Capítulo 6 - PROJETO FRONTIER



“Diário do Capitão – Data Estelar: 7506.7

Estamos estudando um campo de asteroides que se formou recentemente próximo do setor Oneamisu, no espaço da Federação.
A origem deste campo é uma incógnita; nossos cientistas suspeitam ser resultado da explosão de uma estrela, ou mesmo de um planeta.”


A Frontier encontra-se próxima a um grande campo de asteroides descrito conforme o registro do capitão Nardelli em seu diário de bordo.
A atividade na ponte de comando é intensa.



- Sonda pronta para disparo, capitão – relata o alferes Cortez, no leme da nave.

- Prossiga, sr. Cortez – ordena Dan.

Uma sonda não-tripulada é disparada da nave em direção ao centro do campo de asteroides.
Em poucos segundos, o computador da Frontier começa a receber as suas leituras.

- Recebendo leituras preliminares, capitão – informa a comandante Hong.

- Quais os resultados, srta. Hong? – pergunta Nardelli.

Seul-gi ouve a pergunta, mas demora a responder. Sente que há algo errado consigo mesma. Ao mesmo tempo em que olha para seu painel para analisar as leituras da sonda, sente uma ligeira tontura.

- Srta. Hong? – Dan franze a testa, estranhando a demora de sua primeira-oficial.

- Desculpe, capitão – a voz de Seul-gi começa a ficar congestionada – Ainda há sinais de radiação de nêutrons em volta dos asteroides. Mas eles são compostos de matéria rochosa e de metais como ferro e manganês. Isso pode indicar que...

Hong não consegue completar a sua fala. Sua visão começa a obscurecer e sua pressão cai. Ela, então, suspira e desfalece, caindo debruçada sobre seu painel.
Imediatamente, Dan salta de sua cadeira e vai em sua direção, desesperado.

- Srta. Hong!!! – grita o capitão.

Dan se aproxima e tira a coreana quase desacordada de cima do painel.

- Srta. Hong! – o capitão começa a sacudir o corpo de Hong – Seul-gi, está tudo bem com você?

Todos na ponte de comando se assustam com a cena. Rapidamente, Hong recobra a consciência e tenta retomar seu relatório.

- Não é nada, capitão – diz Seul-gi, ainda meio zonza – Eu posso continuar o meu trabalho... preciso concluir o relatório...

- Nada disso! – responde Dan, em um tom de voz firme – Apresente-se à enfermaria e peça para o doutor Lester te examinar. Você não pode continuar o seu serviço nessas condições.

- Mas, capitão... – teima a comandante.

- É uma ordem! – exclama o capitão, franzindo a testa e aumentando o tom de voz.

- Sim... sim, capitão... – diz Seul-gi, ainda meio tonta e com uma expressão de espanto no rosto.

Hong se dirige à porta do turbo-elevador, quase cambaleando. Quando ela finalmente deixa a ponte, o capitão volta sua palavra para um jovem alferes vulcano da divisão de ciências, que estava acompanhando os trabalhos na ponte.

- Sr. T’alek, conclua o relatório no qual a srta. Hong estava trabalhando.

- Sim, senhor! – diz o alferes, que sai de seu posto e se dirige à plataforma da comandante Hong.

Com a rapidez de raciocínio típica dos vulcanos, T’alek analisa os dados da sonda e informa o relatório preliminar ao capitão.

- De fato, ainda há muita atividade radioativa em torno dos fragmentos, capitão – diz o alferes, com um tom de voz frio – O que pode indicar que este campo é resultado de uma explosão.
A análise da comandante Hong é bastante precisa.

- Bom trabalho, alferes – responde Dan.

O capitão volta seu olhar para a tela, onde o campo de asteroides é exibido. No entanto, seu olhar é de preocupação.

***

Horas depois, o sinal sonoro da porta da enfermaria é ouvido. O doutor Lester analisa dados em seu computador, enquanto Hong está semideitada em uma das macas.

- Entre! – diz o doutor.

A porta automática se abre, e revela a figura de Dan. O capitão da Frontier adentra o recinto e se dirige ao doutor.

- Como ela está, Jon? – pergunta, com uma expressão preocupada no rosto.

- Ela está estável – responde Lester – Não foi nada de mais, foi só uma infecção causada por um vírus.

- Um vírus? – Dan franze a testa.

- Pois é. Eu ainda não consegui determinar a origem dele, ainda estou analisando alguns de seus compostos orgânicos. Mas é bem menos nocivo do que imaginei. Em uma semana mais ou menos ela deve estar recuperada.

- Entendo... – assente Dan.

O capitão se volta para a maca onde Seul-gi está alocada.

- Se sente melhor, Seul-gi?

- Sim – Hong faz um sinal de afirmação com a cabeça.

- Que ótimo – Dan esboça um sorriso.

O capitão tenta se aproximar de Hong, mas subitamente, algo obstrui seu caminho. Ele sente uma leve descarga de energia por um segundo, e quase cai para trás, como se tivesse esbarrado em uma parede ou coisa parecida.
Na verdade, era um campo de força colocado pelo doutor Lester em torno do leito de Seul-gi.

- Que diabo é isso?! – bradou o capitão, com uma expressão indignada no rosto, ao doutor Lester.

- Sinto muito, capitão, esqueci de lhe informar – responde o médico, com toda sua elegância britânica – Mesmo não sendo tão nocivo, o vírus é altamente contagioso, então tive que deixar a srta. Hong em regime de isolamento.

Dan franze a testa, enquanto Jon se aproxima com um hipospray.

- A propósito... – Lester encosta o hipospray no pescoço do capitão e o usa para lhe injetar algo – Isto é uma vacina. Aliás, já informei à tripulação: todos aqueles que tiveram contato com a comandante Hong nas últimas 48 horas devem toma-la.

O capitão lança um olhar ligeiramente desconfiado para Jon, que retribui com um sorrisinho.

- Medidas profiláticas, capitão. Sabe como é.

Hong só olha, em silêncio, enquanto tenta segurar uma risadinha.

- Aliás, acabei de lembrar... Preciso ir ao laboratório ver se sintetizaram mais dessa vacina! – exclamou Lester – Bom, vou deixar os pombinhos à vontade, volto daqui a pouco!

- Você não tem jeito mesmo, não é? – responde Dan, rindo – A propósito, Jon... eu soube que teve notícias de Christine! Como ela está?

Jon arregala os olhos, como quem é pego de surpresa. A pessoa em questão era Christine McKinnon, uma amiga dos tempos da Academia da Frota, e também aspirante a médica, assim como Lester.
Mesmo arrebatado com a pergunta de Dan, o doutor a responde:

- Ela está ótima. Falei com ela ontem. Ela está participando de um congresso de medicina em Deneb IV. Parece que ela também vem fazendo progressos...

- Puxa, é bom saber disso! – exclamou Dan – Me lembro que ela também era bastante determinada. Com certeza também será uma boa médica.

- Verdade... – Lester faz uma pausa – Já que tocou no assunto, Dan, estou precisando de uma auxiliar aqui na enfermaria; fiz a proposta a ela e ela demonstrou interesse. Com a sua autorização, eu gostaria de integrá-la à minha equipe assim que o congresso terminar.

- Ora, isso seria ótimo! – comemora Dan – Vamos cuidar dos detalhes mais tarde.

- Eu agradeço, Dan – responde Jon, com um ligeiro sorriso no rosto – Com licença.

Lester deixa a enfermaria. Nardelli e Hong ficam a sós no recinto.

- É... parece que vai ter que ficar fora de combate por um tempo, Seul-gi – diz o capitão.

- Isso é constrangedor... – Hong volta seu olhar para baixo – Eu sinto muito, Dan. Isso não devia ter acontecido durante um trabalho tão importante.

- Ora, está tudo bem, não foi culpa sua! – responde Dan, sorrindo – Isso acontece com todo mundo, afinal de contas, não somos máquinas! Você não devia se cobrar tanto assim...

- É... talvez você tenha razão...

Seul-gi sorri, enquanto se levanta do leito e se aproxima do capitão, apoiando uma de suas mãos sobre o campo de força que a cercava.

- Você não mudou nada, Dan. Continua o mesmo dos tempos da Academia...

- Você também continua exigindo muito de si mesma, Seul-gi – Dan retribui o sorriso – Exatamente como naquele tempo...

Dan coloca uma de suas mãos no campo de força, exatamente no mesmo lugar onde está a mão de Seul-gi. As mãos dos dois ficam sobrepostas, como se o isolamento não existisse e os dois pudessem sentir o calor das mãos um do outro.

O capitão fixa seu olhar nos olhos de sua primeira-oficial.

- Não sei se alguém já lhe disse isso... – diz Dan, com um tom de voz baixo e doce – Mas você é realmente linda, Seul-gi.

- Está dizendo isso só pra me agradar? – responde a coreana, retribuindo o olhar e o tom de voz – Ou está sendo sincero?

- Quer que eu seja sincero? – pergunta Dan.

Hong sente um ligeiro arrepio na pele ao ouvir a pergunta do capitão. O que Dan lhe diz a seguir lhe pega desprevenida por completo.

- Você não é simplesmente linda... – Dan faz uma pausa e olha fundo nos olhos de Hong – Você é... fascinante.

De imediato, o rosto de Seul-gi começa a ruborizar. E ela começa a rir de nervoso.

- Droga, Dan, olha o que você fez! – diz ela, sem conseguir conter as risadas – Me deixou toda encabulada!

Dan se surpreende com a reação de Seul-gi, e também cai na risada.

- Você queria que eu fosse sincero, não é? Pois bem...

O capitão se afasta do campo de força. Hong também dá um passo para trás, e se senta sobre seu leito.
Os dois sorriem um para o outro, de forma meio desajeitada.

- Descanse, Seul-gi. Quero vê-la na ponte o quanto antes – diz Dan.

- Sim, capitão! – responde Hong, com um tom de voz tímido.

A comandante coloca seus pés sobre o leito da enfermaria, enquanto o capitão sai pela porta automática.
Assim que se vê sozinha, Hong começa a registrar suas confidências no computador.


“Diário Pessoal – Primeira-Oficial Seul-gi Hong

Data Estelar: 7506.8
Como sempre, o capitão Dan Nardelli fez questão de demonstrar sua preocupação comigo; mesmo ocupando um alto posto atualmente, ele continua sendo a mesma pessoa doce e gentil que conheci na Academia da Frota Estelar.


Tenho ciência das obrigações que possuo como primeira-oficial da Frontier. Por outro lado, desde a época da Academia, guardo comigo um sentimento muito forte e, ao mesmo tempo, especial.
O tempo todo, faço a mesma pergunta a mim mesma: por quanto tempo mais eu vou aguentar conter tudo isto?”


As memórias de cerca de dez anos atrás começam a vir à mente de Seul-gi.

São Francisco, Terra. Academia da Frota Estelar.

Em um grande jardim, situado em meio a um complexo de prédios com reluzentes fachadas de vidro, há uma circulação razoável de pessoas – em sua grande maioria, uniformizadas com um traje preto, com detalhes em cor de bronze: é o uniforme dos cadetes da Academia.
Antes de ir ao espaço servir em uma nave estelar, os cadetes passam por um treinamento de quatro anos, aprendendo as disciplinas necessárias para missões interplanetárias: astrofísica, história, xenoantropologia, diplomacia, exobiologia, entre outras.
Um período de intervalo entre as aulas havia se iniciado, e os cadetes estavam começando a sair.

Uma jovem oriental de uns dezoito anos de idade, com um olhar tristonho e solitário, se senta em um dos bancos do jardim e se põe a mexer em um PADD – parece estar lendo ou estudando algo. E ali permanece. Era Hong.
Ligeiramente, ela olha para um pequeno grupo de jovens localizado a uma certa distância, que se reúne com um senhor, aparentemente de meia-idade, que se diferenciava dos demais: cabelos grisalhos, as sobrancelhas ligeiramente arqueadas para cima, as orelhas pontudas e uma túnica cinza-escura, quase preta – era ninguém menos que o embaixador do planeta Vulcano, Sarek, que àquela época, também lecionava diplomacia na Academia da Frota.
Ele estava acompanhado de um de seus aprendizes, o jovem italiano Daniele Nardelli – por quem ele tinha grande apreço, por sinal – e um casal de amigos aspirantes a médicos da Frota, o britânico Jonas Lester e a americana Christine McKinnon, uma jovem de formas curvilíneas, cerca de 1,70m de altura, olhos castanhos e cabelos negros e lisos que iam até a altura dos ombros.
Lester já era o melhor amigo de Dan naqueles tempos, e Christine era colega de classe do louro inglês.
O grupo parece conversar sobre algo, enquanto Dan está distraído, olhando a jovem coreana solitária mexendo em seu PADD, à distância.
Sarek e Dan Nardelli, nos tempos da
Academia da Frota Estelar

- Ei, Dan, tá tudo bem? – Lester agita a mão em frente ao rosto de Dan enquanto tira uma com ele – Alô, Terra chamando Dan Nardelli!

- Hã?! – Dan se vira para o amigo piscando rapidamente – Estava dizendo alguma coisa, Jon?

Lester olha para a mesma direção na qual Dan estava olhando, e vê a jovem Hong sentada com seu PADD em mãos.

- Oh, céus, é ela de novo! – exclama Jon, inconformado – Não dá pra acreditar...

- Há algo o incomodando, sr. Nardelli? – indaga Sarek, com o olhar atento para seu pupilo.

- Não, senhor. Não é nada de mais... – Nardelli dá de ombros.

- “Nada de mais”... Vai nessa! – Lester resolve entregar o ouro – Embaixador, está vendo aquela garota ali com o PADD na mão? Apareceu aqui na Academia tem uns dias, e desde então, o Dan não tira os olhos dela! O senhor acha que pode um negócio desses?!

- Aquela garota? – Sarek volta o olhar discretamente para a jovem Seul-gi e ergue a sobrancelha – Fascinante. O senhor a conhece, sr. Nardelli?

- Não, senhor, não a conheço! – responde Dan, ligeiramente sem jeito – Pra falar a verdade, eu nunca vi aquela garota na minha vida. Mas sei lá... alguma coisa me diz que há algo de especial nela.

- Ora! Parece que o galã italiano está apaixonado... – diz Christine, com um tom de voz bem alegre.

- Algo de especial, é?! – questiona Lester, com um tom de voz ácido – Fala sério, Dan! Ela é esquisita...

- Julgar um indivíduo sem possuir um mínimo de conhecimento válido é uma atitude ilógica, sr. Lester – interpela Sarek, com a objetividade típica dos vulcanos – Se um dia quiser ser um bom médico, então deve ter isto em mente.

- É... coitadinha da menina, Jon! – responde Christine, lançando um olhar atravessado para Lester – Nem conhece ela e já vai rotulando, eu, hein?!

- Tá bom, não tá mais aqui quem falou! – diz Jon, acuado – Aliás, Christine, a gente tem que se apressar, nossa próxima aula começa daqui a pouco! Dan, Embaixador, nos vemos depois!

- Ah, é verdade! – exclamou Christine, espantada – Até mais tarde, gente!

A dupla sai quase apressada do local. Ainda há tempo de Christine sorrir e piscar para Dan apontando para a jovem ao longe, como quem deseja boa sorte ou algo parecido.

Ao finalmente se ver a sós com Dan, Sarek resolve falar mais a respeito da oriental recém-chegada.

- Vejo que desenvolveu um fascínio especial por aquela jovem, sr. Nardelli – afirma o Vulcano, de forma categórica, enquanto olha para Hong.

- É sua lógica vulcana que lhe diz isso, sr. Sarek? – questiona Dan.

A resposta de Sarek pega Nardelli de surpresa:

- Negativo – o vulcano faz uma pausa enquanto Dan o olha com cara de espanto – Seus trejeitos e sua linguagem corporal dizem tudo. Não há necessidade de lógica para se chegar a esta conclusão.

Dan fica paralisado ao ouvir as palavras de Sarek, que por sua vez, ainda faz mais uma observação:

- Se aceita um conselho, sr. Nardelli... se considera aquela garota tão especial, devia tentar falar com ela.

Dan não responde. Apenas fica paralisado como um rato que está prestes a ser devorado por uma serpente.
Enquanto isso, Sarek se retira, caminhando com as mãos nas costas.

***

Na manhã do dia seguinte, há uma movimentação intensa em um dos refeitórios da Academia – os cadetes se organizam para tomar o café da manhã antes de iniciarem seus treinamentos.
A jovem Hong se senta em uma das mesas, sozinha, para fazer a sua refeição; em sua bandeja, um copo de leite, biscoitos e alguns pães recheados.
Ao contrário dos outros dias, sua solidão não dura muito: segundos depois dela se sentar, ela é surpreendida por uma voz:

- Com licença!

Ela olha para sua frente, e vê a figura de Dan, com sua bandeja em mãos: café, biscoitos, algumas frutas e pão italiano.

- Tem alguém sentado aqui? – pergunta ele, com um sorriso no rosto.

Imediatamente, o rosto da coreana fica vermelho. E ela fica sem reação.

- Não, não tem... – responde ela, gaguejando – Não tem ninguém, fique à vontade.

- Obrigado – Dan se senta na mesa, ficando de frente para Seul-gi.

Aquela era uma situação nova para Hong. Desde que chegou à Academia, não havia falado com ninguém além do necessário; era a primeira vez que alguém lhe chegava e demonstrava algum interesse.
Dan também se sente um pouco sem jeito, mas as palavras do embaixador Sarek no dia anterior ficaram em sua cabeça, logo, ele resolveu criar coragem e tentar conversar com a jovem que tanto lhe chamava a atenção.

Dan tenta quebrar o gelo, enquanto toma um gole de café.

- Você é nova por aqui, não é? – pergunta.

- Sim – responde Hong, ainda meio sem graça – Comecei meu treinamento há pouco mais de uma semana.

- Eu entendo... – responde Dan – Ainda é tudo novidade pra você, não é? Sei como é isso... no começo também foi difícil pra mim.

Hong fica surpresa. Algo lhe dizia que o jovem italiano sentado ali à sua frente entendia como ela se sentia. Jamais em sua vida inteira havia sentido algo parecido.
Ainda sem reação, ela assente com a cabeça.

- Me desculpe se isto soar inconveniente, mas... – Dan faz uma pausa, sob o olhar atento de Seul-gi - ...não pude deixar de observar uma coisa. Há alguns dias, eu tenho te visto sozinha pelos jardins da Academia.

As palavras de Dan não surpreendem Hong, ao contrário do que se esperava. Ela começa a baixar a guarda.

- Pois é... – diz ela, olhando ligeiramente para baixo – Eu nunca fui boa em fazer amigos. Tem sido assim desde meus tempos de escola.

- Ora, não seja por isso... – Dan responde com um sorrisinho – Se você quiser, posso lhe ajudar nesse sentido.

Seul-gi olha para Dan e esboça um sorriso.

- A propósito, eu ainda não me apresentei – diz Dan, estendendo a mão para sua nova amiga – Meu nome é Daniele Nardelli. Meus amigos me chamam de Dan.

- Hong Seul-gi – a garota retribui o gesto e aperta a mão de Dan, sorrindo – ou Seul-gi Hong, se você achar melhor.

- Coreana?! – a voz e o rosto de Dan se enchem de entusiasmo – Puxa, eu estive na Coreia pouco antes de me alistar na Frota. É um belo país!

- Obrigada! – Seul-gi sorri – Quanto tempo você ficou por lá?

- Não muito. Coisa de pouco menos de um mês – respondeu Dan – O bastante para conhecer alguns dos lugares mais importantes.

Seul-gi fica em silêncio por alguns instantes. E resolve mudar de assunto.

- Meu pai era um oficial do exército do norte – revela.

- Do norte? – Dan arregala os olhos – Coreia do Norte, você diz?

Hong assentiu com a cabeça. E continuou:

- Ele desertou e quase morreu tentando atravessar a fronteira. Minha mãe era enfermeira em uma cidade próxima. Foi ela quem cuidou dos ferimentos dele.

- Eu não consigo entender... – diz Nardelli – Passou a Terceira Guerra, Zefram Cochrane inventou o motor de dobra, a humanidade chegou ao espaço, fizemos contato com raças de outros planetas... e as duas Coreias ainda não chegaram a um consenso?! Como pode isso?

- É complicado até mesmo pra nós. Meu pai quase surtou quando soube que eu tinha me alistado na Frota! – Seul-gi começa a rir – Achava que eu ia ser manipulada ou coisa do tipo...

- A Frota não é assim – afirma Dan – Acho que você já deve ter notado isso.

Os dois ficam em silêncio por alguns segundos.

- Engraçado – reflete Seul-gi, olhando nos olhos de Dan – Você é a primeira pessoa com quem eu falo sobre isso! Nunca havia comentado nada a respeito com ninguém.

- Sinal de que você está fazendo progressos... – responde Dan, sorrindo.

Seul-gi retribui o sorriso. E os dois seguem conversando enquanto fazem sua refeição matinal.

***

Horas mais tarde, Jon, Christine e Sarek esperavam por Dan nos jardins da Academia. Ele estava demorando mais do que o normal, para estranheza do britânico:

- Caramba, o Dan está demorando. Será que aconteceu alguma coisa?

- Ele me disse que ia resolver algo antes de nos encontrar – responde Sarek – Ele já deve estar chegando.

- Olha! Não é ele vindo ali? – diz Christine, apontando o dedo para a frente.

De fato, era Dan quem se aproximava do grupo. Mas ele não estava sozinho: ele trouxe Seul-gi consigo.

- Não brinca... – espanta-se Lester – É aquela garota...

Sarek dispara um olhar frio para o jovem inglês, que sente um frio na espinha. E resolve dar de ombros.

- Desculpem a demora, pessoal – diz Dan, com um sorriso amarelo no rosto – Eu ainda me enrolo com astrofísica...

- Está tudo bem, sr. Nardelli – afirma Sarek – Estou vendo que trouxe uma nova amiga.

Seul-gi acena para o grupo, meio tímida. Dan resolve fazer as honras.

- Sim, claro... – Dan aponta para Jon e Christine – Jonas Lester, Christine McKinnon...

Ele se volta para Seul-gi, apresentando-a para os dois:

- Seul-gi Hong.

- Encantado – diz Lester, com um tom de voz ligeiramente irônico.

- É um prazer conhece-la – responde Christine, com bastante entusiasmo na voz.

- O prazer é meu – diz Hong, inclinando ligeiramente a cabeça com a voz tímida e um sorriso meio desajeitado.

Nisso, Dan se volta para Sarek, e chama a atenção de Seul-gi para ele:

- Creio que já deva conhecer o embaixador Sarek, de Vulcano. Eu tenho aulas de diplomacia com ele.

O olhar de Seul-gi se enche de brilho. Ela faz uma inclinação com a cabeça e demonstra um pouco mais de entusiasmo na voz.

- Já ouvi falar muito do senhor. É uma honra pra mim poder conhece-lo pessoalmente.

- A honra é toda minha, srta. Hong – responde Sarek, de forma impassível.

Seul-gi então se volta para Dan:

- Agora eu sei porque você é tão bom em lidar com as pessoas. Você tem um excelente professor.

- Sarek não costuma pegar leve – afirma Dan – Mas possui um grande conhecimento. E eu procuro aproveitar isso ao máximo.

- O mérito é todo seu, sr. Nardelli – o vulcano entra na conversa – O senhor evoluiu muito desde o início de seu treinamento, e se tornou um de meus melhores alunos até aqui. Certamente será um oficial de grande importância para a Frota Estelar no futuro.

- Ainda tenho muito a aprender, senhor – diz Nardelli – É muito cedo para se fazer especulações.

- Bom, eu não sei vocês, mas eu estou morrendo de fome! – afirma Lester – Embaixador, onde nós vamos almoçar hoje?

- Conheço um restaurante que serve uma excelente sopa plomeek – diz Sarek – Fica a poucas quadras daqui.

- Ora, um dos meus pratos vulcanos prediletos! – responde Dan – Eu tô dentro.

- Eu também! – Christine quase salta de alegria.

- Tá... pode ser... – respondeu Jon, meio relutante.

- O que acha, Seul-gi? – pergunta Dan.

- Eu nunca tomei sopa plomeek – responde Hong – Quero experimentar.

- Então está decidido – Sarek bate o martelo – Me acompanhem por favor, senhores.

***



De volta ao presente, Dan encontra-se em seu gabinete na Frontier, sentado e olhando para uma foto dos tempos da Academia, onde estão ele, Lester e Hong – ele está ao centro, abraçando os dois, um em cada lado; Lester faz um sorriso meio atravessado, enquanto Hong faz pose com os dedos em “V” perto do rosto.
Assim como Hong na enfermaria, ele também estava se lembrando da época em que frequentou a Academia da Frota Estelar.
Mas o momento de nostalgia do capitão é interrompido pelo sinal sonoro da porta.

- Entre! – diz Dan.

Quem está do outro lado da porta é Okonwa, o chefe da engenharia. Ele entra e se coloca diante da mesa do capitão.

- Ah, é você, Oko! – exclama Nardelli – O que deseja?

O africano vai direto ao ponto.

- Capitão, detectei um problema nos motores de dobra. Há uma instabilidade no fluxo de antimatéria que está sobrecarregando-os.

- É algo muito sério? – questiona Dan.

- Em princípio, não. Minha equipe já está trabalhando para solucionar esse problema. Creio que em três ou quatro horas no máximo a situação estará normalizada. Apenas achei que o senhor deveria saber.

- Ótimo. Fez um bom trabalho, Oko – responde o capitão, com a voz meio atravessada.

Oko percebe que Dan está meio cabisbaixo, e suas respostas estão menos firmes do que o normal.
O engenheiro reluta por um instante, mas resolve tomar as rédeas da conversa:

- Permissão para falar livremente, capitão?

Nardelli é pego de surpresa pelo pedido de Oko. Arregala os olhos, mas responde ao pedido com tranquilidade:

- Claro, esteja à vontade – o capitão aponta a palma da mão para uma cadeira à frente de sua mesa – Sente-se.

- Obrigado – Okonwa se senta e cruza as pernas.

Os dois ficam em silêncio por alguns instantes. Até que Oko toma a palavra.

- Eu não pude deixar de perceber isso quando entrei aqui, capitão, mas... eu tenho a sensação de que algo está incomodando o senhor.

Dan escuta atentamente cada palavra de Okonwa. E acaba arrebatado pela pergunta que ele faz a seguir:

- Está preocupado com a comandante Hong, não é? Eu soube que ela não se sentiu bem na ponte e o senhor a mandou para a enfermaria.

- Pois é, Oko – responde Dan, com a voz meio atravessada – Ela ainda insistiu para continuar o estudo do campo de asteroides, mas claramente ela estava sem condições. Não foi fácil, mas foi necessário.

- Vocês são muito próximos, não é? – pergunta o africano, olhando para a foto do trio nas mãos de Dan.

- Sim... eu a conheço desde os tempos da Academia – explica o capitão.

- Ela não é de falar muito. Pelo menos não além do necessário – relata Oko.

- É o jeito dela – diz Dan.

Os dois sorriem por um momento, quase rindo. Okonwa ainda faria mais uma pergunta que surpreenderia o capitão:

- Eu soube que ela se tornou primeira-oficial da Frontier por indicação sua. O senhor me confirma isso?

- Você está afiado hoje, Oko! – diz Dan, rindo – Mas sim, eu fiz questão de traze-la para esta nave. Ela merecia a chance.

Súbito, uma outra lembrança vem à mente de Dan. E ele resolve traze-la para a mesa de conversa com Oko.

- Aliás, Oko... você se lembra do dia em que a almirante Burnham nos apresentou?

- Claro que me lembro, capitão! – exclama o africano, com um largo sorriso no rosto – Esta nave ainda estava na linha de montagem dos hangares da Frota. Me lembro como se fosse ontem!

- Pois bem... – diz Dan – Tudo aconteceu exatamente naquele dia...


Cerca de um ano e meio antes do início da missão da Frontier. São Francisco, Terra.
Quartel-general da Frota Estelar.

Naquela época, Dan Nardelli ainda era comandante, e recentemente havia retornado de uma missão com a USS Berlim, onde havia servido como primeiro-oficial.
Ele estava sentado à mesa de uma cafeteria, sozinho, enquanto tomava uma xícara de café e pensava em seu futuro, agora que a missão para a qual havia sido designado terminou. Em princípio, pensou em tirar uma licença e passar um tempo na casa de seus pais em Nova Jersey ou mesmo em algum canto da Ásia, como a Coreia ou o Japão.
Mas não teve muito tempo para pensar: um rapaz de cabelos pretos curtos e trajado com o uniforme de comando da Frota Estelar se aproximou de sua mesa e o interpelou:

- Com licença, senhor. É o comandante Daniele Nardelli?

- Sim, sou eu mesmo – responde Dan, com surpresa no olhar – E você é?

- Sou o tenente Davis, da Divisão de Comando 1, senhor – respondeu o rapaz – Eu vim lhe trazer um recado do Comando da Frota Estelar.

- Pois bem... Diga, tenente – Dan franze a testa, demonstrando estranhamento.

- A almirante Michael Burnham deseja falar com o senhor – explica Davis – Deve comparecer ao gabinete dela dentro de uma hora.

- Sobre o que se trata? – pergunta Nardelli.

- Ela não me especificou, senhor. Apenas disse que é um assunto do seu interesse.

A curiosidade veio à mente de Dan. Que tipo de assunto um alto oficial do Comando da Frota como a almirante Burnham desejaria tratar com alguém como ele?
Com uma ponta de desconfiança, ele decide aceitar o chamado.

- Está certo. Diga à almirante Burnham que eu irei.

- Sim, senhor. Obrigado pela atenção – responde Davis.

O tenente, então, se retira, e Dan se volta para sua xícara de café, com uma expressão de apreensão no rosto.

***

Pouco menos de uma hora depois, a almirante Michael Burnham está em seu gabinete, analisando alguns dados em seu computador.
Ela ouve o aviso sonoro da porta do escritório.

- Entre! – diz ela.

A porta automática se abre, e Dan entra. Michael faz questão de recebe-lo com cortesia.

- Comandante Nardelli? – pergunta ela, esboçando um sorriso.

- Almirante Burnham, eu suponho – responde Dan, educadamente – Ouvi falar da senhora algumas vezes, mas ainda não a conhecia pessoalmente. É uma honra.

- A honra é minha, comandante – diz ela – Meu pai me falou muito sobre você.

- Seu pai?! – Dan fica surpreso – Quem é ele?

- Na verdade, ele é meu pai adotivo – responde Michael – É o embaixador Sarek, de Vulcano. Você teve aulas de diplomacia com ele na Academia.

- O embaixador Sarek é seu pai adotivo? – diz Dan, com os olhos arregalados – Fascinante! Eu não sabia disso... quer dizer, ele nunca falou muito sobre os familiares dele comigo.

- Típico dos vulcanos... – afirma Burnham, achando graça – Eles não são de demonstrar afeto. É algo que você tem que aprender a lidar ao conviver com eles.

- É verdade... – concordou Nardelli – Eu sei que ele tem um filho que serviu durante muito tempo na Enterprise.

- Spock... – complementa Michael, com um brilho em seu olhar – Um dos melhores oficiais da Frota. Serviu como oficial de ciências do capitão Christopher Pike e depois foi primeiro-oficial de James Kirk. Eu o conheço melhor do que ninguém.

- Deve ter muito orgulho dele, não? – questiona Dan – Aliás, eu soube que a Enterprise interceptou uma sonda alienígena que estava vindo para a Terra há uns três anos atrás, e o almirante Kirk estava à frente da missão. (*) Sabe de algo a respeito?

- Muito pouco – responde Burnham – O Comando da Frota não divulgou muitos detalhes sobre esse caso; apenas relatou que dois oficiais desapareceram e que a tal sonda era algum tipo de inteligência artificial ou algo assim.

- Entendo... – diz Dan.

Um silêncio momentâneo se faz por alguns segundos. Até que Dan resolve ir direto ao ponto.

- Bom, almirante, eu creio que a senhora não me chamou aqui para falar sobre assuntos familiares ou sobre a Enterprise. O que a senhora deseja?

- Você é muito perspicaz, comandante – Burnham sorri – Por favor, sente-se.

 Dan se senta diante da mesa de Burnham, enquanto ela pega uma pasta lacrada e a entrega em suas mãos.

- Pois bem... quero que dê uma olhada nisto.

Dan pega a pasta das mãos de Michael e a olha de alto a baixo. As inscrições no corpo da capa da pasta lhe chamam a atenção, deixando-o intrigado:


“PROJETO DE EXPLORAÇÃO
USS FRONTIER – NCC-1780”


 - “USS Frontier”?! – Dan lê as inscrições da capa da pasta com um tom de interrogação – O que significa isso?

- É uma nova nave estelar de exploração que está sendo construída pela Frota Estelar – explica Burnham – Se tudo correr conforme o planejado, ela deve estar no espaço em cerca de um ano e meio. Dê uma olhada.

Michael entrega a Dan um pequeno dispositivo magnetizado. Ele passa o dispositivo pela aba da pasta e ela se abre, revelando uma tela de cristal líquido onde todas as informações do projeto começam a ser exibidas.

- Incrível... – Nardelli se mostra surpreso com o que vê – Realmente a Frota Estelar não perde tempo...

- Nossa missão é descobrir novos mundos e melhorar as relações com aqueles que já são integrados à Federação – diz Michael – Para isso não devemos medir esforços.

- Compreendo. A propósito, almirante... onde exatamente eu entro neste projeto?

A resposta da almirante Burnham é ainda mais surpreendente para Dan.

- É sobre isso que eu quero lhe falar, Dan. Tanto eu quanto o Comando da Frota Estelar temos observado com atenção cada uma das suas missões. E você tem se saído incrivelmente bem em todas elas.

- Não estou entendendo, senhora – Dan fica com uma pulga atrás da orelha – Onde quer chegar, exatamente?

Michael abre um sorriso. E quebra o mistério de vez.

- Chegou a sua hora, Dan. Sua hora de comandar uma nave estelar da Federação.

"Chegou a sua hora, Dan. Sua hora de comandar uma nave estelar."

Dan quase salta da cadeira. Fica sem reação ao ouvir estas palavras da almirante Burnham.

- Hã?! Como assim?! Eu... comandando uma nave estelar?

- Precisamente – responde Burnham – Eu e o Comando da Frota chegamos a um consenso... e concluímos que você é o oficial mais qualificado para comandar esta missão. Por isso, você receberá o comando da Frontier. E também receberá uma nova patente: será promovido a capitão.

A expressão de Dan ao ouvir estas palavras de Michael é de completo espanto. É claro que ele almejava ser capitão e comandar uma nave estelar algum dia; mas para ele, as coisas estavam acontecendo cedo demais.

- E então? O que você me diz... capitão Nardelli? – pergunta a almirante.

- Eu... estou sem palavras, senhora – gagueja Dan – Tenho viajado pelo espaço desde que me formei na Academia da Frota, há pouco mais de oito anos, e tenho procurado fazer o meu melhor em todas as naves nas quais servi. Mas não sei se estou preparado para tomar as rédeas de uma nave assim tão cedo... é uma responsabilidade muito grande!

- Você nunca saberá se não tentar, Dan – diz Michael – Você tem potencial para isso e é perfeitamente capaz. Tudo o que precisa fazer é acreditar em si mesmo.

- Eu entendo... nesse caso, fico honrado em aceitar essa missão. E prometo fazer o meu melhor, como sempre fiz.

Burnham assentiu com a cabeça.

- Mais uma coisa – diz ela – Uma vez que você será o capitão, tem total liberdade para escolher quem irá compor a sua tripulação. Nós também lhe faremos algumas indicações, mas a palavra final será sua.

- Certo... – assente Dan – Nesse caso, já que eu tenho essa liberdade, então gostaria de fazer minha primeira indicação. Tem uma oficial que eu conheço desde os tempos da Academia da Frota, e ela sempre foi muito boa em ciências e outras coisas. Já faz um bom tempo que eu não a vejo. Seria muito bom se eu pudesse integrá-la à minha equipe.

- Ora, que interessante! – exclamou Michael – Posso providenciar isto pra você. Como é o nome dessa oficial?

- Seul-gi Hong – respondeu Dan, sem pestanejar.

Burnham faz um sinal de afirmação com a cabeça, e rapidamente digita algo em sua mesa. Em seguida, transmite sua ordem para o computador:

- Computador, verificar registro de oficial da Frota Estelar. Nome: Hong, Seul-gi.

- Verificando... – uma voz feminina ecoa ao redor da sala da almirante. É o computador.

Em questão de segundos, a pesquisa é completada. Um holograma surge, exibindo uma foto de Seul-gi e toda a sua ficha e seu histórico como oficial da Frota.
O computador descreve as informações em detalhes:


“Resultado da pesquisa:

Hong, Seul-gi
Idade: 26
Local de Nascimento: Gwangju, Coreia do Sul, Terra
Patente atual: Tenente-Comandante
Designação atual: USS Saratoga
Posto atual: Oficial de Ciências”


Michael se surpreende ao ver a ficha de Seul-gi.

- Oficial de ciências na USS Saratoga. Nada mal – ela volta seu olhar para Dan – Quais planos você tem para ela?

- Como a senhora pôde ver, almirante, ela é uma oficial bastante capacitada. Por isso, quero que ela seja minha primeira-oficial.

- Ora... um pedido muito audacioso da sua parte! – diz Burnham.

Ao mesmo tempo em que se surpreende com o pedido de Dan, a almirante se demonstra ligeiramente incomodada com algum detalhe que viu na ficha de Hong. E reluta por um instante.

- No entanto, parece que existem ressalvas a respeito da senhorita Hong. Computador?

Imediatamente, o computador responde:

- Segundo os relatos de oficiais superiores, a tenente-comandante Hong é uma oficial obstinada, dedicada e com um intelecto acima da média. Todavia, é uma pessoa extremamente reservada e quase não fala além do necessário – por esta razão, ela possui dificuldades de se relacionar com seus colegas.

Dan observa tudo com tranquilidade – afinal, ele conhecia bem o jeito de Seul-gi.
A almirante Burnham, então, resolve questioná-lo:

- E então? Acha que pode contornar esta situação?

- Eu posso lhe garantir, almirante – diz Dan – Eu tenho plena confiança na senhorita Hong.

- Eu entendo – responde Michael – Não vou lhe prometer nada, mas verei o que posso fazer junto ao Comando da Frota.

- Diga a eles que é isso ou nada. Se quiserem que eu seja capitão da Frontier, esta é minha principal condição.

Michael arregalou os olhos. Não esperava esta resposta de Nardelli.

- Quer colocar o Comando da Frota contra a parede?! – diz ela, rindo como quem acabou de ouvir uma piada – Você é bem mais ousado do que pensei!

- O trabalho rende mais se temos pessoas de confiança trabalhando com a gente, não? – Dan sorri – No entanto, peço desculpas se o meu pedido soou ofensivo, senhora.

- Dan, por favor – diz Michael, sorrindo – Meu pai tem uma grande consideração e estima por você, por isso eu o vejo praticamente como um irmão pra mim. Dispense as formalidades por ora. Você pode me chamar de Michael.

- OK – responde Dan – Como quiser, Michael.

- Não se preocupe. O projeto de exploração da Frontier está sob minha responsabilidade, e também tenho alguma influência dentro do Comando. Acho que eu posso fazer com que eles atendam ao seu pedido.

- Eu agradeço muito – Dan sorri para Burnham.

Michael se levanta e pega a pasta com os detalhes do projeto da Frontier. E faz um convite a Nardelli:

- Quer ver a nave? Já que você será o capitão, acredito que esta é uma boa oportunidade para você se familiarizar.

- Hã?! Claro! Isso seria ótimo! – responde Dan, com uma ponta de entusiasmo na voz.

- Pois bem... estou indo para a linha de montagem. Me acompanhe, por favor.

- Sim, almirante... – Dan faz uma pausa, enquanto Burnham olha para ele de forma meio atravessada – Michael! Desculpe, é força do hábito!

Burnham sorri e faz um ligeiro sinal de negação com a cabeça. Os dois, então, saem do gabinete e se dirigem aos hangares da Frota.

***

Em um imenso hangar, a movimentação é intensa: guindastes, andaimes e milhares de homens trabalhando de forma intensa em uma gigantesca nave estelar – perto dela, esses operários mais pareciam formigas minúsculas – soldando, parafusando, encaixando peças... Em suma, era ali que a USS Frontier ia ganhando forma.
Em meio a todo esse ambiente movimentado, Dan e Michael chegam ao galpão.

- Porca miséria... – exclama Dan, boquiaberto e com os olhos quase saltando para fora, ao ver a nave que ele estava prestes a comandar.

- Capitão... eis a sua nave! – diz Burnham, apontando sua mão em direção a ela.

- Ela é magnífica! – diz Nardelli, completamente estupefato.

Os dois começam a andar pela linha de montagem, e a explorar cada canto da nave que ali estava sendo construída. E vão conversando em meio ao trabalho dos operários.

- Eu vi os diagramas da nave por cima... é uma nave de classe Crossfield, certo? – indaga Dan.

- Exatamente – responde Michael – Para ser franca, jamais imaginei que veria uma dessas de novo. Quando o Comando da Frota me passou os detalhes do projeto, fiquei muito surpresa.

- Vou lhe dizer a verdade, Michael... eu nunca vi uma dessas em ação antes. Quer dizer, o máximo que eu vi foi uma réplica da Discovery no museu da Frota Estelar.

Ao ouvir Dan pronunciar o nome da Discovery, uma ponta de angústia tomou o coração de Michael Burnham. Ela se esforçou para conter suas emoções, e se manteve firme ao lado de Nardelli nos corredores lotados de operários da Frontier. No entanto, a tristeza em seu semblante era visível.

- A propósito, Michael – diz Dan – Você serviu na Discovery durante um bom tempo. O que foi que houve com a nave?

Burnham fica cabisbaixa por alguns instantes, demorando um pouco a responder.

- É uma longa e complicada história (**) – diz ela – Lhe explicarei com calma qualquer dia desses.

- Tudo bem – responde Nardelli.

Os dois chegam ao que mais tarde seria a ponte de comando da Frontier. Em todo o canto, se via pessoas trabalhando na montagem das coisas.
Em meio a esta movimentação, um homem negro se voltava para todos os lados e gesticulava incessantemente, orientando o que cada um ali deveria fazer. Era ninguém menos que Eugene Okonwa, à época engenheiro responsável pela construção da Frontier, e que viria a se tornar o chefe da engenharia da nave.

- Isso mesmo, isso deve ser colocado exatamente aí! – dizia ele para um dos operários – Ei, cuidado com esse chapeamento! Ele é delicado e vale uma fortuna! – disse para um outro – Você aí, atenção com esses circuitos! – disse para outro.

Até que, em meio a toda essa correria, ele viu Burnham e Dan. E foi em direção a eles.

- Almirante!? – diz ele, respeitosamente – A senhora deseja alguma coisa?

- Isto é apenas uma inspeção de rotina, sr. Okonwa – diz Michael – Não há nada com que se preocupar.

Burnham se volta para Dan. E apresenta Okonwa a ele.

- Este é Eugene Okonwa. Ele é o engenheiro responsável pela construção da USS Frontier – ela aponta Dan para Oko – Ele é Daniele Nardelli, futuro capitão da Frontier.

- É um prazer conhecê-lo, senhor – Oko aperta a mão de Dan – Me desculpe pela bagunça, não está fácil coordenar esse pessoal!

- Está tudo bem – diz Dan – Eu vim mesmo para conhecer a nave. Pelo visto você deve conhecê-la melhor do que ninguém.

- Acredite, eu estudei os diagramas da nave de cabo a rabo! – diz Okonwa – Eu conheço cada parafuso desta nave, e sei exatamente onde cada peça se encaixa!

- Meticuloso como sempre, não é, tenente? – Michael ri e se volta para Dan – O sr. Okonwa é um dos nossos melhores engenheiros, por isso o designei para supervisionar a montagem da Frontier.

- Puxa! – exclama Nardelli – Você deve ser daqueles que conhece um motor de dobra como ninguém!

- Sim! – Oko se entusiasma – Motores de dobra são a minha especialidade!

- É bom saber disso! – diz Dan – A engenharia é um setor vital para o funcionamento de qualquer nave que se preze. Com certeza absoluta vou precisar de alguém como você na minha engenharia!

- Você está brincando, Dan? – diz Michael, com uma pontinha de ironia na voz – Ele é qualificado o bastante para ser engenheiro-chefe!

- Engenheiro-chefe?! Mas é claro! – exclamou Dan – Ele pode ser meu engenheiro-chefe assim que a nave terminar de ser construída! O que me diz, sr. Okonwa?

- Será uma honra, senhor! – responde Oko.

- Então... temos um acordo! – Nardelli estende a mão para Okonwa.

Com um largo sorriso no rosto, Oko aperta a mão de Dan, que retribui o sorriso. Quem também sorri é a almirante Michael Burnham, que observa toda a cena em meio ao trabalho intenso de montagem da nave.

***

De volta ao gabinete do capitão da Frontier, no presente, Dan e Oko caem no riso ao lembrarem do dia em que se conheceram, com a nave ainda em construção e sob o olhar da almirante Burnham.

- Aquele dia foi uma loucura! – diz Okonwa – A almirante Burnham me pegou de calças curtas! Ela não havia me informado que iria inspecionar a linha de montagem!

- Pois é... – diz Dan – Aquele dia foi cheio de surpresas pra mim também. Mas, se pararmos pra pensar, foi ali que tudo começou.

- Eu não sabia que o senhor tinha indicado a comandante Hong naquele mesmo dia – afirmou Oko – Eu estou surpreso. E o senhor também foi muito corajoso ao confrontar o Comando da Frota Estelar.

- Por um momento achei que eu não ia conseguir – confidencia Dan – Mas a ajuda da almirante Burnham valeu muito no fim das contas, e tudo deu certo. Depois de você e de Seul-gi, consegui trazer todos os outros: o doutor Lester, Andros, Stanic, Cortez...

- O senhor montou uma excelente equipe, capitão – diz o africano – Devia se orgulhar disso.

Oko olha mais uma vez para a foto do capitão com seus dois melhores amigos – Hong e Lester. E resolve dar algumas palavras de apoio a Dan:

- De onde venho, há um ditado que diz... – Oko faz uma pausa – “A luz com a qual vês os outros, é a luz com a qual os outros veem a ti”.

Dan ouve estas palavras de Oko. E fica com o olhar fixo no africano, que complementa:

- Todos nesta nave têm um grande apreço pelo senhor, capitão, e eu me incluo entre eles. Mas vejo uma luz mais intensa nos olhos da comandante Hong quando o senhor está por perto.

Nardelli fica estupefato, ao mesmo tempo em que fica feliz com as palavras de Oko.

- Ela vai ficar bem, capitão. Não se preocupe.

- Obrigado, Oko – diz Dan – E obrigado pelas palavras.

Oko sorri, e faz um sinal de afirmação com a cabeça. E em seguida se levanta.

- Se me der licença, capitão... eu preciso voltar à engenharia. Eu o manterei informado sobre os reparos.

- Esteja à vontade, Oko. E mais uma vez, obrigado.

Oko, então, deixa o gabinete do capitão. E pega o turbo-elevador rumo à engenharia.

***

“Diário do Capitão – Data Estelar: 7507.6

Estamos há pouco mais de uma semana estudando o campo de asteroides recém-formado; o trabalho de nossas equipes científicas segue de forma ininterrupta.
No entanto, estamos desfalcados da minha primeira-oficial, comandante Hong, que segue na enfermaria recuperando-se de uma doença de origem desconhecida.”


A movimentação segue intensa na ponte de comando da Frontier. O capitão Nardelli está sentado em sua cadeira, fazendo questionamentos em meio ao entra e sai de oficiais da divisão de ciências.
O alferes T’alek, que ficou no posto da comandante Hong, faz um relatório sobre o que algo captado pelos sensores sobre os asteroides:

- Capitão, há uma grande concentração de radiação em torno dos fragmentos. Ao que tudo indica, o campo é resultado de uma explosão; pela intensidade da radiação, presumo que havia uma estrela onde agora se encontram os asteroides.

- Muito bem, sr. T’alek – disse Dan – Sabe me dizer há quanto tempo essa explosão ocorreu?

- Difícil especular, senhor – o jovem vulcano responde com um tom de voz firme e frio – Seria necessário recolher uma amostra e analisar mais detalhadamente.

- Entendo – assente o capitão – Vamos ter que isolar uma seção para que a análise seja feita. Os níveis de radiação podem representar um risco para a tripulação da nave.

- Precisamente – diz T’alek.

Até que, em meio às discussões e à movimentação, a porta do turbo-elevador da ponte se abre, e revela alguém que deixa a todos na ponte surpresos: é Seul-gi.
Ela entra e se aproxima da cadeira do capitão.

- Capitão? – ela chama a atenção dele, meio tímida.

- É você, Seul-gi?! – diz Dan, esboçando um sorriso e com um brilho nos olhos.

- Comandante? Está se sentindo melhor? – pergunta T’alek.

- Sim, sr. T’alek – responde Hong – O doutor Lester me deu alta há pouco. Obrigada por perguntar.

Sem dizer uma palavra, o vulcano levanta uma sobrancelha. Seul-gi se volta para Dan:

- Permissão para reassumir meu posto, capitão?

Dan demora um pouco para responder. Olha nos olhos de Seul-gi por alguns segundos, e vê sua determinação, cristalina como água.

- Concedida – o capitão se volta para T’alek – Alferes, coloque a srta. Hong à par do seu relatório.

- Sim, capitão.

Hong se coloca em sua plataforma. T’alek se coloca a seu lado e lhe repassa as informações:

- É provável que estes asteroides sejam resultado da explosão de uma estrela. Há uma grande concentração de radiação nos fragmentos. Para descobrir mais detalhes, teremos que recolher uma amostra.

- Compreendo – responde Hong – Teremos que usar uma nave auxiliar para isto. O uso de trajes EV também é recomendável.

- Há alguma área da nave que possa ser isolada para realizarmos as análises? – pergunta Dan.

- O hangar 3 seria o ideal – responde Seul-gi – Já está disponível há algum tempo.

- Está certo – diz o capitão – Muito bem, recolha as amostras e as leve para o hangar 3. Vou mandar providenciar o isolamento da área imediatamente. Mantenha um canal aberto.

- Sim, capitão – responde Hong – Sr. T’alek, me acompanhe.

- Sim, senhora – diz T’alek.

Antes que Seul-gi chegue à porta do turbo-elevador, Dan lhe chama a atenção:

- Srta. Hong?

A coreana olha para trás, e se volta para o capitão, sentado em sua cadeira.

- É bom ter você de volta! – diz Dan, com um sorriso no rosto e um olhar fraterno.

Seul-gi fica meio sem jeito, mas retribui o sorriso e o olhar.

- Obrigada, Dan – diz ela – Farei o meu melhor!

E então, Dan se volta para a tela logo à frente, enquanto Seul-gi e T’alek entram no turbo-elevador da ponte.

E os trabalhos prosseguem. A Frontier permanece em meio ao campo de asteroides, enquanto a nave auxiliar deixa seu hangar e se afasta da nave principal, para recolher a amostra necessária para concluir o estudo. Tudo na mais perfeita normalidade.



CONTINUA...

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NOTAS DO AUTOR:

(*) Vide Jornada Nas Estrelas - O Filme/Star Trek: The Motion Picture (1979)

(**) Vide Star Trek: Discovery - Temporada 2

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