando com a dor do ferimento no braço e das lesões sofridas com as torturas - Computador... traçar curso para... 215, marco... 137... Acionar dispositivo de camuflagem...

A nave de Andros se camufla, e fica invisível aos olhos e aos sensores, para desespero de Nero e dos tripulantes de sua nave.

- Ele está se camuflando, senhor! – diz um soldado romulano, que opera o leme da nave de Nero – Os sensores já não conseguem detectá-lo!

- O que disse?! – indigna-se Nero.

Dentro da nave de Andros, o computador relata:

- Curso traçado. Dispositivo de camuflagem acionado.

- Muito bem... – Andros começa a se contorcer de dor – Dobra... máxima...

Camuflada, a nave de Andros entra em dobra. Mas não passa despercebida pelos oficiais da nave de Nero:

- Senhor, há um rastro de dobra seguindo em direção ao limite da Zona Neutra – relata um outro soldado, no painel de navegação da nave onde se encontra Nero – Deve ser do fugitivo.

- Maldição! – resmunga Nero – Ele é mais esperto do que eu imaginei...

- O que faremos, senhor? – pergunta o soldado do leme – Iremos atrás dele?

- Obviamente não, soldado – responde o general – Os idiotas da Federação irão nos atormentar se sairmos do nosso espaço. Vamos retornar e preparar um plano!

- Sim, senhor! – diz o soldado.

Nero olha para a tela principal de sua nave, com uma expressão de fúria e de raiva em seu rosto.

- Não pense que isto acabou aqui, V’Kor... – pensa ele – Eu irei caçá-lo até os confins do inferno, se for preciso. Eu ainda acabarei com você de uma vez por todas, traidor... espere e verá!

Após alguns dias de viagem, a nave de Andros chega à órbita da Terra. Quase sem forças, ele vislumbra o planeta azul na tela de seu visor principal. E sorri, como quem enxerga um raio de esperança no caminho.


De volta ao presente, o capitão Nardelli termina de tomar o seu café.

- E então você chegou à Terra... – diz ele a Andros.

- Exatamente – respondeu o romulano – Acho que o senhor já sabe o resto da história, capitão.

- Sim, eu sei... – diz Dan – Mas eu confesso que estou surpreso. Não imaginava que Nero fosse a causa de tudo isso. E também não imaginava que ele fosse capaz de atos tão cruéis... ele realmente não é flor que se cheire.

- É por isso que nós temos que fazer alguma coisa, capitão! – desespera-se Andros – Ele não vai pensar duas vezes antes de destruir a Frontier e matar a todos que estão aqui! Nós temos que reagir de algum jeito!

- Eu sei disso, Andros – responde o capitão – Eu não tenho pretensão alguma de permitir que ele nos destrua. E também não pretendo de forma alguma entregar sua cabeça a ele em uma bandeja... você é um dos nossos, e eu defenderei tanto a você quanto a Frontier até o fim! Não importa a que preço...

Os dois ficam em silêncio por alguns instantes. Até que Dan resolve colocar firmeza no olhar e na voz:

- Agora, tenente... quero que escute com bastante atenção...

- O senhor tem um plano, capitão? – pergunta Andros.

Dan permanece em silêncio. Apenas faz um sinal de afirmação com a cabeça.

***


“Diário do Capitão – suplemento:
Convoquei todos os oficiais graduados da nave para uma reunião extraordinária.
Estamos correndo contra o tempo - resta menos de uma hora para o prazo dado por Nero se esgotar. E uma decisão deve ser tomada o quanto antes.”



Todos os oficiais mais graduados da Frontier encontram-se na mesa da sala de reuniões da nave.
A tensão é visível nos rostos de todos – especialmente do capitão Nardelli e do tenente Andros, que haviam acabado de sair da longa conversa no gabinete, onde o tenente revelou detalhes de seu passado e também a respeito do general Nero.

- O que nós vamos fazer, capitão? – questiona o tenente-comandante Okonwa – Eu não creio que os nossos escudos suportem toda a carga de disruptores da frota romulana, mesmo que eu redirecione toda a energia da nave para eles. Se eles resolverem abrir fogo, estaremos perdidos!

- O que mais me impressiona é a audácia desse tal de Nero! – exclama o doutor Lester, com a voz carregada de sarcasmo – Deixou a Zona Neutra e invadiu o nosso espaço só por causa de uma rixa com o tenente Andros? Fala sério, esse cara quer guerra, só pode!

- A questão entre Nero e o nosso tenente Andros é muito mais complexa do que qualquer um aqui possa imaginar, doutor – diz Dan – Há pouco, Andros me contou tudo, e se eu mencionasse todos os detalhes, todos aqui ficariam de cabelo em pé!

- Nero é um homem que recorre a todos os meios para alcançar seus objetivos – conta Andros – Em Romulus, ele é um dos líderes de uma força secreta de elite do Império, e usa métodos extremamente impiedosos e cruéis.

Todos olham atônitos para o tenente, à exceção do capitão.

- Acreditem, eu o vi em ação pessoalmente – complementa o romulano – E ele é mais perigoso do que vocês imaginam. Eu era um dos subordinados dele antes de vir para o espaço da Federação. E eu vim justamente fugindo dele.

- E agora ele veio atrás de você para acertar as contas – conclui a comandante Hong – Está começando a fazer sentido.

Seul-gi parece estar apreensiva. Ela não tira os olhos do capitão em nenhum momento – sua intuição lhe diz que alguma coisa muito ruim está por vir.
Por outro lado, Dan aparenta estar muito seguro; a conversa com o tenente Andros parece ter rendido frutos, e aparentemente, ele já tem uma ideia de como contornará essa crise.

Quem percebe a tranquilidade do capitão é Cortez, que resolve entrar no diálogo:

- O senhor parece estar decidido, capitão. Por acaso já tem algum plano em mente?

Todos na sala voltam seus olhares para o capitão. A apreensão de Seul-gi aumenta: seu coração começa a disparar, e ela sente um arrepio gelado correr por sua coluna.

- Bem, eu já estava chegando lá, sr. Cortez – respondeu Dan – Mas agora que perguntou... a minha resposta é sim.

- E o que o senhor pretende fazer, capitão? – perguntou o tenente Stanic.

Rapidamente, Dan olha para Andros, que faz um sinal de afirmação com a cabeça. E então responde à pergunta de seu oficial de comunicações, olhando para todos à mesa:

- Como eu havia dito, conversei com o tenente Andros agora há pouco. E concordamos que ele irá a bordo da nave do general Nero.

A resposta do capitão pega a todos de surpresa. Lester fica indignado.

- Peraí, será que eu estou entendendo direito?! – esbraveja o doutor – Dan, você pretende simplesmente entregar o tenente de mão beijada a esses abutres?! Você não pode estar falando sério!

- Eu ainda não terminei, Jon! – a voz do capitão sai em um tom ríspido.

Lester engole as palavras de Dan a seco. Seul-gi fica cada vez mais tensa, com o olhar fixo no capitão. Este, por sua vez, complementa sua resposta, com o mesmo tom de determinação:

- O tenente Andros não irá sozinho. Eu irei com ele para negociar pessoalmente sua condição junto ao general Nero.

Era o que Hong temia. Para seu desespero, o capitão Nardelli resolveu se colocar no fio da navalha, na tentativa de salvar seu tripulante. Enfim, a coreana não se contém:

- Mas o que pensa que está fazendo, capitão?! – grita ela, enquanto bate a mão na mesa com violência e se levanta de sua cadeira.

- Perdão, srta. Hong?! – Dan permanece impassível.

- Com todo o respeito, capitão, mas isso o que está propondo é loucura! – o tom tenso e errático da voz de Seul-gi acusa seu nervosismo – Você mesmo viu e ouviu do tenente Andros o que Nero é capaz de fazer! Ele invadiu nosso espaço, nos ameaçou, e agora você diz que pretende ir ao covil dele? Isso é arriscado demais, Nero não parece ser do tipo que aceita facilmente o diálogo!

- E o que você quer que eu faça? – retrucou Dan, com a voz começando a se alterar; ele também se levanta – Quer que eu deixe esse sujeito destruir a minha nave e matar a todos nós? Quer que eu entregue o tenente Andros de mão beijada, como o doutor Lester falou?

- Mas, capitão...?!

Seul-gi fica paralisada. Todos os demais oficiais observam, completamente atônitos – jamais eles haviam visto os dois baterem boca com tal intensidade.
A relação entre Nardelli e Hong sempre foi muito harmoniosa, desde os tempos da academia. E mesmo dentro da Frontier, os dois tinham admiração e respeito mútuo um pelo outro. Eram sérios no ambiente de trabalho, e inseparáveis fora dele; e pela primeira vez, tal harmonia está para ser abalada.

- Como você pode ver, não é só a vida do tenente Andros ou a minha que está em jogo aqui – continuou o capitão, já esbravejando por completo – São as vidas de TODOS a bordo desta nave, incluindo a SUA!!! E como capitão desta nave, EU sou responsável por todas as almas que estão a bordo! Será que você compreende isso?

- E só por isso você precisa colocar a sua cabeça na guilhotina? – rebateu Hong, com uma voz quase de choro – Acha que vai conseguir negociar com um indivíduo que se demonstra sedento de sangue? Aposto que esse cara vai te matar antes que você consiga dizer uma palavra!

- E que outra alternativa você me dá, imediata? (**) – a voz de Dan sai ainda mais ríspida e irritada -  Como eu já disse, sou o capitão desta nave, e sou responsável pelas vidas de todos. E isso não é tudo: ser um oficial da Frota Estelar significa correr riscos constantemente. Todos que entram para a Academia, entram com isso gravado em suas mentes. Você também já devia saber disso, Seul-gi!

- Mas isso é loucura, Dan, extrapola todos os limites! – Seul-gi engole o choro, mas a voz continua nervosa – Como primeira-oficial desta nave, eu não posso concordar com isso! Sinto muito, capitão, mas eu NÃO POSSO concordar com isso! Deve haver algum outro jeito...

- BASTA!!! – Dan perde a paciência de vez; ele bate a mão com força em cima da mesa – Está beirando a insubordinação, srta. Hong! Se se atrever a dizer mais uma palavra, eu irei confina-la em seus aposentos! Será que eu fui claro?!

O espanto na sala de reuniões da Frontier era geral. A discussão entre o capitão Nardelli e a comandante Hong atingiu proporções jamais imaginadas.
Além dos dois, quem se sentiu mais afetado por toda a situação foi Andros, uma vez que ele era o pivô de todo o impasse. A mente do romulano começa a ser tomada por um sentimento de culpa, enquanto o silêncio e a tensão tomam conta da sala de reuniões.

Ninguém sabe para onde voltar o olhar. À exceção de Dan e de uma abatida Seul-gi, que ficam se encarando em pé.
Vendo que não havia mais saída para ela, Hong, enfim, decide se dar por vencida:

- Está bem – diz ela, com a voz atravessada – Faça como bem entender... afinal, não sou eu quem está no comando aqui.

A expressão no rosto de Dan é visivelmente tensa. Ele cerra o punho e morde o lábio de raiva; mas ao mesmo tempo, sente uma dor na consciência por entrar em atrito com sua oficial mais fiel e sua melhor amiga.

Seul-gi se afasta da mesa, e segue em direção à porta automática.

- Queira me dar licença, capitão – a voz da coreana sai quase inaudível.

- Dispensada – diz o capitão, com um tom de voz mais baixo e tenso.

Hong deixa a sala de reuniões, sob o olhar assustado dos demais oficiais.

***

Com os olhos marejados, Seul-gi segue pelos corredores da nave, até chegar aos seus aposentos. Ao entrar, ela segue direto para sua escrivaninha, onde se debruça e começa a chorar copiosamente.
Visivelmente, ela teme pela vida do capitão. Mais do que isso: existe algum tipo de sentimento dentro dela, que vai além da amizade e do companheirismo, que a influencia naquele momento. E que talvez, dependendo do que acontecer com Dan na nave de Nero, ela tenha que enterrar para sempre.

Ela levanta a cabeça por um instante, com os olhos cheios d’água. E começa a se lembrar dos tempos da Academia da Frota.


Em um belo dia, ela e Dan estão sentados nos jardins da Academia, no intervalo das aulas.

- Como está indo com o embaixador Sarek? – pergunta ela.

- Ele não dá moleza – responde Dan – Afinal, é um vulcano. Mas é um excelente professor... e eu também gosto muito da disciplina dele.

- Você leva jeito pra diplomacia! – Seul-gi sorri – Sabe como se dar bem com todos... você ainda vai ser capitão de uma nave estelar, eu tenho certeza!

- Você acha, é? – Dan começa a rir, ligeiramente sem jeito.

- Eu disse, eu tenho certeza! Você é disciplinado, aplicado, sabe dialogar bem... tem todas as qualidades que um bom capitão precisa ter!

- Isso é você quem diz...

Os dois ficam em silêncio por um instante. Até que Dan faz uma pergunta que intriga Seul-gi:

- Posso lhe fazer uma promessa, Seul-gi?

- Promessa?! – a coreana arregala os olhos – Como assim?

- Apenas me escute com bastante atenção – Dan esboça um sorriso – Se um dia eu me tornar capitão de nave estelar... você será minha primeira-oficial.

- Para com isso, Dan! – exclama Seul-gi, gargalhando de vergonha – A gente nem sabe direito que caminho a gente vai seguir, como é que você pode me prometer uma coisa dessa?

- Eu estou falando sério, Seul-gi! – diz Dan, sorrindo.

A jovem Hong fica sem jeito. Dan continua:

- Você é talentosa, inteligente, perspicaz. E eu confio muito em você. E é isso o que o posto de primeiro-oficial exige mais de quem o ocupa: confiança. Se eu fosse um capitão, faria questão absoluta que você fosse minha primeira-oficial.

Seul-gi fica sem reação.

- E se um dia eu me tornar capitão de fato como você diz... eu vou querer VOCÊ pra ser minha primeira-oficial. E mais ninguém. Não vou medir esforços pra isso... você pode ter certeza!

- Puxa, Dan... – a voz de Seul-gi sai com dificuldade – Eu realmente não sei o que dizer...

- Então não diga – responde Nardelli – De qualquer forma, minha promessa está feita.

Seul-gi suspira, ainda meio sem graça.

- Tá bom... – diz ela – Eu vou te ensinar uma coisa. Me dá a sua mão.

Ela pega uma das mãos de Dan e fecha sua outra mão, deixando apenas o polegar e o dedo mínimo estendidos. Meio que sem entender, Dan faz o mesmo gesto com a mão que está sendo segurada por Seul-gi.
Ela encosta seu mínimo no mínimo de Dan e os entrelaça, e lentamente, junta seu polegar ao dele.

- É assim que a gente sela promessas lá na Coreia – explica ela.

- Fascinante... – respondeu Dan, com um tom de voz baixo.

Do nada, os dois começam a rir, com as mãos entrelaçadas pelo gesto.


De volta aos aposentos de Seul-gi na Frontier, a mesma está inconsolável. E não consegue conter seu choro.

- Eu não posso perder você assim, Dan... – diz ela, com a voz embargada – Eu não posso...

 ***

Ainda na sala de reuniões da Frontier, o capitão distribui algumas ordens:

- Sr. Stanic, peça as coordenadas de transporte à nave do general Nero; informe que eu e o sr. Andros iremos a bordo.

- Sim, senhor! – responde Stanic.

- Sr. Andros, vá até a sala de transporte e me aguarde. Esteja de prontidão.

- Sim, senhor! – responde Andros.

- Dispensados – diz Dan a todos os oficiais.

Todos se levantam e retornam a seus postos, à exceção do doutor Lester, que permanece sentado em sua cadeira, lançando em Dan um olhar de reprovação.

- Algum problema, Jon? – pergunta o capitão.

- “Algum problema”?! – retruca Lester, com a voz carregada de ironia  – Qual é, Dan!!! Por acaso você tem noção do que está fazendo?

- Pretende me afrontar também, doutor? – rebate Dan – Do mesmo jeito que a Seul-gi?

- Óbvio!!! – Lester se levanta de sua cadeira – Eu jamais pensei que um dia na minha vida eu diria isso, mas eu concordo plenamente com a Hong!

Jon se coloca na frente do capitão. E o encara como quem quer puxar briga.

- Você enlouqueceu, Dan? Você está indo diretamente para a boca do lobo! O que espera conseguir com isso? Pega leve, cara! Isso aqui não é a Enterprise... e você não é James Kirk!

- Será que eu preciso repetir pra você tudo o que eu disse pra Seul-gi, Jon? – Dan não se intimida – EU sou o capitão desta nave. O tenente Andros é responsabilidade minha, bem como todo o resto da tripulação. É meu dever zelar por eles, mesmo que isso me custe a vida! Não é preciso ser James Kirk pra saber uma coisa dessas... não estou fazendo mais do que a minha obrigação!

Lester fica sem reação. Jamais havia visto seu amigo de longa data tão determinado antes.

- E não se preocupe, meu amigo – Dan esboça um sorriso – O Andros me contou tudo o que eu preciso saber a respeito do Nero. Nós dois vamos dar uma lição naquele maníaco, pode apostar!

- Espero mesmo que você saiba o que está fazendo... – diz Lester.

Dan assente com a cabeça. E relembra de um fato da época da Academia:

- Uma vez na Academia, o sr. Sarek me falou sobre um antigo ditado vulcano. Ele diz que “o bem de muitos se sobrepõe ao de alguns... ou ao de apenas um”. O que eu estou fazendo não é apenas por mim ou pelo Andros... também é por você, pela Seul-gi e por toda a tripulação da Frontier.

Lester começa a dar risada, ao ouvir estas palavras.

- Você não perde a inspiração nem numa hora dessas! Sério, você não existe, cara!

Dan se contagia, e também começa a rir. E em meio a uma risada ou outra, o doutor Lester acaba tendo uma ideia importante:

- É bom a gente se precaver em todo caso. Vou implantar um transponder subcutâneo em você e no tenente Andros. Se alguma coisa acontecer, saberemos exatamente aonde vocês estão.

- Bem pensado, Jon! – diz Dan – Providencie isso.

***

Quase uma hora e meia do prazo dado por Nero já havia se passado. Dan chega à sala de transporte da Frontier, onde Okonwa, Hong, Lester, Stanic e Andros aguardavam.
Um pouco antes, o doutor havia aplicado em Dan e no romulano, por meio de um hipospray, um transponder subcutâneo, conforme a sugestão do próprio Lester – por meio dele, a Frontier poderia rastreá-los onde quer que estivessem.

O clima não era dos melhores. Ao entrar na sala, o capitão troca um olhar atravessado com Seul-gi.

- A nave de Nero já nos transmitiu as coordenadas, capitão – informa Okonwa, no painel do transportador – Posso transportá-los quando o senhor desejar.

- Tudo bem, sr. Okonwa, aguarde – diz Dan – Sr. Stanic, contate o Comando da Frota Estelar e informe a situação. Diga que estou no controle.

- Sim, senhor! – responde o croata.

- Srta. Hong?

Seul-gi não diz uma palavra. Apenas espera o que o capitão irá lhe dizer.

- Está no comando – continuou Dan – Mantenha as coisas em ordem até eu voltar.

O capitão e Andros sobem na plataforma de teletransporte. Dan está prestes a dar a ordem para Oko, mas é interrompido por Seul-gi:

- Permissão para fazer uma pergunta, capitão? – a voz de Hong sai em um tom extremamente seco.

Nardelli é pego de surpresa. Mas após alguns segundos de silêncio, ele acaba acatando ao pedido, sob os olhares desconfiados de todos:

- Prossiga.

A expressão no rosto de Seul-gi muda completamente. Com uma voz doce e ao mesmo tempo assustada, aliada a um olhar triste e temeroso, ela faz sua pergunta a Dan:

- E se você não voltar?

Claramente, Seul-gi está com medo. Assim como todos os outros oficiais ali – talvez até mais do que eles – ela teme pela vida do capitão. Em seu caso, mais do que isso: ela teme pela vida de seu companheiro de Academia da Frota e melhor amigo; isso sem falar nos outros sentimentos sufocados que ela carrega dentro de si.
No entanto, a resposta de Dan é direta e reta:

- Neste caso, srta. Hong, tanto esta nave quanto a sua tripulação estarão sob sua responsabilidade – o capitão faz uma pausa, enquanto todos olham estupefatos – Algo a acrescentar?

Seul-gi fica paralisada. Sente um frio correr por sua espinha. Aquela, talvez, seria a última vez que ela veria seu capitão e grande amigo.
Com dificuldade, ela responde a pergunta de Dan:

- Não, senhor... – sua voz sai quase inaudível.

- Bom, parece que chegou a hora – Dan demonstra uma tranquilidade espantosa – Está pronto, Andros?

- Sim, senhor – assentiu o tenente.

 - Ei, Dan! – Lester chama a atenção.

O capitão volta seu olhar para o doutor, que se aproxima e lhe coloca a mão no ombro.

- Boa sorte, cara – diz ele – E vê se toma cuidado!

- Obrigado, Jon – responde Dan.

Rapidamente, Lester desce da plataforma. Nardelli, enfim, dá a ordem a Oko:

- Acionar!

O africano aciona o painel de transporte, e Dan e Andros desaparecem, envolvidos por clarões azuis, sob as vistas apreensivas dos oficiais e o olhar desolado de Seul-gi.

***

A bordo do cruzador de batalha romulano, Dan e Andros são recebidos por Nero e seus soldados.
Assim que os vê, o general solta uma risada obscura.

- Confesso que não esperava recebe-lo a bordo, capitão Nardelli – diz ele – Afinal de contas, o que pretende?

- Como eu lhe disse, general Nero, Andros V’Kor é um cidadão sob proteção da Federação, e também é um oficial da Frota Estelar – responde Dan – E como sou seu oficial superior, é minha obrigação zelar pelo bem-estar dele.

- Você fala demais! – a voz de Nero sai carregada de ironia – Onde exatamente você quer chegar? Vai me pedir para que eu poupe a vida desse traidor?

- Não apenas isso – diz o capitão – Você também colocou em risco a tripulação da minha nave. E além de tudo, está violando o espaço da Federação: a qualquer momento, outras naves estelares podem aparecer para tentar expulsá-los daqui. Creio que não seja isto o que você deseja, não?

- Seu atrevido! – Nero se enfurece – Está me ameaçando?!

- Longe disso, eu só estou lhe mostrando a realidade...

Nardelli não se intimida diante de Nero. Sua firmeza e determinação deixam o general romulano desconcertado.
Até que Dan resolve fazer sua cartada:

- Muito bem. Vou lhe propor uma troca: a vida do tenente Andros pela minha.

- O quê?! – Nero franze a testa.

- Muito simples, Nero – diz Dan, com um sorriso ligeiramente sarcástico – Você poupa as vidas do tenente Andros e da minha nave, e me leva como seu prisioneiro. Creio que seja uma alternativa bem melhor do que arrumar confusão com a Frota Estelar, não?

- Como é?! – questiona o general – Está se oferecendo para ir no lugar do traidor V’Kor?!

Um silêncio se forma. Nardelli e Andros passam a encarar Nero diretamente. Mas, depois de algum tempo, o general solta uma gargalhada que é ouvida em praticamente toda a nave.

- Muito interessante – diz ele – Mas creio que terei que recusar a oferta.

- O que está dizendo? – Dan demonstra surpresa.

- Eu recebi ordens diretas do Império de levar o traidor V’Kor de volta a Romulus para que ele responda por sua deserção. Em outras palavras, eu não posso voltar para o meu planeta de mãos vazias! Portanto, o seu apelo não possui efeito algum, capitão Nardelli!

Eis que Dan sorri de forma completamente sarcástica.

- Não me surpreende... Eu esperava uma resposta desse tipo, Nero.

- O quê?! – o general não compreende.

- ANDROS, É AGORA!!! – gritou Dan.

De imediato, os dois sacam phasers portáteis de tipo 1 dos bolsos, e atiram contra os soldados, que caem desmaiados. Logo em seguida, colocam Nero sob suas miras.

- A gente já sabia que você não ia dar o braço a torcer, Nero – diz Andros – Eu contei tudo o que aconteceu para o capitão.

- Exatamente – diz Dan – Agora você virá conosco, Nero. Você e seus homens invadiram o espaço da Federação, e terão que responder por isso. Sem falar que você atentou contra a vida de um cidadão protegido pela Federação.

- Hah! Muito engenhoso de sua parte, capitão – Nero não se abala – Mas eu não cantaria vitória antes do tempo.

- Do que você está falando? – questiona o capitão.

Nero sorri. E eis que, de repente, outros dois soldados romulanos aparecem pelas costas de Dan e de Andros, e os eletrocutam com lanças de choque.
Os dois caem atordoados no chão. Nero lhes toma as armas, e se dirige ao capitão da Frontier falando em tom de ironia e de perversidade:

- Achou que eu não estaria preparado, Nardelli? Achou que eu fosse assim tão ingênuo? Pois agora mesmo você irá pagar pela sua ousadia...

- Andros tinha razão... – responde Dan, com a voz contorcida de dor – Você realmente é um canalha...

- Você não mudou absolutamente nada, Nero... – diz Andros.

- Tolos!!! – Nero resolve se gabar – Acham que eu me importo com tratados e com fronteiras? Acham que eu me importo com o lixo da Federação? Ora... pra mim isso tudo não passa de bobagem!

- Como é... que é?!? – a voz de Dan sai com dificuldade, por conta da dor do choque.

- Tanto a Federação quanto aqueles Klingons imundos não passam de vermes insignificantes pra mim – bradou Nero – O Império Estelar Romulano é a maior força que existe no universo! Somos NÓS que merecemos comandar este quadrante por inteiro, e tenha certeza que não medirei esforços para isto! Eu serei o líder que conduzirá não apenas o Tal Shiar, mas TODO o Império Romulano rumo à vitória absoluta contra nossos inimigos! E para mim, não importa de que forma: cedo ou tarde, todos vocês, humanos, vulcanos, Klingons... TODOS terão que se ajoelhar diante de nós!

- Você é louco... – diz Andros.

- Não pense que isso vai ficar barato, Nero... – diz Nardelli – A gente não vai permitir essa barbárie...

- Já me cansei de vocês! – Nero fala em tom de desprezo – Capitão Nardelli, você será levado ao Pretor como troféu de guerra do Império! E quanto a você, Andros V’Kor... bem, acho que já sabe o destino que lhe espera! HAHAHAHAHAHA!

Nero, então, se volta para seus soldados, e lhe dá suas ordens:

- Levem esses dois para a prisão! – o general se volta para seu oficial de leme – Leme, marcar curso para Romulus. Dobra 8!

- Sim, senhor! – diz o oficial do leme.

Não apenas o cruzador, como todas as outras aves de guerra que cercavam a Frontier deixam o setor, entrando em velocidade de dobra e seguindo em direção à Zona Neutra.

***

Logo depois de teletransportar o capitão e o tenente Andros para a nave romulana, todos os oficiais retornam a seus postos. Hong e Lester deixam a sala de transporte e pegam o turbo-elevador.

- Ponte – Hong dá o comando ao computador.

A tristeza e o abatimento eram visíveis no rosto de Seul-gi. Jon percebe isso, e mesmo sem jeito, tenta puxar conversa e confortá-la de alguma forma:

- Você tá legal, Hong?

- Eu estou bem, doutor – responde a coreana, com um tom de voz atravessado e seco – Que engraçado, é a primeira vez em anos que você me pergunta como eu me sinto.

- O que você quer dizer? – Lester franze a testa.

- Desde a época da Academia, você sempre me atormentava. Fazia piadinhas sem graça, insinuações e outras coisas chatas. E agora, como num passe de mágica, você resolve mudar da água pro vinho e demonstrar que se importa. O que acontece, doutor?

- Ora, não seja boba! – retruca Jon – É que eu sei o quanto você se importa com o Dan... E está nítido na sua cara que você tá preocupada com ele. Eu estou errado?

As palavras do doutor são recebidas com surpresa por Seul-gi. E ela decide moderar o tom.

- Pelo contrário, doutor. Você tem toda a razão...

Hong abaixa a cabeça, sob o olhar desconcertado de Lester.

- Ele vai ficar bem, Hong – diz o médico britânico – Eu sei que a situação é difícil, mas a gente tem que acreditar nele! Com certeza ele sabe o que está fazendo.

- Espero que você esteja certo... – responde Seul-gi.


Eis que o turbo-elevador chega à ponte de comando. Hong e Lester entram, e o tenente Stanic anuncia sua chegada aos demais oficiais:

- Comandante na ponte!

- A frota romulana acabou de deixar o nosso setor, comandante – informa o alferes Cortez – Seguiram em direção à Zona Neutra.

- O que disse?! – Hong se desespera – Então eles levaram o tenente Andros e o capitão?! Isso está ficando cada vez pior...

Na plataforma que costuma ser de Hong, está um outro oficial da divisão de ciências, o alferes vulcano T’alek. Ele analisa alguns dados, e informa a Seul-gi:

- Os sensores estão recebendo o sinal dos transponders implantados no capitão e no tenente Andros. Localização, 33 graus a estibordo, direção 181, marco 246. Estão se dirigindo para Romulus, comandante.

- Para Romulus?! – exclama Hong.

Seul-gi se vê diante de um dilema. Nero e seus homens não se contentaram apenas em levar o tenente Andros, mas também tomaram Dan como prisioneiro – se os dois chegarem a Romulus, certamente serão executados; por outro lado, entrar na Zona Neutra de forma imprudente seria extremamente arriscado: ela poderia se deparar com outras naves romulanas, que não hesitariam em destruir a Frontier.
Apesar de tudo isto, a única coisa que estava na mente de Seul-gi naquele momento era a imagem do capitão. Não era somente a vida de Andros que estava em risco – a de Dan também estava.
Ela cerra os punhos diante da cadeira de capitão, e toma sua decisão:

- Se eles acham que vou ficar aqui parada simplesmente sem fazer nada, estão muito enganados... Anotou as coordenadas, sr. Cortez?

- O quê? – Cortez é pego de surpresa – Quer dizer... sim, senhora, as coordenadas estão anotadas!

- Muito bem. Marque um curso de interceptação para a nave de Nero – diz Hong, com firmeza na voz.

Quem não gosta nada dessa atitude de Seul-gi é o doutor Lester, que se demonstra temeroso. Imediatamente, ele se coloca diante de Hong:

- Não, peraí... Eu ouvi direito, Hong? Pretende ir até a Zona Neutra assim, de qualquer jeito? Por acaso você perdeu o juízo?!

- O que você quer que eu faça, doutor? – rebateu Seul-gi – Quer que eu simplesmente largue o capitão e o tenente Andros à mercê dos romulanos, e os deixe morrer nas mãos deles?

- Não é nada disso! – retrucou Lester – Escuta! Hong...

Jon começa a ficar ofegante.

- Seul-gi... eu sei o quanto o capitão... ou melhor, o Dan significa pra você! Mas você conhece o tratado... se entrarmos assim na Zona Neutra sem mais nem menos, estaremos cometendo um ato de guerra! Além do quê, deve ter hordas de naves romulanas patrulhando o lugar... Isso não é só um ato de guerra. Isso é suicídio!

- Que se dane o tratado! – Seul-gi aumenta o tom de voz – É a vida do capitão que está em jogo! Por Deus, Jonas, ele é seu amigo! Por acaso você sabe o que você está dizendo?

- É você que não sabe o que está dizendo! – Jon não dá o braço a torcer – Você não está pensando com clareza, Hong! Por acaso você quer começar uma guerra entre os romulanos e a Federação?

- Pra começo de conversa, foram ELES que começaram tudo! Foram eles que invadiram o espaço da Federação. Foram eles que nos interceptaram e nos ameaçaram. Foram eles que levaram o capitão! Se isso não é um ato de guerra por parte dos romulanos, então é o quê?

- É, pelo jeito você não me deixa escolha... Vou usar minha autoridade como oficial médico-chefe desta nave e vou afastá-la de suas funções por conta desse descontrole emocional, senhorita Hong!

- E vai deixar o capitão morrer, doutor?

A última frase de Seul-gi deixa Lester paralisado.

- Será que agora você entende? – continua ela – A única pessoa nesta nave capaz de tomar uma decisão sou eu. E se você ainda não sabe, isto aqui é a Frota Estelar! Em nenhuma hipótese nós costumamos deixar um dos nossos para trás, não importa quem seja. Por que você acha que o capitão foi a bordo da nave do Nero?

Hong e Lester se encaram com olhares incisivos um para o outro. Aparentemente, nenhum dos dois quer arredar o pé.

- Eu não estou apenas cumprindo com meu dever, doutor. Estou fazendo aquilo que o Dan faria por qualquer um de nós. Pouco me importam as consequências... pouco me importa se vou enfrentar a nave de Nero ou a frota inteira do Império Romulano. Pra mim não faz diferença alguma. Eu vou tirar o Dan das garras do Nero. Ou então, eu morrerei tentando.

Lester fica desconcertado ao ouvir estas palavras de Hong. E sente que não conseguirá impedi-la, por mais que queira. Jamais havia visto tamanha determinação por parte dela.

- Faria qualquer coisa por ele, não é? – perguntou.

- Não tenha dúvidas disso – responde Seul-gi, com firmeza na voz.

- Pois bem...

Lester dirige-se ao turbo-elevador. Mas ao chegar na porta, ele fica parado por um instante e cerra o punho.
Hong estava para se sentar na cadeira do capitão, quando é pega de surpresa por um grito do doutor:

- Só mais uma coisa, Hong!!! – Jon aponta o dedo para Seul-gi.

- O que foi?!

A ponte inteira fica em silêncio. Lester começa a agitar o dedo apontado. E sorri. As palavras que ele diz a Hong são inesperadas:

- Acaba com a raça deles. E eu não vou te perdoar se você não trouxer o Dan de volta!

Ao ouvir as palavras do doutor, Seul-gi sorri. E assente com a cabeça, sem dizer uma palavra.

Assim que Lester entra no turbo-elevador, Seul-gi se senta na cadeira do capitão. Cortez a informa:

- Curso de interceptação traçado, comandante.

- Muito bem, alferes. Dobra 8! – ordena Hong.

- Sim, senhora! – responde o espanhol – Dobra 8!

Dentro do turbo-elevador, Lester segue rumo à enfermaria.

- Dan... você é um cara de muita sorte... – pensou ele.

***

 Algumas horas depois, a bordo do cruzador romulano, Dan e Andros são torturados pelos soldados de Nero, recebendo choques constantes de suas lanças elétricas, acorrentados pelos pulsos. Muito feridos, os dois gritam de dor enquanto recebem os choques.
Nero apenas observa e ri incessantemente – parece se divertir com tudo aquilo.

- Eu esperei muito por este momento, seu traidor desgraçado! – diz ele a Andros – Certamente o Pretor irá me recompensar grandiosamente quando eu lhe entregar a sua cabeça!

- Isso está longe de acabar, Nero! – retruca o tenente – Você ainda vai pagar por todos os seus crimes, você vai ver!

- Idiota! – Nero acerta um murro em Andros – Se atreve a me desafiar mesmo nesse estado?

- Ele tem razão, Nero – diz Dan – Você só está piorando as coisas... Mexer com a Frota Estelar foi o pior erro da sua vida. Você simplesmente mexeu em um vespeiro...

Nero olha para Nardelli, e toma uma lança elétrica da mão de um dos soldados.

- Outro rato insolente – Nero eletrocuta Dan, que grita de dor – O que acha que a sua Frota Estelar é capaz de fazer contra nós na Zona Neutra? Saiba que as forças do Império destruiriam qualquer nave da Federação que se atrevesse a entrar no nosso território! Ninguém pode fazer absolutamente nada!

Andros e Dan estão quase inconscientes., por conta dos choques. Nero ainda zomba da cara deles:

- Aproveitem a dor enquanto podem, seus vermes. Muito em breve, vocês encontrarão seu destino! HAHAHAHAHAHAHA!

Eis que alguém no sistema de comunicação interna chama a atenção de Nero:

- General! Está na escuta?

- Eu estou ouvindo! – responde Nero, contrariado como alguém interrompido em meio a um divertimento.

- Senhor, uma nave da Federação está se aproximando de nosso setor em dobra 8! Está em curso de interceptação!

- O quê?! – Nero quase salta para trás – Não é possível... Reverta para impulso! Eu estou a caminho!

Enfurecido, Nero deixa a sala onde Dan e Andros estão acorrentados, aparentemente ignorando-os.

- Deve ser a Frontier, capitão... – diz um combalido Andros.

- Eu tenho essa mesma impressão, Andros – responde Dan, igualmente debilitado.

O capitão, então, volta seu olhar para sua frente. E a primeira imagem que lhe vem à mente é a de sua primeira-oficial.

- Sabia que você não ia me decepcionar, Seul-gi... – diz ele, pensando alto.

***

Nero chega à ponte de comando de sua nave. Seu oficial de leme lhe informa:

- Estão a menos de mil quilômetros, senhor. Atingindo alcance visual.

- Coloque na tela! – ordena o general.

O oficial acata a ordem de Nero, e coloca a imagem da nave inimiga na tela principal. O palpite de Andros estava certo: era a Frontier.

- A Frontier! – exclama Nero – Eu não posso acreditar...

Uma gota de suor frio escorre da testa do general romulano. Mas ele não pensa duas vezes. Cerra o punho e dá suas ordens.

- Levantar escudos! Carregar disruptores! – diz ele, aos berros.


Na ponte da Frontier, a movimentação também é intensa. Cortez, no leme, informa a comandante Hong:

- Cruzador romulano ao alcance dos sensores, comandante. Estabelecendo contato visual.

- Na tela! – ordena Seul-gi.

A imagem da nave de Nero aparece na tela principal.

- Sr. T’alek – Hong se volta para o vulcano – Varredura dos sensores. Busque os sinais de vida do capitão e do tenente Andros.

- Executando, comandante – responde T’Alek, com a frieza típica vulcana.

- Sr. Stanic, contate os romulanos. Frequências de saudação.

Stanic acata a ordem de Hong. Mas não obtém qualquer retorno de comunicação do cruzador.

- Sem resposta, comandante! – informa o croata.

- Os sensores indicam que o capitão e o tenente Andros estão a bordo da nave, senhora – informa T’alek – Os transponders também estão reagindo com intensidade!

Seul-gi assente com a cabeça. Um jovem tenente loiro com o uniforme de operações, que ocupa o posto do tenente Andros, repara a movimentação da nave de Nero e informa à comandante:

- Carregaram armas! Estamos sob a mira deles!

- Óbvio que eles não iam dar o braço a torcer... – diz Hong.

Sentada na cadeira do capitão, ela cerra o punho. E resolve entrar na briga de vez.

- Alerta vermelho! – bradou Seul-gi – Escudos em potência máxima! Carregar todas as armas!

O alarme do alerta vermelho soa por toda a Frontier. Tanto os phasers quanto os torpedos fotônicos da nave são carregados e travados.
O combate está para se iniciar. Na nave de Nero, a movimentação da Frontier também é notada:

- Eles também levantaram os escudos, general – diz o oficial do leme – E carregaram as armas deles!

- Então não vamos mais perder tempo! – diz Nero, tomado de ódio – ATIREM!!! DESTRUAM-NOS!!!

A nave de Nero dispara seus canhões disruptores contra a Frontier. Um forte tremor é sentido não só na ponte, como em toda a nave.
Os escudos aguentam o impacto dos raios, mas perdem força.

- Escudos a 80 por cento – relata T’alek.

- Devolver fogo! Mire nas armas deles, sr. Cortez – ordena Seul-gi – Dispare os bancos phasers.

- Sim, senhora!

Cortez obedece de imediato. Dispara os phasers da nave contra as armas do cruzador de Nero. Mas o resultado não é o esperado:

- Phasers sem efeito, comandante! Os escudos deles permanecem intactos!

- Não é possível... – diz Hong.

Outro chacoalhão é sentido na ponte. A nave de Nero dispara mais uma vez, e os escudos da Frontier novamente perdem força.

- Escudos em 40 por cento – informa T’alek.

- Eles vão nos destruir se continuar assim... – diz Seul-gi.

Da cadeira do capitão, ela abre um canal para a engenharia:

- Engenharia! Sr. Okonwa, redirecione energia para os escudos, rápido!

- Continuem atirando! – grita Nero, histericamente, na ponte de sua nave – CONTINUEM ATIRANDO!!!

Antes que Oko pudesse acatar a ordem de Hong, outro tiro da nave romulana acerta a Frontier em cheio. E os escudos da nave se vão de vez.

- Perdemos os escudos! – diz T’alek.

- Danos estruturais nos decks 2 e 6, comandante – informa o loiro no posto de Andros – Cerca de 10 a 15 baixas.

- Comandante! – Okonwa fala da engenharia – Perdemos também metade da energia!

- Redirecione para os phasers, sr Okonwa! – ordena Hong – Sr. Cortez, continue atirando nas armas deles!

Oko e Cortez obedecem. A Frontier volta a atirar nos canhões da nave de Nero com os phasers, que agora se mostram mais efetivos.
Mas a nave de Nero ainda consegue disparar um último tiro, que provoca danos sérios, antes de seus canhões disruptores serem destruídos de vez.

- Ruptura de casco nos decks 13 e 17, comandante! – informa Cortez – 25 a 30 baixas, aproximadamente!

- Situação das armas deles, alferes? – pergunta Hong, quase em desespero.

- Conseguimos desabilitá-las, senhora! – responde o espanhol.

- Muito bem! Acerte os geradores dos escudos! Use os torpedos fotônicos!

- Torpedos prontos!

- Fogo!

Cortez dispara os torpedos várias vezes, até que consegue destruir os geradores de escudos do cruzador romulano. A nave de Nero agora também está sem defesas.

- É!!! – Cortez comemora no painel do leme – Conseguimos desarmar os escudos deles, comandante!

- Bom trabalho, sr. Cortez! – diz Hong.

Rapidamente, Seul-gi abre um canal para o setor de segurança da Frontier:

- Segurança! Preparar grupo de abordagem! Me encontrem na sala de transporte!

Seul-gi estava mais decidida do que nunca. Enfim, chegou a hora de enfrentar Nero e salvar as vidas de Dan e do tenente Andros – especialmente, a de Dan.
Ela se levanta em um pulo da cadeira de capitão e avança para o turbo-elevador. Mas antes, ela dá uma última ordem, que surpreende Cortez:

- Sr. Cortez, comigo!

- Hã?! Digo... sim, senhora! – responde o alferes, meio sem jeito.

***

Poucos minutos depois, Hong, Cortez e alguns oficiais de segurança se encontram na sala de transporte – todos eles estão equipados com coletes táticos da Frota Estelar, além de pistolas phaser de tipo 2 e rifles phaser de tipo 3.

- Nossa prioridade é resgatar o capitão e o tenente Andros – informa Seul-gi – Sr. Okonwa, mantenha o sinal travado em nós e também no capitão e no tenente. Assim que estivermos com eles, deve nos transportar imediatamente. O senhor compreendeu?

- Perfeitamente, comandante! – responde Oko, no painel de ativação – Ficarei de prontidão.

- Muito bem – diz Hong – O comando é seu.

Okonwa assente com a cabeça. Hong, então, dá a ordem:

- Acionar!

Oko aciona o painel, transportando Hong, Cortez e os outros para o cruzador de Nero.


Dentro da nave, Seul-gi e o grupo de abordagem se materializam dentro de um corredor. Falando baixo para não ser notada, ela transmite ordens ao grupo:

- Phasers em tonteio. Espalhem-se!

Cada metade do grupo vai para um lado da parede. Cortez fica bem atrás de Hong, que se vira para ele:

- Leitura de tricorder, sr. Cortez?

Cortez olha para seu tricorder, e informa a comandante:

- Os sinais do capitão e do tenente estão localizados a 20 graus a estibordo. Devemos seguir em frente e entrar no corredor à nossa direita.

- Está certo – responde Hong – Vamos!

O grupo faz exatamente o que Cortez diz. Mas antes de entrar no corredor à direita, uma metade do grupo corre para um canto da entrada. Sorrateiramente, eles se infiltram no corredor.

- Os sinais estão se intensificando, senhora – diz Cortez, olhando para o tricorder – Há outro corredor à nossa esquerda. É possível que nós os encontremos por ali.

- Muito bem! – diz Seul-gi.

Mas a tranquilidade do grupo dura pouco. No final do corredor, dois soldados romulanos armados com rifles disruptores aparecem e atiram.
Acertam em cheio um dos oficiais de segurança da Frontier, que se desintegra instantaneamente.

- Puta madre!!! – grita Cortez.

- Tenham cuidado! – berrou Hong.

Após o ataque surpresa, Hong, Cortez e os outros uniformes vermelhos reagem, e atiram contra os romulanos, derrubando-os inconscientes.
Mais soldados romulanos surgem, e o tiroteio se intensifica. Seul-gi acerta mais dois com seu rifle, e Cortez acerta outros dois.

- Cabrones de mierda!!! – pragueja Cortez, enquanto atira – Tomem essa, hostia!!!

O último soldado cai com os tiros de Cortez. Hong aplaude a atitude do espanhol:

- Belo tiro, alferes!

- Gracias, comandante! – responde ele.

- Vamos! – ordena Hong.

Mais romulanos armados aparecem, e o grupo de Hong avança atirando neles. Outro oficial de segurança da Frontier sucumbe, mas o grupo não se abala – atira até que todos os inimigos caiam inconscientes com os tonteios de phaser.
Seul-gi puxa o pelotão. E de rifle em mãos, corre pelos corredores da nave de Nero enquanto pensa no capitão:

- Aguente firme, Dan! Eu estou chegando...



CONCLUI NO PRÓXIMO CAPÍTULO!

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NOTAS DO AUTOR:
(*) Este Nero apresentado aqui nada tem a ver com o Nero apresentado no primeiro filme da chamada "trilogia Kelvin", Star Trek (2009). É um personagem completamente diferente do Nero do filme; no entanto, considerando-se a época onde se passa a trama de Frontier (um pouco depois dos fatos apresentados em Jornada Nas Estrelas - O Filme, de 1979) e a época em que o Nero de Star Trek viveu (por volta de 2380, mais ou menos), eu diria que o Nero de Frontier poderia ser um ancestral do Nero de Star Trek

(**) Tanto na série A Nova Geração como no primeiro piloto da série clássica, A Jaula (The Cage), os capitães Picard e Pike, respectivamente, chamavam seus primeiros-oficiais de "imediato" (Number One, em inglês). Isto foi resgatado também em Discovery.

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