Capítulo 5 - UM DIA DE PRINCESA



“Diário do Capitão – Data Estelar: 7505.2

A Frontier segue em curso rumo a um planeta de classe M localizado em um setor inexplorado do quadrante.

Infelizmente, por conta de uma indisposição semelhante a uma gripe terrestre, estou temporariamente afastado de minhas funções por recomendação médica.

A comandante Hong, minha primeira-oficial, assumiu interinamente o comando da nave.”






O capitão Nardelli encontra-se em seus aposentos, semideitado em sua cama mexendo em um PADD – uma espécie de tablet.
Ele ouve a campainha de sua porta tocar.

- Entre! – ordena, com a voz um pouco congestionada.

A porta automática se abre, e revela quem está do outro lado. É uma sorridente comandante Hong – algo um pouco incomum em se tratando dela.
Ela entra, carregando em suas mãos uma trouxinha de pano.

- Ué... não deveria estar na ponte, Seul-gi? – questiona Dan, estranhando a atitude e o comportamento de Hong.

- As coisas por enquanto estão mais tranquilas por lá, Dan – responde Seul-gi – Por isso aproveitei e resolvi ver como você estava.

Ela se aproxima da cama do capitão.

- E também... - Hong entrega a trouxinha de pano a Dan – trouxe algo pra você comer!

- Ora, não precisava se preocupar... – diz Dan, enquanto abre a trouxinha. Ela revela, por baixo do pano vermelho, uma colher e uma caixinha feita de madeira, caprichosamente ornada com desenhos pintados à mão. Lembra muito um artefato da Coreia.

Dan retira a colher e abre a tampa da caixinha, e sente um bafo quente vir em seu rosto. Dentro dela, havia uma substância branca pastosa, com pedaços de algo parecido com cogumelos.
Estranhando o conteúdo da caixa, ele pergunta, com um olhar meio atravessado:

- Mas o que é isso?!

- É mingau de cogumelos – responde Seul-gi, com um sorrisinho no rosto – Minha mãe costumava fazer pra mim quando eu ficava doente. Eu mesma que fiz!

- Você mesma fez?! – Dan tosse ligeiramente antes de terminar de falar – Fascinante! Receita de família?

- Isso mesmo! – Seul-gi demonstra uma certa empolgação na voz – Deu um pouco de trabalho, tive que replicar alguns ingredientes... não se compara ao da minha mãe, mas acho que está bom!

- Entendo... – Dan ainda olha o prato com estranheza – Sem querer ofender, mas... essa coisa tem um aspecto esquisito! Mas sei lá... eu posso estar enganado...

Seul-gi solta uma gargalhada gostosa ao ouvir estas palavras do capitão.

- Ah, qual é, Dan... – diz ela, rindo e lançando um olharzinho maroto para o capitão – Não reclama antes de provar!

- Tá bom... eu vou botar fé em você... – Dan esboça um sorriso.

O capitão, então, resolve dar uma colherada na iguaria trazida por Hong. Ele mastiga devagar, procura sentir o gosto... e em seguida levanta a sobrancelha e começa a assentir com a cabeça.

- Nada mal – diz ele – Sabe que isso aqui é até gostoso?

- Viu, não falei? E é pra comer tudinho, viu? Se quiser se recuperar logo, precisa se alimentar bem – responde Seul-gi, com um sorrisinho meigo no rosto.

- Obrigado, Seul-gi – diz o capitão, lançando um olhar carinhoso para sua primeira-oficial – É muito gentil da sua parte.

Dan resolve continuar a comer o mingau, enquanto Seul-gi o observa, pousando o queixo sobre as palmas das mãos e sorrindo.

***

Algumas horas depois, a Frontier continua em curso rumo ao tal planeta mencionado por Dan em seu diário.
A movimentação na ponte de comando segue intensa, sob o comando de Seul-gi.

- Quanto tempo para chegarmos ao planeta, sr. Cortez? – pergunta ela, sentada na cadeira do capitão.

- Aproximadamente uma hora e cinquenta e dois minutos, comandante – responde Cortez, no leme.

- Muito bem. Mantenha o curso.

- Sim, senhora!

Stanic, o oficial de comunicações, se volta para a comandante Hong.

- Comandante... tem notícias sobre o capitão? Estou um pouco preocupado com ele... sabe me dizer se ele está bem?

- Ele está se recuperando bem, sr. Stanic – responde Seul-gi – Foi só uma pequena indisposição. Logo ele estará de volta.

- Entendi, senhora – disse Stanic – Agradeço por me informar.

Hong assente com a cabeça, e se volta para a tela principal da ponte.

A Frontier segue firme em seu curso, e se aproxima cada vez mais do destino.

***

Dan entra de surpresa na ponte, devidamente uniformizado, como se nada o estivesse incomodando – muito pelo contrário: ele demonstrava uma boa disposição, nem parecia que estava de cama há algumas horas antes.
Todos os oficiais se voltam para ele, de olhos arregalados.

- Capitão?! – exclama Stanic – Está se sentindo melhor?

- Eu estou bem, sr. Stanic – responde Dan, sorridente – Nada que uma boa dose de descanso e um bom mingau de cogumelos não resolvam.

- Mingau de cogumelos?! – Stanic estranha essa expressão; nunca tinha a ouvido antes.

- Sim. Receita de família da srta. Hong – explica o capitão, voltando o olhar para sua primeira-oficial, que retribui com um sorriso.

Stanic dá a entender que compreendeu a explicação do capitão. Este, por sua vez, se aproxima de sua cadeira, ocupada momentaneamente por Hong.

- Permissão para reassumir, comandante? – diz Dan, com um sorrisinho.

- Concedida, capitão – Hong também sorri e se levanta da cadeira do capitão, retornando à sua plataforma. Em seguida, Dan se senta e reassume suas funções.

- Quanto tempo até o planeta, sr. Cortez? – pergunta Dan ao alferes.

- Aproximadamente 7 minutos e 20 segundos, capitão – responde o espanhol.

É quando uma outra figura adentra a ponte da Frontier. É o doutor Lester, com um tricorder médico nas mãos e uma expressão nem um pouco amistosa no rosto.
Ele se aproxima do capitão e lhe dá uma bronca.

- Muito bem. Quem foi que o autorizou a retomar as suas funções? Eu não me lembro de ter lhe dado alta, capitão! – diz o médico, com seu sotaque britânico carregado de rispidez.

- Ora, pra quê tanto alarde, Jon? – responde Dan, sorrindo e com a maior tranquilidade do mundo – Eu estou me sentindo bem melhor, novinho em folha!

- Isso é o que você diz... – resmunga Lester, passando o pequeno scanner de seu tricorder em volta do capitão.

De sua plataforma, Hong observa a cena e tenta conter o riso, de forma silenciosa. Mas a sua atitude não passa despercebida aos olhos de Jon.

- Eu estou vendo essa sua risadinha, srta. Hong! – diz o doutor, lançando um olhar afiado na coreana enquanto examina o capitão.

- Eu não sei de nada... – Seul-gi apenas sorri e dá de ombros, levantando as palmas das mãos. E se volta para sua plataforma.

O doutor Lester termina seu exame e olha os resultados em seu tricorder.

- Hum... impressionante. Aparentemente suas funções estão normais. Nenhum sinal de distúrbio ou de presença de agentes patológicos.

- Viu? Não falei? – Dan responde com um sorrisinho – A propósito... já comeu mingau de cogumelos, doutor?

- O quê?! – Lester olhou para o capitão como se ele tivesse falado grego.

Antes que uma pequena discussão se iniciasse, Cortez notifica o capitão de que o planeta está próximo.

- Dois minutos para chegar ao planeta, capitão!

- Preparar para sair de dobra, sr. Cortez. Motores de impulso a postos.

- Sim, senhor.

Dois minutos depois, a Frontier sai de dobra e passa a se mover de forma mais lenta, usando os motores de impulso. O planeta já está bem diante da nave.
Nardelli, então, distribui as ordens na ponte:

- Órbita padrão, sr. Cortez – o capitão faz uma pausa e se volta para Hong – Srta. Hong, faça uma análise completa do planeta e de sua superfície. Procure por leituras de formas de vida.

- Sim, capitão! – responde Seul-gi, de sua plataforma.

Cortez aperta alguns dígitos no display do leme, e reporta ao capitão.

- Estabelecendo órbita padrão, senhor.

- As análises indicam que a composição da atmosfera é de 60 por cento de nitrogênio e 40 de oxigênio – informa Hong – Também há água e vegetação abundantes na superfície. E indícios de uma civilização humanoide.

A coreana faz uma pausa. A expressão em seu rosto muda de forma repentina.

- Espere um pouco... mas o que...?!

Algo no display aparece durante a análise e chama a atenção de Seul-gi, de modo a deixa-la ressabiada.
O capitão e todos os outros na ponte percebem sua atitude, e voltam seus olhares para ela.

- Alguma coisa errada, Seul-gi? – pergunta Dan.

Hong observa o display um pouco atônita, e hesita um pouco em responder. Mas resolve voltar sua atenção para o capitão.

- Acho melhor ver por si mesmo, capitão. Você não vai acreditar.

Dan levanta a sobrancelha, com um olhar desconfiado. Mas resolve se aproximar do painel de Seul-gi e ver o que lhe chamou a atenção a ponto de deixa-la tão paralisada.
A imagem também surpreende ao capitão da Frontier: algumas vilas simples, em torno de um palácio suntuoso e, de certa forma, opulente. E uma coisa comum a todos os habitantes do lugar: eles usam roupas e instrumentos tradicionais de uma época ancestral da história de um determinado canto da Terra – mais precisamente, a Coreia do período Joseon. (*)

Os olhos de Dan ficam arregalados diante das imagens do painel.

- Caramba, que interessante! – Dan se volta para Seul-gi – Isto lhe soa familiar, srta. Hong?

- Precisamente, capitão – responde a asiática, com mais firmeza na voz – Aparentemente, os hábitos, a cultura e o modo de vida dos habitantes deste planeta assemelham-se à Coreia da era Joseon.

Após ouvir estas palavras, Dan olha para as imagens do display de Hong mais uma vez. Um brilho entusiasmado fica evidente em seu olhar.

- Fascinante! – exclama o capitão, com um tom de voz bem alegre – Este planeta mexeu com a minha curiosidade!

- Mas isso é um absurdo! – manifesta-se Lester – Não sei muito sobre a dinastia Joseon, mas pelo que sei, ela deixou de existir há séculos! Como algo parecido com isso pode existir em outro planeta? Será que algum outro observador cultural maluco resolveu interferir, como John Gill fez em Ekos? (**)

- Isso é absolutamente improvável, doutor – afirma Hong, de forma categórica – Segundo os resultados das análises, não há qualquer vestígio de tecnologia avançada ou indícios da presença de seres de outros planetas.

- Ou seja... lá vamos nós aplicar a Primeira Diretriz de novo... – diz Dan.

A empolgação do capitão era visível. Estava diante da oportunidade de realizar um primeiro contato com uma civilização não descoberta – ao contrário da visita ao evoluído planeta Visir, o cenário agora é outro: neste planeta, é provável que a tecnologia como se conhece no século XXIII nem sequer seja um sonho para seus habitantes. Uma vez ali, a Primeira Diretriz deveria ser aplicada totalmente à risca, pois a menor interferência teria consequências fatais para aquela civilização.
Determinado, e ao mesmo tempo ciente dos riscos, Dan resolve distribuir ordens aos seus oficiais:

- Muito bem... hora de preparar um grupo avançado. Srta. Hong, providencie roupas do período Joseon. Use os sintetizadores do laboratório de ciências.

- Sim, capitão – responde Hong.

Dan, em seguida, se volta para o doutor Lester e para o tenente Andros.

- Doutor, tenente, me encontrem na sala de transporte em meia hora. Levem phasers do tipo 1, são mais discretos e podem passar despercebidos.

Todos se dirigem à porta do turbo-elevador. Antes de chegarem, Lester resolve questionar o capitão.

- Dan... nós vamos MESMO para a superfície daquele planeta?!

- E perder a oportunidade de aprender mais sobre uma civilização nova? – Dan responde quase rindo – Onde está seu espírito de aventura, Jon?

Lester balança a cabeça em um sinal de reprovação.

- Ora, o explorador aqui é você! Eu sou apenas um médico...

Dan chega à porta do turbo-elevador rindo, acompanhado do doutor, de Hong e de Andros.

***

Minutos depois, o capitão está em seus aposentos, terminando de vestir seu hanbok – as roupas tradicionais da Coreia, usadas com frequência durante o período Joseon – com uma pequena ajuda da comandante Hong, já devidamente trajada: sua indumentária toda feita em seda era branca, com uma saia em um tom vibrante de rosa; ela também estava com um enfeite floral no topo da cabeça e um coque na parte de trás do cabelo, sustentado por uma longa presilha.

- E isto aqui se coloca... assim... – diz ela, enquanto termina de ajustar uma faixa na cintura do capitão – Prontinho!

Dan se dirige a um espelho, logo à sua frente, e se surpreende ao se ver com as roupas. Seus trajes também eram bastante vistosos: uma espécie de túnica que ia mais ou menos até a metade das canelas, uma camisa por baixo, calça e um calçado simples semelhante a uma bota, que se estendia um pouco acima dos tornozelos – tudo misturando tons de preto e azul. O capitão ainda estava com uma espécie de faixa na cabeça, sobreposta por um tipo de chapéu preto transparente.

- Nada mal – diz Dan, após alguns segundos olhando-se no espelho – Tomara que seja o bastante para passarmos despercebidos.

Dan volta seu olhar para Seul-gi, e vê sua primeira-oficial olhando para si mesma e suas roupas com um olhar diferente, carregado de nostalgia.

- Que engraçado... – diz ela, em um tom de voz quase baixo – Fazia muito tempo que eu não usava um desses. A última vez foi há quase onze anos... no último chuseok (***) que passei com a minha família antes de entrar para a Frota.

- Interessante... – responde Dan – Dizem que nas celebrações do chuseok tem muita comida. Isso é verdade?

- Sim, é verdade... – Hong sorri e ameaça uma risada – Acho que naquela semana, devo ter comido o suficiente para um mês inteiro! Tive que me exercitar muito depois...

Os dois riram por alguns instantes. Até que um silêncio momentâneo se formou. Dan olhou Hong de alto a baixo, com um olhar maravilhado – também era a primeira vez que ele via sua amiga de longa data com trajes tradicionais de seu país – e em seguida, tratou de quebrar o silêncio com palavras pronunciadas em um tom de voz baixo e aveludado, acompanhadas de um olhar carinhoso:

- Você está linda, Seul-gi.

As palavras e a atitude do capitão parecem pegar Hong de surpresa. Ela começa a rir e a ficar com o rosto ligeiramente corado. Mas consegue se recompor de maneira rápida.

- Obrigada! – diz ela, com a voz risonha e quase atravessada – O hanbok caiu muito bem em você, Dan. Você também está ótimo!

- Ora, obrigado! – Dan sorri para sua primeira-oficial – É a primeira vez que uso um hanbok na minha vida... vindo de você, é um elogio e tanto!

Os dois olham um para o outro, com largos sorrisos nos rostos.


Na sala de transporte, Lester e Andros já estão prontos, e aguardam pelo capitão e pela comandante Hong.
O médico inglês se demonstra inconformado – não se sente nem um pouco confortável com as roupas que está usando – uma indumentária hanbok predominantemente branca, e uma faixa na cabeça semelhante à do capitão, mas sem o chapéu.

- Tá brincando que eu vou ter que usar estas roupas, né? – resmunga o doutor, com seu sotaque britânico carregado de ironia – Fala sério... estou me sentindo um bobo da corte do palácio de Buckingham!

- Pois eu até que estou gostando delas, doutor – responde Andros, que usa uma roupa grená com alguns detalhes em preto, e a faixa da cabeça posicionada de modo a esconder as pontas de suas orelhas – Elas são bem... diferentes...

- Hunf... pelo jeito, vocês, romulanos, devem ter um péssimo gosto... – retruca Lester, visivelmente mal-humorado.

Eis que Nardelli e Hong adentram a sala de transporte. Lester arregala os olhos ao se deparar com os dois, e aparentemente, os trajes do capitão parecem lhe chamar mais a atenção.

- Ora, está muito elegante, capitão! – exclama o doutor.

- Obrigado, Jon – responde Dan – Você também está ótimo!

Jon fica meio sem graça ao ouvir estas palavras do capitão. Este, por sua vez, resolve chamar a atenção dos seus tripulantes para alguns detalhes cruciais, antes da descida ao planeta:

- Bom, acredito que devo repassar algumas coisas a vocês: uma vez na superfície do planeta, devemos usar nossos aparelhos com extrema cautela; devo ressaltar que é uma civilização que sequer descobriu a dobra espacial. Então, cada passo que dermos ali deve ser dado com cuidado, para que não violemos a Primeira Diretriz.

Todos do grupo de descida – Hong, Andros e Lester – assentem com a cabeça. Dan ainda faz mais uma observação:

- Os phasers devem estar ajustados para tonteio e somente devem ser usados em caso de extrema necessidade. Fui claro?

Mais uma vez, todos fazem um sinal de positivo com a cabeça. Um jovem e louro alferes da engenharia, posicionado no dispositivo de acionamento do transporte, reporta ao capitão:

- Capitão, estou travando os sensores nas coordenadas indicadas pelo senhor. Pronto para transportar ao seu comando.

- Muito bem, alferes – o capitão se volta para seu grupo – Todos prontos?

Hong, Lester e Andros fazem um sinal de afirmativo com a cabeça. Por conseguinte, o capitão volta seu olhar para o alferes e lhe transmite a ordem:

- Acionar!

O alferes ativa o dispositivo de transporte, e Dan e os outros são irradiados com raios de luz azuis, desaparecendo da sala de transporte da Frontier.

***

Hong, Nardelli, Lester e Andros em trajes tradicionais hanbok

O capitão e os outros são materializados em uma estrada de terra localizada em uma região montanhosa do planeta, com árvores e vegetação abundante em ambos os lados.
Ao se verem na superfície, todos olham ao redor e ficam fascinados com o que vêem.

- Bom... pelo menos o lugar parece agradável – diz o doutor Lester, visivelmente desconfortável com seus trajes.

Hong saca seu tricorder de dentro de uma bolsa que trouxe consigo – nela, estão outras de suas ferramentas de trabalho, como phasers e outros aparelhos. E começa a sondar o ambiente.

- Aparentemente esta é uma região de montanha, capitão – relata a coreana – Há vegetação densa e um rio logo mais abaixo. E de acordo com as leituras, estamos em uma estrada que nos leva a uma cidade a cerca de 200 quilômetros a oeste de nossa posição atual.

- Pois bem... se esse é o caso, é melhor irmos andando – responde o capitão.

O grupo vai andando pela estrada de terra, por cerca de 30 metros – até que Hong repara em algo estranho nas leituras do tricorder.

- Esperem um pouco! – Seul-gi levanta o braço indicando para que todos parem – Estou captando algumas leituras de vida se aproximando de nossa direção.

- Guarde o tricorder, srta. Hong – ordena o capitão – Não podemos nos esquecer da Primeira Diretriz.

- Sim, capitão – responde Hong.

Andros olha para cima, e percebe que há algo errado. Enxerga um brilho a uma determinada distância, longe do grupo, e reage de imediato: parte para cima do capitão Nardelli, como medida para protege-lo de algo.

- Capitão, cuidado! – grita o romulano, agarrando o capitão e se jogando para o chão junto com ele.

Quase ao mesmo tempo que Andros e Dan se atiram no chão, algo passa voando rapidamente pelo grupo e para cravado no tronco de uma árvore próxima. É uma flecha, atirada de alguém escondido metros acima do grupo da Frontier.
Todos olham paralisados para ela – no entanto, não há tempo para raciocinar. Dan escuta o som de outras flechas rasgando o ar, e rapidamente dá a ordem a seus companheiros:

- Corram!

No ato, todos saem correndo em disparada. As flechas voam por todo canto: pela direita, pela esquerda, por cima...
Por sorte, nenhuma delas atinge o capitão ou os outros oficiais – o grupo consegue correr por alguns metros, mas acaba sendo surpreendido por uma trupe estranha: como que do nada, várias belas e esbeltas moças vestidas com trajes grenás, com longos cabelos negros presos em rabo de cavalo quase no topo da cabeça, parte dos rostos cobertos por um véu também grená e armadas com arcos e espadas, surgem de diversos cantos e cercam Dan e os outros.
Todas elas apontam suas espadas para o grupo.

- Parados! – brada uma delas, que aponta sua espada para a altura do pescoço de Dan.

Todas vão se aproximando com as espadas em riste. O capitão, por sua vez, tenta apaziguar os ânimos e dialogar.

- Não se aflijam – diz Dan, com as mãos levantadas e um tom de voz firme e sereno – Não estamos aqui para machucar ninguém. Pelo contrário, nós viemos em paz.

- Silêncio! – a mesma garota que aponta a espada para Dan aumenta o tom de voz, encarando-o com raiva e pressionando com força o cabo da espada – Suas motivações não me interessam! Se não quiser morrer, entregue-nos a princesa!

- Princesa?! – o capitão recebe as palavras da moça com estranheza – Do que você está falando?

Nem Dan nem os outros membros do grupo avançado entendem o que a garota está dizendo. Ao mesmo tempo em que se veem intimidados pelas espadas apontadas a eles, todos se perguntam: quem será essa tal “princesa” à qual a garota se referia? De imediato, uma ideia veio à cabeça de Dan: alguma coisa estava acontecendo ali, e ele e os outros teriam que descobrir do que se tratava.

As garotas cercam o grupo avançado da Frontier com as espadas em riste, dando a entender que atacariam a qualquer momento. Mas, antes que algo acontecesse, uma delas é atingida nas costas por uma flecha e tomba desacordada.
Súbito, todas as outras garotas do bando olham para trás, enquanto os oficiais da Frontier ficam cada vez mais confusos. Ouve-se o som do galopar de cavalos. Todo o bando de moças de uniforme avermelhado, então, coloca-se à frente do grupo de Dan, com arcos armados para disparar e espadas em punho.
Eis que, logo adiante, um grupo de homens montados, trajando chapéus e roupas pomposas e também armados com arcos e espadas – certamente deviam ser soldados de algum exército local – se aproxima em disparada. Um deles atira uma flecha, e acerta outra integrante do bando.

- Maldição! – exclama a moça que antes estava apontando a espada para Dan; em tese, ela é a líder do bando.

O grupo montado chega, e uma batalha feroz se inicia. Um dos soldados salta do cavalo, e começa a trocar chutes e golpes de espada com as integrantes do bando. Outros soldados descem dos cavalos, e também entram na luta. Algumas das moças do bando tombam desacordadas, e alguns dos soldados também se ferem.
Sem entender absolutamente nada, Dan e os outros apenas observam, com os olhos arregalados e incrédulos.

- Mas o que...? – exclama o capitão.

- Alguém pode me explicar o que diabos está havendo aqui?! – diz Lester, ao mesmo tempo assustado e surpreso.

As moças claramente levam desvantagem na batalha contra os tais soldados. Quase todas se ferem, e algumas até morrem.
A líder reúne as que sobraram e dá sua ordem:

- Recuem!

Todas batem em retirada, e correm para o meio da floresta. Ao perceberem que o bando já está a uma distância considerada segura, os soldados cercam o grupo do capitão Nardelli.
O primeiro que entrou em batalha com o bando se aproxima de Seul-gi Hong, e age de forma surpreendente:

- Sua Alteza! – diz ele, ajoelhando-se e curvando-se diante de Seul-gi – Estávamos há dias desesperados à sua procura. Está tudo bem? Não está ferida?

A confusão só aumentava. Seul-gi fica paralisada, sem acreditar na atitude do soldado, enquanto Dan e os outros se demonstram cada vez mais desconcertados – se já não estavam entendendo o ataque das moças e o embate dela com os soldados misteriosos, agora estão entendendo menos ainda a razão daquela situação com a comandante Hong.

- “Alteza”? – questiona Lester – Mas, como assim?

- Deixe que eu cuido disso, Jon – diz Dan, estendendo seu braço à frente do doutor.

Dan se aproxima do soldado ajoelhado e se põe a conversar. Tenta usar a diplomacia para resolver a situação.

- Com licença! – diz o capitão ao soldado, que volta seu olhar para ele – Não quero soar inconveniente, mas creio que temos um mal-entendido aqui.

O soldado se levanta, e passa a encarar Dan com um olhar incisivo e a expressão fechada.

- Explique-se! – diz o soldado, com um tom de voz extremamente seco.

- Nós estávamos seguindo rumo à cidade quando fomos atacados por esse... bando... – diz Dan, com a voz um pouco hesitante – A senhorita... digo, a donzela com quem o senhor conversou há pouco, ela está conosco. Ela é nossa amiga.

- Sim, ele está dizendo a verdade! – Lester resolve entrar de gaiato na conversa, apontando o dedo para Hong com um sorriso amarelo – Ela está com a gente, ela é nossa amiga... não é, srta. Hong?!

Do nada, um outro soldado saca a espada e aponta sua lâmina para o pescoço do médico britânico, que arregala os olhos e sente um frio na espinha.
O soldado com quem Dan estava tentando conversar se enfurece com a atitude de Jon, e lhe levanta a voz – as palavras que ele diz a seguir botam ainda mais lenha na fogueira da situação:

- Meça suas palavras, idiota! – ele aponta o dedo para Hong - Está diante de Sua Alteza Real, a princesa Yoon!

Pronto. O imbróglio estava armado de vez. Mal chegaram à superfície do planeta, e os oficiais da Frontier têm que lidar com situações completamente inusitadas: primeiro, o ataque repentino do bando das moças; depois, testemunham a luta delas contra os tais soldados; e agora, os mesmos soldados confundem a comandante Hong com uma princesa! “Mas o que está acontecendo?”, pensam os quatro, completamente confusos.
Evidentemente, a mais confusa com toda a situação é Seul-gi, vendo que ela é possivelmente o foco de toda a situação – em toda a sua carreira na Frota Estelar, a coreana jamais havia passado por algo assim. E ela está tão sem graça que mal consegue dizer uma palavra.

- Cavalheiros, por favor... – Dan ainda tenta contornar a situação – Não há necessidade de apontarem suas armas para nós, somos cidadãos comuns! E a moça também não é quem vocês acreditam ser, por favor, acreditem em mim!

- Por favor, senhores – mesmo confusa, Hong resolve intervir, com um tom de voz tímido – eles estão dizendo a verdade, não os machuquem, por favor!

- Alteza?! – o soldado que comanda a tropa reage com espanto às palavras de Hong, e se volta enfurecido para Nardelli – O que foi que vocês fizeram com ela?

- Nós não fizemos nada, senhor – diz o capitão, ligeiramente assustado – Eu já lhe expliquei, estávamos seguindo pra cidade e fomos pegos de surpresa por aquelas... ladras ou seja lá o que forem! Por favor, acreditem em mim!

- Basta! – grita o soldado, enquanto saca a espada e aponta sua lâmina para o pescoço de Dan – Você já esgotou minha paciência! Sua atitude para com Sua Alteza é suspeita. Em nome do reino de Hanchon, estão todos presos!

- Presos?! – exclama Lester, extremamente assustado – Oh, céus... era só o que faltava...

- Amarrem-nos! – ordena o soldado aos outros.

- Sim, general! – responde um deles.

O general, então, se aproxima de Hong, enquanto Dan, Lester e Andros têm seus punhos amarrados pelos outros soldados.

- Perdoe-me por toda esta situação, Alteza – diz ele, se ajoelhando e se curvando diante de Seul-gi.

A comandante, por sua vez, olha para ele e para os outros, completamente confusa e embaraçada com a situação.

***

Algumas horas depois, todos chegam à cidade central do reino de Hanchon – é a mesma cidade que Hong havia visto em seu tricorder e mencionado ao capitão Nardelli, assim que o grupo avançado desceu à superfície do planeta.
Não é uma cidade muito grande – as ruas são compostas em sua maioria por casas simples, que rodeiam um enorme e opulento palácio, cheio de adornos e elementos bem trabalhados, muito semelhante a alguns palácios históricos da Coreia.
O general, montado em um cavalo, está à frente de um grupo composto por outros seis ou sete soldados montados, que rodeiam e escoltam a “princesa” Hong, também montada em um cavalo; logo atrás, Nardelli, Lester e Andros, amarrados e a pé, são escoltados por dois soldados montados e com espadas em punho, que seguem logo atrás deles. O grupo segue por algumas ruas da cidade, sob olhares curiosos de alguns populares, até chegarem ao palácio.

Dentro do Palácio Real, os três oficiais da Frontier são jogados em uma cela – um cubículo com pouco menos de 10 metros quadrados, com paredes de concreto e uma grade grossa na porta, feita de madeira maciça.
Eles são trancafiados e passam a ser vigiados por dois guardas, que se colocam nos lados da porta da cela.

- Belo início de primeiro contato, Dan! – ironiza o doutor Lester, visivelmente mal-humorado – O que será que vem depois disso, uma guilhotina?! Nossas cabeças vão rolar por este planeta?

- Eu não faço ideia do que pode vir depois, Jon – responde o capitão – Ainda estou tentando entender o que se passa por aqui, eu estou tão confuso quanto você.

- Pois é bom você ter uma ideia brilhante, e rápido! – esbraveja o doutor – Eu não vim pra este planeta pra passar o resto da minha vida num xadrez!

- Infelizmente as circunstâncias nos colocam em uma situação nada favorável – diz Andros – Até o momento, não vejo nada que nos permita bolar uma estratégia.

- Ora, e você constatou isso só agora, senhor romulano? – Lester continua a resmungar – Que belo chefe de segurança você é, mas É LÓGICO que estamos encrencados!

- Pelo amor de Deus, Jon, tente se acalmar! – pede Dan, olhando firme para o doutor – Se desesperar não vai adiantar nada, pelo contrário, só vai piorar as coisas!

Lester engole a seco as palavras de Dan. E resolve ficar em seu canto, de cara fechada.

- O mais estranho de tudo é o fato dos nativos daqui confundirem a comandante Hong com uma princesa deles – diz Andros ao capitão – Creio que aquele bando de mulheres que nos atacou também estava se referindo a ela quando nos disse para “entregarmos a princesa”.

- Tem razão, sr. Andros... – responde Dan – agora que você mencionou, as coisas se encaixam de uma certa maneira. Mas o que será que isso tudo quer dizer?

O capitão faz uma pausa. E começa a pensar em sua primeira-oficial e melhor amiga, que agora se encontra em algum canto do palácio, separada dele e dos outros colegas de nave.

- Aliás... eu estou preocupado com Seul-gi – diz ele ao tenente Andros – Como será que ela deve estar agora?

***

O general que comandou a ação que prendeu Nardelli e os demais – e confundiu Hong com a princesa local – adentra a sala do trono.
Trata-se de um salão luxuoso, todo ornado em madeira e um papel bege claro fino, com algumas colunas em ambos os lados. Ao fundo do trono do rei, há um biombo colorido com uma paisagem, toda desenhada à mão.
O general trata de informar suas ações ao seu supremo comandante:

- Majestade – diz ele, ajoelhando-se e curvando-se a poucos metros do trono – Enfim consegui trazer a princesa Yoon de volta ao palácio. Eu e meus homens a encontramos com um bando de forasteiros. As guerreiras xamãs do Salão dos Espíritos também estavam com eles.

O rei se levanta ao ouvir as palavras de seu subordinado, demonstrando surpresa. Trata-se de um homem de meia-idade que faz jus a seu posto: possui um cavanhaque no rosto, suas vestes são finas e bem trabalhadas, em um vermelho profundo com alguns detalhes – círculos formados por dragões – em dourado, e um tipo de chapéu arredondado na cabeça com uma extensão alongada atrás, também arredondada. Em suma, uma figura bastante imponente.

- O que disse? – diz ele, questionando seu general com sua voz grave e penetrante – Quem são esses forasteiros, afinal?

- Eu não tenho ideia, meu senhor – responde o general – Minha suspeita é de que eles trabalham para o Salão dos Espíritos. Arrancarei mais informações deles depois.

- Entendo – responde o rei – E como minha filha está?

- Fisicamente ela aparenta estar bem, sem ferimentos nem nada. No entanto, ela deve ter passado por algo que lhe fez perder a memória. Ela não me reconheceu.

- Que estranho... – o rei franze a testa, como quem não compreende a situação – Por que ela não o reconheceria, general Choi? Ela sempre teve uma grande estima pelo senhor.

- Eu também não compreendo, Majestade... – responde Choi, com uma certa desolação no olhar.

Enquanto a conversa entre o rei e o general se desenrola, uma jovem de trajes brancos e saia azul-clara – uma das criadas do palácio – observa e escuta discretamente a conversa. E sai andando discretamente pelos corredores do palácio, com uma expressão apreensiva no rosto.

***

Em um outro canto do palácio, está Seul-gi, em uma situação, em princípio, nada confortável para ela.
Sem roupas, imersa em uma grande banheira de madeira (algo semelhante a um ofuro) com água quente, pétalas de flores e essências, ela se via cercada por três criadas do palácio – possivelmente, elas deviam ser encarregadas de cuidar do banho da princesa. Uma delas lhe lavava o cabelo e o penteava cuidadosamente; enquanto as outras duas lhe seguravam pelos ombros com uma das mãos e esfregavam seu corpo com a outra, também com muito cuidado, usando uma esponja macia.
Apesar de todo esse tratamento VIP, Hong estava envergonhada e bastante agitada.

- Não, tudo bem, pode deixar – dizia ela, com a voz meio assustada, tentando afastar a mão de uma das criadas que lhe esfregava.

- Precisa estar limpa e bem apresentável, Alteza – diz a criada que lhe penteava os cabelos.

- Tá, tá bom... – responde Seul-gi, com o rosto corado e quase rindo de nervoso, enquanto se volta para outra das criadas que tenta lhe esfregar – Pode deixar, eu faço essa parte!

Minutos depois desse banho quase tragicômico, Seul-gi se enxuga com uma toalha branca, enquanto outra criada lhe traz roupas novas:

- Aqui estão suas roupas, Alteza – diz ela – Deixe-me ajudar a vesti-las.

A comandante da Frontier começa a se vestir, com a ajuda da criada. Enquanto isso, ela pensa em seus colegas – especialmente em Dan – com preocupação.

- Que confusão danada – pensa ela – O que será que houve com a princesa verdadeira? E onde será que os outros podem estar? Dan... espero que você esteja bem...

***

Anoitece. Sem ninguém perceber, a criada que estava ouvindo a conversa entre o rei e o general Choi deixa o palácio e corre para fora da cidade. Ela segue correndo por uns poucos quilômetros até uma cabana ao pé da montanha.
Dentro dela, uma figura significativa percebe a movimentação: trata-se de uma moça de uns vinte e poucos anos, longos cabelos castanhos soltos e traços orientais – mais especificamente, suas feições são idênticas às de Seul-gi. É ninguém menos que a verdadeira princesa Yoon, filha do rei do planeta.
Ao contrário do que de costume, ela está usando um hanbok bem mais simples, com a parte de cima branca e uma saia amarelo-mostarda.

Ela olha para a porta e vê a criada entrar, quase ofegando. A princesa se surpreende ao vê-la: aparentemente, não era para a criada estar ali:

- Nam-joo? O que está fazendo aqui a essa hora? É arriscado você vir aqui assim!

- Sinto muito, Alteza... mas aconteceu uma coisa muito séria... – responde a criada, visivelmente assustada.

- Acalme-se... – diz a princesa, enquanto oferece um copo d’água a Nam-joo – Pra você estar desse jeito, realmente não deve ser nada bom. Me explique.

- O general Choi e os homens da Guarda Real capturaram alguns forasteiros na estrada – explica a criada – O general disse à Sua Majestade que Vossa Alteza estava junto com essas pessoas!

- Como é que é?! – exclamou Yoon, com os olhos quase saltando das órbitas – Mas que absurdo é esse?

- O general também disse que Vossa Alteza tinha perdido a memória – continuou Nam-joo – Tá na cara que ele e a Guarda Real se enganaram! Eles levaram para o palácio alguém muito parecido com Vossa Alteza... ou pior, pode ter alguém fazendo se passar por Vossa Alteza!

- Mas isso é muito grave, Nam-joo! – a princesa faz uma pausa – Eu já me ausentei demais, preciso voltar para o palácio agora!

- Com todo o respeito, Alteza, mas isso é loucura, não posso permitir! – Nam-joo segura a princesa Yoon pelos braços – E se Hon-byung ou alguém do Salão dos Espíritos te pegar? Sabe muito bem que eles estão atrás de Vossa Alteza!

A princesa olha firme para os olhos de Nam-joo. A criada continua:

- Vossa Alteza é a herdeira legítima do trono real. Se algo de ruim acontecer a Vossa Alteza, não só a Família Real como também o reino de Hanchon estará ameaçado! É perigoso demais!

- Sei disso, Nam-joo – responde a princesa Yoon – Por outro lado, não posso permitir que meu pai, minha mãe e até mesmo o reino sejam enganados! Não sei direito quem é essa mulher ou o que está acontecendo no palácio, mas preciso desmontar essa farsa o quanto antes possível! Sei que estou correndo riscos, mas esse é meu dever como princesa de Hanchon!

Nam-joo fica paralisada com as palavras da princesa. Ao mesmo tempo que sente medo, fica admirada com a devoção de Yoon para com seu dever com a Família Real.

- Não posso simplesmente continuar me escondendo e fingir que não está acontecendo nada – continuou Yoon – Eu não ligo se Hon-byung aparecer... se isso acontecer, o enfrentarei com todas as minhas forças! Eu não tenho medo dele...

A princesa se aproxima da porta da cabana.

- Agora vamos, Nam-joo. Temos que retornar ao palácio o quanto antes.

***

Em um dos anexos do Palácio Real, fica um lugar que é uma espécie de templo espiritual, chamado pelos palacianos de Salão dos Espíritos. Não é grande como o palácio em si, mas sua construção e sua arquitetura são igualmente belos e caprichados.
Um lugar para se cultivar a paz de espírito – isso em tese. Repentinamente, a tranquilidade do local é rompida por um grito estridente e histérico, soltado por alguém de lá de dentro.

O autor desse grito é uma pessoa que ocupa posição de destaque dentro da corte de Hanchon. Mas que, pelo visto, não está lá muito contente com sua condição, tendo outras ambições para si.
Este é o líder espiritual de Hanchon: o mestre-xamã do Salão dos Espíritos, que atende pelo nome de Hon-byung – um homem de quase cinquenta anos, trajando um hanbok masculino misturando tons de preto e grená, mas com trejeitos completamente afeminados: anda, fala e gesticula como se fosse uma donzela.
As mulheres de trajes grená que atacaram Nardelli e os outros em sua chegada ao planeta são subordinadas dele – e ele, evidentemente, não estava nada satisfeito com o fato de elas terem voltado de mãos vazias.
Sem saber que a pessoa que ele tentou sequestrar não era a verdadeira princesa, ele repreende a líder do bando:

- Sua mocreia incompetente!!! – grita escandalosamente, enquanto acerta uma bofetada no rosto da líder – Como é que você me deixa a princesa escapar?!

- Eu sinto muito, senhor – responde a garota, curvando-se e ajoelhando-se diante dele – Fomos surpreendidas pelo general Choi e pelos soldados da Guarda Real quando estávamos prestes a cumprir a missão.
Hon-byung e Moon-hee

- Hunf... o general Choi... – diz Hon-byung, empinando o queixo com um certo desdém – Eu já devia saber. Ele sempre mete aquele narizinho lindo dele onde ele não deve... Ai, Moon-hee, porque é que todo bonitão tem que ser chato, hein? Me diz...

- Eu... não posso opinar a respeito, senhor – responde Moon-hee, ligeiramente sem graça.

- Ah, mas é claro que você não pode opinar a respeito! – retruca Hon-byung, com a língua afiada e desmunhecando – Você sempre teve um PÉSSIMO gosto pra homens, queridinha. Hunf! Francamente...

Hon-byung se volta para um altar montado em uma parede ao fundo. E começa a revelar seus planos.

- Eu já tenho praticamente tudo que preciso para fazer o ritual... A única coisinha que falta, claro... é a princesa!

Moon-hee observa seu mestre. Ele continua:

- Assim que eu colocar a minha alma naquele corpinho real... eu vou tomar o lugar daquela lambisgoia como herdeira do trono. Depois disso, só preciso dar um jeitinho naqueles modorrentos dos pais dela. E então... – os olhos do xamã começam a ficar radiantes de alegria - ...todo o reino de Hanchon será meu. SÓ meu!!!

Hon-byung solta uma risadinha maliciosa, sob o olhar de Moon-hee. Ele volta seus olhos para a serva e começa a lhe dar ordens.

- Tá esperando o quê? Vai logo procurar a princesa! Vai, vai, VAI!!! – diz ele, aos gritinhos.

Moon-hee assente com a cabeça e se retira do salão. Assim que ela sai, Hon-byung dá uma tragada em um cigarro disposto em um porta-cigarros telescópico, empinando o queixo e resmungando enquanto sopra a fumaça:

- Hunf... francamente...

***

Na cela, Nardelli, Lester e Andros encontram-se sentados no chão, sonolentos. De repente, um dos guardas destranca a porta. Logo ao lado dele, está o general Choi.
Dan e os outros olham para ele, surpresos, enquanto ele lhes dirige a palavra:

- Sua Majestade quer vê-los. Tem perguntas a lhes fazer.

Com uma certa dificuldade, por conta dos punhos amarrados, todos se levantam e saem. Uma vez fora da cela, são escoltados pelos guardas, com Choi à frente.

- Ótimo... quem sabe esta seja a nossa chance de explicar tudo ao rei! – diz Nardelli a Lester.

- Tomara que ele nos ouça – responde Jon – Senão, estamos ferrados!

- Silêncio! – interpela o general Choi, com um tom de voz ríspido.

Após alguns minutos, todos chegam à sala do trono. Na altura do trono do rei, estão o próprio, juntamente com uma mulher madura e extremamente bem-vestida, com um penteado exótico nos longos cabelos, trançados e formando um círculo ao redor da cabeça e um hanbok todo trabalhado à mão em tons de vermelho e dourado – é a rainha Yang, esposa do rei – e uma perplexa Seul-gi, agora vestida com um traje rosa, também todo trabalhado à mão.
A Família Real de Hanchon,
general Choi e Nam-joo

- Eis os prisioneiros, Majestade! – diz o general Choi.

Dan bate os olhos em sua primeira-oficial, e a reconhece de imediato. Ela também o reconhece, com um misto de alívio e preocupação no rosto.

- Seul-gi! – diz Dan, olhando para Hong.

- Dan! – exclama Hong – Graças a Deus você está bem!

Seul-gi tenta se aproximar, mas é impedida pelo rei, que estende seu braço diante dela.

- Não se intrometa, Yoon! – diz o rei, com um tom de voz afiado e incisivo – Este é um assunto que diz respeito à segurança do reino!

- Acalme-se, minha filha – a rainha Yang vai em direção dela e a segura pelos braços – Seu pai cuidará de tudo!

- Mas... – Hong fica completamente sem reação diante da situação. Tenta se explicar, mas se vê coagida pelo casal real.

O rei olha para Dan e os outros de alto a baixo. E resolve lhes dirigir a palavra.

- Realmente vocês não parecem ser de Hanchon. Mas afinal... o que foi que vocês vieram fazer por aqui? E o que estavam fazendo com a minha filha?

- Majestade – Nardelli se ajoelha diante do rei – Posso lhe garantir que não viemos a seu reino com qualquer tipo de intenção hostil. Pelo contrário, nós somos pacíficos. No que diz respeito à sua filha, creio estarmos diante de um grande mal-entendido...

- Ora, mas que atrevimento! – o general Choi se enfurece com a postura de Nardelli, e saca sua espada – Ninguém fala assim diante de Sua Majestade!

- General! – intervém o rei – Abaixe sua espada, está tudo bem!

- Perdão, Majestade! – responde Choi, sem graça.

O rei volta sua atenção novamente para Dan.

- Continue! O que quer dizer com “mal-entendido”?

- Acontece, Majestade, que a nossa amiga... – Dan volta seu olhar para Seul-gi – A nossa amiga que Vossa Majestade e todos aqui acreditam ser a princesa deste reino, ela... bem, ela não é quem os senhores acreditam que ela é!

- Mas o que você está dizendo? – o rei aponta seu dedo para Hong, indignado com as palavras de Dan – Está dizendo que ela não é a nossa filha?!

- De fato, Majestade – responde Dan – Nós não conhecemos bem este reino, e tampouco conhecemos a princesa. Estávamos apenas vindo até aqui a negócios, quando fomos atacados por aquela gangue de moças no meio do caminho.

- Atacados? – questiona o rei – Então vocês não trabalham para o Salão dos Espíritos?

- Não, senhor, Sua Majestade. Nós não temos qualquer conhecimento do que esteja se passando dentro deste reino.

Aparentemente, o rei está quase convencido pelas palavras de Dan, ainda que sem acreditar. Quem não engole as palavras do capitão é Choi, que acaba por perder a paciência.

- Ora, mas isso tudo que você está dizendo é um absurdo! – diz o general, apontando a espada para Dan – Se ela não é Sua Alteza, então quem ela é?

Seul-gi olha toda a situação, e entra em desespero. De imediato, ela desce do altar do trono e se coloca junto de Dan e dos outros, deixando o rei, a rainha, e o general de olhos arregalados.

- Parem, por favor! – grita ela, com lágrimas nos olhos e se ajoelhando diante do rei – Majestade, ele está dizendo a verdade! Por favor, solte-o e lhe poupe a vida! Por favor...

- Yoon! – exclama o rei, desconcertado – Mas o que...?

- Minha filha! – diz a rainha, apavorada – Mas o que vocês fizeram com ela?

- Tá na cara que isso é magia negra de Hon-byung! – exclama Choi, de espada em punho – Já chega, agora vocês vão me pagar!

Eis que uma figura inesperada entra em cena, para a surpresa de todos. É a princesa Yoon, que chega acompanhada de sua criada fiel, Nam-joo.

- Parem! Já chega! – grita a princesa, ao abrir as portas de madeira e papel da sala do trono.

Os olhares de todos ficam paralisados. Ela chama a atenção do general Choi, de uma forma que deixa todos ainda mais surpresos:

- O que pensa que está fazendo, Dong-jae? Você não é assim! Por favor, abaixe sua espada!

É nessa hora que a ficha do general Choi cai. Juntamente com a de todos os outros.

- Não pode ser... Alteza?! – exclama Choi, boquiaberto.

A semelhança física entre a princesa Yoon e a comandante Hong pega os oficiais da Frontier de surpresa.

- ELA é a princesa?! – diz Andros, completamente espantado.

- Inacreditável... – Lester olha para a princesa, e em seguida, para Seul-gi – ELA É IGUALZINHA À HONG!!!

- Fascinante... – exclama Nardelli, com uma voz de espanto e os olhos quase saltando para fora das pupilas.

Em meio a esse turbilhão de reações surpresas, a princesa resolve se aproximar de Hong. As duas olham uma para a outra, de alto a baixo, até que congelam por alguns segundos – a sensação de ambas é a de que estão como quem olha um reflexo no espelho.
Em seguida, elas se apontam e dizem ao mesmo tempo:

- VOCÊ É IGUALZINHA A MIM!!!

- Mas... como isso é possível?! – diz a rainha, espantada.

As duas “princesas” se voltam para o casal real. Yoon vai em direção a seu pai, o rei, e avança sobre ele lhe dando um abraço.

- Papai... – diz ela, com os olhos marejados – Eu sinto muito! Eu sei que deixei vocês preocupados, mas eu precisava garantir que Hon-byung não me pegasse! Por favor, me perdoe...

- Minha filha... – responde o rei, ao mesmo tempo emocionado e sem reação, retribuindo o abraço – Estávamos preocupados, realmente... mas que bom que você voltou sã e salva para o palácio...

- Foi Nam-joo quem me salvou a vida – diz a princesa – Logo depois daquele ataque das xamãs do Salão dos Espíritos, ela me levou para um lugar seguro para que eu pudesse me esconder. Eu devo minha gratidão a ela...

Dan e os outros da Frontier respiram aliviados – enfim, o mal-entendido estava desfeito. Mas este era o menor dos males: sem ter conhecimento sobre Hon-byung, o Salão dos Espíritos e tudo o mais, Dan ficou ainda mais confuso sobre a situação no planeta, assim como todos os seus colegas.
Por outro lado, os membros do reino de Hanchon também não faziam ideia do que o grupo do capitão Nardelli veio fazer em seus domínios.
Evidentemente, Dan não poderia dizer a verdade aos nativos – de que ele e os outros eram visitantes de outro planeta – pois isto se configuraria como uma violação da Primeira Diretriz.

- Mas... se ela realmente é Sua Alteza, então... quem são vocês?! – pergunta um confuso general Choi a Dan – O que vocês vieram fazer em nosso reino?

Dan é pego de surpresa pelo questionamento de Choi. Vendo-se sem saída, ele usa uma desculpa esfarrapada para justificar sua presença no planeta:

- Bem, nós somos... – responde, com o dedo no queixo e a voz meio vacilante – Comerciantes! Somos comerciantes e viemos do norte, general!

Choi recebeu as palavras de Dan com uma certa desconfiança, bem como os membros da Família Real de Hanchon. O capitão continuou, com um sorriso amarelo:

- Estávamos vindo ao reino para comprar... roupas! Roupas, tecidos, especiarias, coisas assim. Íamos comprar tudo para depois... revender em nossas terras! É isso!

Nenhum dos outros oficiais da Frontier entendeu a história contada por Dan – à exceção de Hong, que resolve entrar no jogo:

- É isso mesmo, Majestade! – diz Seul-gi, com uma voz entusiasmada – O lorde Dan é um dos melhores negociadores de nossa terra. Ele sempre viaja pra diversos cantos do nosso mundo em busca de bons produtos! E eu faço questão de acompanha-lo!

- Compreendo – diz o rei, dando a entender que mordeu a isca do capitão – São negociantes que vieram de terras distantes em busca de bons negócios.

- Exatamente! – responde Nardelli, na maior cara de pau – E cá entre nós, os produtos de Hanchon são muito apreciados em nossas terras, diga-se de passagem.

- Oh, céus... eu não acredito nisso... – diz Lester, baixinho e com uma expressão de indignação no rosto.

- Bem, não está tudo totalmente esclarecido, mas... já ficou evidente que vocês são pessoas inocentes – conclui o rei, que se volta para Choi – General Choi, liberte esses homens imediatamente!

- Hã?! Digo... sim senhor, Majestade – responde Choi, meio desconcertado – Guardas, tirem as cordas deles!

Choi corta com a espada as cordas que amarravam os punhos de Dan, enquanto os outros dois fazem o mesmo com Lester e Andros.
Um dos guardas repara nas orelhas do romulano, ainda que as pontas delas estejam escondidas pela faixa da cabeça.

- As orelhas desse aqui têm um formato engraçado – diz o guarda – Eu nunca vi nada parecido!

- É uma característica da minha raça, senhor – responde Andros, educadamente, apesar de se sentir um pouco incomodado.

Dan sentiu um frio na espinha ao ver a atitude do guarda, que também chama a atenção de Choi e da Família Real. Achou que o disfarce daria conta antes de descer à superfície do planeta, e não pensou em uma desculpa para uma situação como essa.
Mas, durante o princípio de confusão na sala do trono, ouviu algo do general Choi sobre magia negra, e resolveu improvisar:

- Sim, é isso mesmo, ele é um... elfo! Sim, é um elfo! Tem uma aldeia cheia deles perto da nossa cidade... eles costumam prestar serviço para nobres como nós em nossas terras!

- São como... criados? – pergunta a rainha, com um olhar de estranheza.

- Isso, exatamente! – exclamou Dan – Ele é o nosso criado!

Todos olham para Dan com uma certa desconfiança. No entanto, o rei resolve demonstrar sua boa vontade:

- Bem... acho que devo minhas sinceras desculpas a vocês por causar-lhes todo este transtorno. Estávamos tão desesperados procurando por nossa filha que não pensamos nas consequências. Não foi nossa intenção.

- Está tudo bem, nós compreendemos – diz o capitão – Não há nada com o que se preocupar.

- Eu agradeço... – responde o rei – A propósito, lorde Dan, creio que o senhor e seu pessoal não devam ter onde passar a noite, certo? Podem ficar aqui no palácio, se quiserem.

- Ora, é muita gentileza sua, Majestade. Eu agradeço e fico honrado.

- Pois bem... – o rei, então, chama um de seus criados – Eunuco Hwang!

Um senhor de idade, vestido de verde e com um chapéu arredondado semelhante ao do rei, mas confeccionado em um material diferente, se põe à frente.

- Pois não, Majestade – responde o servo.

- Providencie aposentos para os nossos convidados.

- Sim senhor, Majestade – Hwang se volta para Dan e os outros – Por gentileza, queiram me acompanhar, senhores.

Como demonstração de respeito, Dan e os outros se curvam ao rei para cumprimenta-lo, antes de seguirem Hwang para os aposentos dos convidados do palácio.

***

Hwang conduz o grupo da Frontier a um quarto localizado a uns dois corredores de distância da sala do trono.
É um quarto simples e, ao mesmo tempo, suntuoso: amplo, com o piso todo em madeira, com algumas almofadas, um biombo, pequenas mesas, um arranjo floral em um dos cantos, e logo ao fundo, um anexo, onde ficam os dormitórios, em tatame, com mantas e travesseiros.
O velho eunuco abre as portas dos aposentos e os apresenta a Dan e aos outros:

- É aqui, senhores. Os convidados de Sua Majestade costumam ficar nestes aposentos. Espero que se sintam confortáveis.

- Ora, é perfeito! – entusiasma-se Dan, olhando em volta os detalhes dos aposentos – Com certeza nós quatro ficaremos bem.

- Ótimo – responde Hwang, de forma extremamente educada e cordial – Se precisarem de qualquer coisa, estarei à sua inteira disposição, lorde Dan.

- Muito obrigado, sr. Hwang – diz Dan.

Hwang se curva para cumprimentar Dan e fecha as portas dos aposentos. E se retira para dar privacidade ao quarteto.

- Nada mal – diz Andros – Quer dizer, com certeza isso aqui é mil vezes melhor do que uma cela, não concorda, capitão?

- Com certeza, tenente – responde o capitão – fomos do inferno ao céu em um só dia! Aliás, eu estou impressionado... tudo neste planeta se parece muito com a Coreia antiga...

O único que não demonstra muito entusiasmo é o doutor Lester. Ele encara Dan com uma expressão mal-humorada e o olhar fulminante, enquanto o capitão, por sua vez, se senta em um canto do quarto.
Ele olha para o médico e estranha sua postura:

- Algum problema, Jon?

A resposta do médico inglês é imediata. E bastante ácida.

- Comerciantes?! Elfos?! – diz ele, aumentando ligeiramente o tom de voz – Fala sério, Dan! Essa foi a coisa mais estúpida que eu já ouvi!

- Ué?! E o que você queria que eu fizesse? – retruca Dan, tranquilo e impassível – Que eu simplesmente falasse a verdade, que nós somos visitantes de outro planeta, e violasse a Primeira Diretriz? Imagine qual seria a reação deles!

- Com certeza eles não acreditariam! – responde Lester – Tá na cara que ninguém neste lugar acredita que existe vida em outros planetas... no mínimo eles achariam que somos malucos!

- Mesmo assim, seria arriscado, doutor – comenta Seul-gi – Este planeta está visivelmente em um estágio de desenvolvimento muito abaixo da maioria dos planetas membros da Federação. Qualquer tipo de interferência, por mínima que seja, pode ter consequências catastróficas tanto para o planeta quanto para sua cultura.

- Falou tudo, Seul-gi – diz o capitão – Mas até onde deu pra ver, a Primeira Diretriz parece ser a menor de nossas preocupações.

- O que você quer dizer, Dan? – pergunta Hong, intrigada.

- Pense bem... – Dan recapitula os fatos até então – Primeiro, fomos atacados por aquela gangue de mulheres assim que chegamos neste planeta; depois, te confundiram com a princesa daqui e todos nós viemos parar dentro do Palácio Real; daí a princesa reaparece do nada e todos falam nesse tal de Hon-byung e no Salão dos Espíritos! Tá na cara que tem alguma coisa estranha acontecendo por aqui.

- Mas afinal, quem será esse Hon-byung? E o que será esse Salão dos Espíritos? – pergunta Lester.

- É isso que precisamos descobrir, Jon – responde Dan.

Súbito, alguém bate à porta dos aposentos. Dan e os outros ficam meio apreensivos, e se atentam.

- Entre! – diz o capitão.

As portas se abrem, e revelam a figura de Nam-joo. A criada entra com uma bandeja grande de madeira, com algumas porções de arroz, frango, kimchi e carne, e algumas pequenas garrafas de porcelana com soju – uma bebida destilada típica da Coreia.

- Com licença... – diz a jovem criada, enquanto coloca a bandeja por sobre a mesa – Sua Majestade estava preocupado com a alimentação de vocês. Por isso me pediu para lhes trazer comida.

- Puxa, realmente eu estava com fome! – responde Nardelli – Muito obrigado! Agradeça à Sua Majestade por mim.

- Caramba... quanta comida... – diz Lester, olhando espantado para a bandeja – Isso deve dar para uns dez de nós!

- Com licença... – uma voz feminina é ouvida na porta – se importam se eu me juntar a vocês?

Eis que uma convidada inesperada adentra os aposentos. Para a surpresa de todos, é a princesa Yoon.

- Alteza?! – Nardelli se levanta meio sem jeito, assim como todos os outros – Mas é claro que não, pelo contrário... ficaremos muito honrados!

- Ótimo... – responde Yoon – Mesmo porquê, precisamos esclarecer algumas coisas a vocês...

A princesa entra e toma seu lugar, bem à frente de Dan. Mas as surpresas não param por aí: outras duas figuras entram logo depois de Yoon: o general Choi e uma garota, vestida toda de preto.
Imediatamente, Dan a reconhece, deixando todos os oficiais da Frontier boquiabertos.

- Espere um pouco! Eu reconheço você... você estava com aquelas mulheres que nos atacaram! O que está fazendo aqui, afinal?!

De fato, o capitão tinha razão. A moça em questão é Moon-hee, que momentos antes, liderou o bando que atacou Dan e os outros. Mas afinal, o que ela estaria fazendo ali com a princesa e o chefe da Guarda Real? Isso não fazia sentido.
Antes de qualquer tipo de conflito se iniciasse, Choi trata de botar panos quentes na situação:

- Não se aflija, lorde Dan – diz o general, estendendo a mão em palma – Ela está do nosso lado.

- É bom que tenha uma boa explicação para isto, general – Dan muda o tom de voz, e passa a encarar Choi com um olhar de reprovação – Pois ela liderou um ataque contra nós, que inclusive foi rechaçado pelas SUAS tropas!

O clima fica tenso. Mas a própria Moon-hee trata de quebrar o gelo.

- O general Choi me explicou tudo, lorde Dan – diz a garota, com um tom de voz extremamente suave, ao contrário do ataque de outrora – Sei que lhe causei transtornos, mas juro que não foi intencional, eu só estava cumprindo o meu papel. Eu sinto muito.

Ela se curva, e fica com a cabeça baixa por alguns minutos, deixando o capitão e os outros da Frontier sem entender absolutamente nada.
O general Choi logo trata de dar as devidas explicações:

- Moon-hee é nossa espiã dentro do Salão dos Espíritos. Eu a infiltrei lá para que monitorasse as atividades de Hon-byung e descobrisse seus planos.

- Uma agente dupla?! – diz Andros, surpreso.

- Exatamente – responde Choi – Mas asseguro a vocês que ela responde apenas a mim e à Sua Majestade.

- Estávamos comentando exatamente sobre isso há pouco – conta Dan – Afinal, quem é Hon-byung? E o que é esse Salão dos Espíritos de que vocês tanto falam?

- É o que viemos explicar a vocês – responde Yoon – Mas antes, vamos todos tomar nossos lugares e comer, a comida está com uma cara muito boa!

E é o que acontece. Todos se sentam em volta da mesa e começam a se servir. Moon-hee se encarrega de fechar as portas dos aposentos.

Minutos depois, todos começam a comer e a beber. Quem começa a dar as primeiras explicações a Dan e aos outros é Moon-hee:

- Hon-byung é o líder espiritual do reino de Hanchon. É o mestre-xamã do Salão dos Espíritos e também ocupa uma posição importante dentro da corte. Pra ser mais específica, ele é o conselheiro espiritual de Sua Majestade.

- Entendi – diz Dan, enquanto toma uma dose de soju – E o que exatamente é esse Salão dos Espíritos?

- O Salão dos Espíritos é um grupo de xamãs que serve à nossa família há várias gerações – explica a princesa – Eles sempre atuaram como conselheiros, curandeiros e guardiões espirituais de todos os reis, rainhas e princesas de Hanchon.

- E o que Hon-byung pretende? – pergunta Seul-gi – Por que ele está atrás de Vossa Alteza?

- Hon-byung sempre foi um homem ambicioso e muito temperamental – conta Yoon – Não se contentava apenas com seu cargo, sempre queria mais e mais influência dentro do palácio. Por isso ele e meu pai se desentenderam diversas vezes.

- Nossa suspeita é a de que ele esteja tentando usar Sua Alteza para tomar o poder – acrescenta Choi – Já há algum tempo, ele vem tentando sequestrar Sua Alteza por várias vezes seguidas, por meio de suas subordinadas do Salão dos Espíritos.

- A última vez foi há dois dias, quando eu estava voltando do mercado da cidade – conta a princesa – As xamãs de Hon-byung atacaram e mataram algumas das nossas criadas, mas Nam-joo me tirou da cidade e me escondeu em uma cabana nos arredores. Fiquei escondida por lá desde então.

- Espere um pouco... Isso foi antes da nossa chegada! – exclama Dan – Então, o rei ficou desesperado e mandou a Guarda Real procurar por Sua Alteza... e enquanto isso, Hon-byung também estava à espreita. Agora estou começando a entender...

- E como ele pretende usá-la para tomar o poder? – pergunta Andros.

- Sua Alteza Real, a princesa Yoon, é a legítima herdeira do trono de Hanchon – responde Moon-hee – Hon-byung é usuário de magia negra. Ele pretende fazer um ritual para colocar sua alma no corpo de Sua Alteza; uma vez feito isso, ele pretende matar o Casal Real, e assim, tomar o controle do reino para si.

- Que bizarro... – exclamou Lester – Esse Hon-byung não é flor que se cheire!

- De fato, Jon – concorda Dan – A gente não pode deixar ele conseguir o que ele quer! Temos que detê-lo!

O capitão, então, lança um olhar firme para todos à sua volta.

- Pois bem... Precisamos bolar um plano.

***

Na manhã do dia seguinte, ouve-se mais um grito histérico vindo do templo do Salão dos Espíritos, desta vez, seguido de uma risada estridente e cínica.

- Quer dizer então que a princesa voltou pro palácio... – exclama Hon-byung, com um ar de satisfação e a atitude mais purpurinada do que nunca – ÓTIMO!!! Isso facilita E MUITO o meu serviço!

- Também soube que Sua Majestade fará uma festa no palácio para comemorar o retorno da princesa, senhor – afirma Moon-hee, ajoelhada e com o uniforme grená do Salão dos Espíritos – Talvez esta seja uma boa oportunidade.

- Você tá de brincadeira com a minha cara, é? – retruca o xamã, com a voz ríspida e desmunhecando – É LÓGICO que essa é uma boa... aliás, boa não... essa é uma ÓTIMA oportunidade, queridinha! Enfim eu vou botar as mãos naquela princesa insossa, aguada, sem sal... AAAAAHHHHH!!! Me dá enjoo só de pensar nela, aquela princesa é UM NOJO!!! O reino de Hanchon que me aguarde, eu tenho MUITO mais carisma do que aquelazinha ali... princesinha de araque! Hunf!

Moon-hee apenas observa os devaneios de Hon-byung. Ele percebe e se sente incomodado.

- O que é que foi, Moon-hee? Tá me olhando com essa cara de vaca atolada por quê, hein?

A jovem não responde. O silêncio dela deixa Hon-byung ligeiramente perturbado.

- Espera um pouco... – ele se aproxima da garota – Tá pensando em me trair, é?!

- Por que eu faria isso, senhor? – responde Moon-hee.

- Hunf... sei lá?! Dá pra confiar em alguém nesse reino? – retruca Hon-byung.

A partir daí, ele resolve ser direto e reto – resolve ameaça-la, mesmo sem saber da real atuação dela.

- Olha aqui – ele fala baixinho enquanto aponta o dedo para o rosto de Moon-hee – Você NEM PENSE em me trair, tá entendendo? Porque se você me trair, garota... eu lhe asseguro que você vai ter O MAIOR ARREPENDIMENTO DA SUA VIDA!!! Será que eu fui claro?

Moon-hee reluta por um momento.

-Sim... sim, senhor.

Hon-byung então se dá por satisfeito. E passa novas ordens a Moon-hee, do seu jeito escandaloso de sempre.

- Ótimo... Agora tá fazendo o quê parada aí? A gente tem uma festa pra ir, vai preparar as tropas, anda, VAI!!!

E a garota se retira da sala do xamã.

***

No palácio real, a movimentação é intensa. Muitos convidados chegam para a festa da corte em homenagem à princesa Yoon.
Em um grande pátio logo na entrada do palácio, um grupo de cerca de dez pessoas trajadas com roupas coloridas realiza uma performance de samulnori – uma forma de percussão típica da Coreia, que usa tambores, gongos, pratos metálicos, entre outros instrumentos – aos olhos do rei, da rainha e da princesa Yoon, vigiados de perto pelo general Choi e pelos homens da Guarda Real.
Os convidados formam um grande círculo em volta do grupo musical. Alguns apenas assistem, outros dançam ao som dos tambores.
Tudo vai correndo em aparente tranquilidade – mas sem ninguém perceber, algumas xamãs do Salão dos Espíritos, armadas com arcos e espadas, vão se espalhando pelos telhados do palácio pouco a pouco.
Uma delas, então, resolve atirar contra um dos guardas, mas acaba acertando o ombro de um dos convidados, que cai se contorcendo de dor. É o suficiente para provocar um pânico enorme entre todos no pátio, que correm para todos os cantos em busca de abrigo.
Choi e os guardas sacam suas espadas e se colocam à frente. Um grupo de xamãs salta dos telhados, enquanto outro entra pela entrada principal.
A luta começa. As xamãs e os guardas vão trocando golpes de espada – até que a princesa é pega por duas garotas inimigas e é forçada a sair do palácio junto com elas.

- Alteza! – Choi percebe a movimentação e vai atrás das xamãs que tomaram a princesa refém, junto com outros guardas. – Atrás delas!

Em um ponto mais alto dentro do palácio, Andros observa a movimentação em um corredor externo. Do outro lado, está Nam-joo, a criada da princesa.
O romulano da Frontier volta seu olhar para a garota e assente com a cabeça. Ela retribui o gesto e sai correndo, virando as costas para ele.
Assim que a criada sai de sua vista, Andros olha em volta, para assegurar-se que ninguém o está observando; feito isso, ele saca o comunicador e sai andando aceleradamente:

- Capitão, morderam a isca! – relata ele – Estou me dirigindo para a sua posição!

Enquanto isso, Nam-joo chega a uma ala no interior do palácio, onde ficam os aposentos da princesa.
Ela entra no quarto, e encontra a princesa Yoon, que é vigiada de perto pelo doutor Lester.

- Parece que o plano funcionou, Alteza – diz a criada – Aparentemente elas não perceberam.

- Ótimo! – comemora a princesa – Agora é torcer para que os outros consigam fazer a parte deles.

- É só uma questão de tempo até botarmos as mãos no Hon-byung – diz Lester – Vai dar tudo certo, Alteza.

- Tomara que você esteja certo – responde Yoon.

***

 Dentro do Salão dos Espíritos, um alegre Hon-byung solta uma gargalhada histérica de satisfação, diante de uma princesa inconsciente deitada em uma mesa de pedra, um altar preparado com incenso e amuletos e algumas xamãs fiéis ajoelhadas.
Mal sabe ele que há uma armação em curso.

- Finalmente, FINALMENTE!!! – brada o xamã, levantando as mãos para o alto como uma diva – Enfim eu tenho essa princesinha insípida nas minhas mãos... agora eu já posso performar o meu ritual...

Ele então se põe à frente do altar. Gira uma das mãos para cima algumas vezes e depois a joga para baixo, jogando alguma coisa em um recipiente no altar de onde sai uma fumaça intensa.
Dentro do recipiente, se faz uma pequena explosão. Em seguida, Hon-byung entrelaça seus dedos e coloca as mãos diante de si, começando a fazer uma reza estranha.
A fumaça saída do recipiente se intensifica, e parece ganhar vida. Começa a se colocar por cima do corpo da princesa, mas simplesmente fica nisso.
Nada de extraordinário acontece. Hon-byung logo percebe, e não compreende o que está acontecendo.

- Mas o quê?! – diz o xamã – Tem alguma coisa errada... a essa altura, minha alma deveria estar entrando no corpo da princesa... o que está acontecendo?!

Ele olha para a princesa. E logo se dá conta de um detalhe que lhe parece importante.

- Espere um pouco... eu não consigo sentir as vibrações dela! Mas como isso é possível, será que...?

Eis que a princesa subitamente desperta. E aponta uma adaga para o pescoço de Hon-byung. De imediato, ele solta um gritinho e levanta as mãos.

- Já chega, Hon-byung! – diz ela, em um tom firme e ameaçador – Eu já sei de todos os seus planos. Mas agora é o fim da linha pra você!

- E O QUÊÊÊÊÊÊÊ?!? – grita Hon-byung, apavorado – Não é possível, essa atitude não é da princesa! Ai, não... VOCÊ NÃO É A PRINCESA!!! Quem é você?!

De fato, quem estava ali realmente não era a princesa. Era Hong, que se valeu de sua semelhança física com a princesa para chegar até Hon-byung e pegá-lo de surpresa.
Nisso, Nardelli, Andros, Moon-hee, o general Choi e os homens da Guarda Real entram em cena: invadem o Salão dos Espíritos de surpresa e rendem as outras subordinadas.

- AAAAAAAAAAHHHHHHHH!!! – a histeria de Hon-byung chega ao extremo – Mas o que que é isso?!? É um assalto?!?

- Basta, Hon-byung! – bradou Choi, em alto e bom som – Seus planos foram por água abaixo, você está acabado! Entregue-se e o deixaremos viver!

- General Choi... Hunf! – a voz de Hon-byung sai em um tom de desdém – Sempre bancando o intrometido... eu até gostava de você, mas estou começando a mudar de ideia...

Eis que Hon-byung vê Moon-hee ao lado do general. E se demonstra indignado com a garota.

- Moon-hee! Eu já devia imaginar que você estava me traindo... Deixa você comigo, sua piranhazinha de uma figa!!!

- Você não entendeu, não é, Hon-byung?! – diz Nardelli – O general já disse tudo, ACABOU! Você não tem saída, se entregue de uma vez!

- Ora... – Hon-byung cresce o olho para cima de Dan – Creio que ainda não fomos apresentados... só que tem uma coisa, bofe... se acha que eu vou me render, você está MUITO ENGANADO!!!

Após dizer estas palavras, o xamã segura o braço de Seul-gi e toma-lhe a adaga. Para a surpresa de todos, ele a agarra e passa a ameaça-la com a adaga na direção de seu pescoço.

- Seul-gi!!! – grita Dan, desesperado.

- Olha aqui, queridinhos... – diz Hon-byung, com um sorriso sarcástico no rosto – Se algum de vocês fizer alguma gracinha, essa lambisgoia farsante aqui vai morrer, tão me entendendo? Agora vocês vão sair do meu caminho... não é, general Choi?!

- Como é?! – pergunta Choi, sem entender nada.

É então que algo estranho acontece. Hon-byung solta o ombro de Seul-gi por um instante e começa a gesticular – na sequência, a fumaça do altar começa a serpentear pelo ar e toma conta do general Choi, entrando pela boca, pelas narinas e pelos ouvidos.
Choi começa a tremer e a se debater, como quem sente uma dor intensa.

- General! – grita Dan.

Poucos segundos depois, os olhos de Choi se tornam inteiramente negros e ele fica paralisado. Com Seul-gi sob a lâmina da adaga, Hon-byung se aproxima dele.

- Prontinho. Agora eu tenho o general Choi só pra mim!

- Que diabos ele fez?! – diz Dan, sem entender.

Nisso, Hon-byung sussurra algo nos ouvidos de Choi:

- Acabe com eles.

Em uma espécie de transe hipnótico, Choi pega sua espada e ataca Nardelli e os outros. Hon-byung aproveita a distração e sai do Salão dos Espíritos puxando Hong pelo braço.

- O que está fazendo, general?! – diz Dan, enquanto Choi o ataca – Pare com isso, abra os olhos!

- Ele está sendo controlado pela magia negra de Hon-byung, lorde Dan! – diz Moon-hee, que se coloca na frente de Dan e detém um ataque do general com sua espada – Deixe que eu cuido dele, vá atrás do Hon-byung e salve a sua amiga!

- Está certo. Tome cuidado, Moon-hee! – responde o capitão.

Dan e Andros saem do Salão, e vão atrás de Hon-byung e Hong.

Já fora do Salão, Dan toma uma decisão que pode ser arriscada:

- Andros, não temos escolha. Teremos que usar os phasers.

- Certo, capitão! – responde o tenente.

Alguns metros à frente, Hon-byung vai arrastando Hong com ele à força, puxando-a pelo braço. Mas ele não contava que, em algum momento, ela iria usar um pouco do treinamento de autodefesa que recebeu da Frota Estelar.
E é o que ela faz, em um dado momento:

- Me solta, seu filho da mãe! – diz ela, enquanto se coloca à frente do xamã e lhe acerta uma cotovelada na altura do estômago.

Hon-byung se contorce de dor por alguns instantes. Seul-gi parece não acreditar no que fez, e fica o observando, paralisada e, ao mesmo tempo, assustada.
O xamã se recupera, e se enfurece de vez:

- Sua piranha desgraçada!!! VOCÊ ME PAGA!!!

Com a adaga em punho, ele vai com tudo para cima de Seul-gi para matá-la. Mas antes que pudesse chegar perto dela, Hon-byung é atingido por dois tiros de phaser disparados simultaneamente por Nardelli e Andros, soltando um gritinho antes de cair duro no chão.

Hong solta um suspiro de alívio. E corre na direção de Dan.

- Dan!!! – diz ela, enquanto salta em cima do capitão, dando-lhe um abraço apertado.

- Você está bem, Seul-gi? – pergunta Dan, enquanto retribui o abraço.

Mas não há muito tempo para comemorações. Subitamente, um grito é ouvido da porta do Salão dos Espíritos.
Dan, Seul-gi e Andros correm para lá, e encontram Moon-hee no chão, prestes a tomar um golpe fatal do general Choi, ainda dominado pela magia negra de Hon-byung.

- Moon-hee!!! – grita o capitão ao ver a cena.

- MORRA!!! – diz o hipnotizado general Choi.

Sem pensar duas vezes, Dan pega seu phaser de tipo 1 e atira contra o general, deixando-o inconsciente antes que atingisse Moon-hee.
A jovem espiã não acredita no que vê.

- Como você fez isso?! – pergunta ela, com os olhos arregalados e um tom de espanto na voz.

Sem graça, Dan discretamente guarda o phaser por baixo de suas roupas, enquanto solta mais uma desculpa esfarrapada:

- Bem... é um tipo de... magia que eu pratico lá nas minhas terras...

- Interessante... – diz Moon-hee – Será que é difícil de aprender?

- É... Exige um treinamento árduo! – responde Dan, com um sorriso amarelo – São poucos que conseguem...

Moon-hee fica fascinada, enquanto Andros e Hong acham graça da cena.

***

Pouco mais de uma hora depois, Hon-byung desperta. Está com uma roupa diferente, toda branca, e o ambiente em que se encontra também é diferente.
Ele olha em volta, e não entende o que está acontecendo.

- E o quê? O que foi que aconteceu? Onde é que eu tô?

Ele olha em volta de novo, e vê só uma janela com grades em uma das paredes e grades grossas de madeira logo à frente. É aí que cai a ficha: ele está simplesmente em uma das celas do Palácio Real, vigiada por dois guardas.

- Não, não pode ser! Não é possível, eu não posso estar preso! – ele tenta então falar com os guardas, em vão – Ô bonitão, você pode me tirar daqui, por favor? Eu tô passando mal, me tira daqui, vai...

Os guardas simplesmente ignoram as palavras de Hon-byung. Ele entra em desespero.

- Ai, eu NÃO POSSO passar o resto da minha vida dentro de uma cela IMUNDA! Eu EXIJO que vocês me tirem daqui! Eu sou cidadão de Hanchon, conheço meus direitos! Então me tira daqui! Me tira daqui!

Os apelos do purpurinado xamã não surtem efeito algum. Ele, então, resolve fazer um escândalo, e solta um grito histérico da janela para pelo menos metade do reino ouvir:

- ME TIRA DAQUIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII!!!

***

Enquanto isso, na sala do trono, Dan e os outros estão diante do general Choi, de Moon-hee e da Família Real de Hanchon, que não mede palavras para demonstrar sua gratidão.

- Lorde Dan, o senhor e seus amigos salvaram o reino do que poderia ser uma catástrofe sem precedentes – diz o rei – Nos lhes devemos a nossa eterna gratidão.

- Não foi nada, Majestade – responde Dan – Em nossas terras, sempre damos ajuda a todos aqueles que recorrem a nós. É um costume nosso. E de todo modo, foi um prazer poder ajudar.

- Vocês são muito gentis – diz a rainha Yang, com um sorriso radiante no rosto – Sempre serão bem-vindos em Hanchon.

- Eu agradeço muito, Alteza – diz Dan.

- Ah, antes que eu me esqueça... – diz a princesa Yoon, que se aproxima de Hong com um sorriso no rosto e algumas dobras de tecido rosa; é a roupa que Seul-gi usou quando foi confundida com ela – Senhorita Seul-gi, este é um vestido que eu gosto bastante. Quero que fique com ele, é meu presente de agradecimento!

- Mas, Alteza... – responde Seul-gi, com um certo espanto – Não vai precisar dele?

- Ah, tudo bem, eu tenho um monte deles! – justifica Yoon, radiante – E outra, ele ficou muito lindo em você!

- Puxa, muito obrigada, Alteza! – diz Hong, rindo – É muita gentileza sua!

- A propósito, senhorita Moon-hee... – Lester resolve se manifestar – Soube que a partir de agora você estará à frente do Salão dos Espíritos e será a conselheira espiritual de Sua Majestade. É uma responsabilidade e tanto!

- Tem razão – diz Moon-hee, sorrindo – Mas acredito que dou conta do recado. Farei o meu melhor... por Hanchon e por Sua Majestade.

Todos ficam em silêncio por alguns segundos, e trocam sorrisos e olhares fraternos. Claramente, se vê um clima bastante amistoso – o oposto da confusão de outrora.

- Bom, creio que seja hora de partirmos – Nardelli toma a palavra e a iniciativa para si – Desde já desejo sorte a todos: senhorita Moon-hee, general Choi, Sua Alteza, Sua Majestade. E obrigado a todos. Por tudo.

Após estas palavras de Dan, os quatro oficiais da Frontier – Dan, Hong, Lester e Andros – se curvam diante da Família Real de Hanchon, do general Choi e da agora mestra-xamã do Salão dos Espíritos, Moon-hee, para cumprimenta-los e também em demonstração de respeito.

- Cuidem-se bem, lorde Dan – diz Choi.

- Obrigado, general – responde Dan – Cuide bem de Sua Majestade e de Sua Alteza Real.

- Farei o meu melhor, milorde – responde o general.

- Venham nos visitar quando puderem! – diz uma alegre e sorridente princesa Yoon.

- Certamente nós o faremos, Alteza – responde o capitão.

***

Andando pela estrada, e já distantes do reino de Hanchon, Nardelli e os outros começam a refletir sobre a passagem pelo planeta.

- Puxa, ainda bem que essa confusão toda acabou! – diz o doutor Lester, suspirando aliviado – Achei que ia passar o resto da minha vida dentro de uma cela ou coisa pior!

- Pois é... aconteceu de um tudo por aqui – comenta Dan – Do nada, Seul-gi virou uma princesa, que era alvo de um feiticeiro maluco que queria tomar o poder! Em todos os meus anos de Frota Estelar, eu confesso que nunca vi nada parecido com isso!

- Eu ainda não acredito que eles engoliram todas aquelas maluquices que você falou, Dan! – diz Lester, em um tom ácido – De onde foi que você tirou tudo aquilo?

- Tive que inventar tudo praticamente na hora, Jon – responde Dan – Acredite, teve hora que nem eu sabia mais o que estava dizendo!

- Pelo menos conseguimos cumprir a Primeira Diretriz à risca – diz Seul-gi – Até onde pude notar, não deixamos qualquer rastro de interferência.

O grupo caminha por mais alguns metros. Andros olha em volta, e não percebe nada suspeito. Então ele informa ao capitão:

- Acho que já estamos a uma distância segura, capitão. Podemos retornar á nave.

- Muito bem, tenente – diz Dan.

O capitão saca seu comunicador, e transmite a ordem:

- Nardelli para Frontier. Quatro pra subir.

Raios de luz azul envolvem o quarteto, que desaparece da superfície do planeta.

Sem que os quatro notassem, um pescador de bigode, que voltava do rio logo abaixo, sobe a montanha, com sua vara de pescar em uma das mãos e um cesto cheio de peixes na outra. Sem querer, ele vê Dan e os outros se desmaterializando, a uma certa distância – paralisado e boquiaberto, ele derruba a vara e o cesto de peixes, e fica congelado como uma estátua, como quem vê um fantasma.

***



"Diário do Capitão - Data Estelar: 7505.9

Esta com certeza foi a missão mais maluca e inusitada que já tivemos durante nossa viagem - quando eu ia imaginar que alguém confundiria minha primeira-oficial com uma princesa local?!

Confusões à parte, solicitei ao Comando da Frota para que este planeta seja colocado sob quarentena - nenhuma outra nave da Federação deve visitá-lo até que seu povo e sua cultura amadureçam o bastante para compreenderem a existência de vida em outros planetas."


De volta a bordo da Frontier, vemos o capitão Nardelli e o doutor Lester jantando no refeitório da nave, juntamente com o tenente-comandante Okonwa, chefe da engenharia.
O africano não acredita nos relatos da visita ao planeta feitos por Dan:

- Está falando sério, capitão? – pergunta ele – Os nativos confundiram a comandante Hong com uma princesa?

- E não é só isso, Oko – responde Dan, após tomar um gole de suco de laranja – Eu, o doutor Lester e o tenente Andros fomos presos e jogados numa cela porque nós teríamos “desrespeitado” a princesa!

- Foi extremamente desagradável – comenta Lester – Mas o que mais me deixa inconformado é que a tal princesa era MESMO igualzinha à Hong! Sei lá... era como se as duas fossem irmãs gêmeas!

- Queria ter visto isso... – diz Okonwa, sorrindo a ponto de quase dar risada.

Nisso, Hong se aproxima da mesa do grupo com sua bandeja. Lester a vê se aproximar e resolve tirar um barato da cara da coreana:

- Todos de pé e a postos! – diz o médico britânico, levantando-se e falando como se fosse um fidalgo – Sua Alteza Real chegou!

- Está me deixando sem graça, doutor! – retruca Seul-gi, tomando seu lugar na mesa e lançando um olhar afiado em Jon.

- Ah, fala sério, Hong! – Lester insiste em suas piadas – Vai me dizer que não gostou de ser princesa por um dia?!

- Foi uma situação constrangedora, doutor – o tom da voz de Seul-gi torna-se ácido – Já se imaginou sendo colocado no lugar de alguém que você não é? Sendo tratado como alguém que você não é?

- Sei lá... eu não acharia ruim se me confundissem com o rei da Inglaterra... – Jon volta sua atenção para o capitão – O que você me diz, Dan?

O capitão, por sua vez, resolve dar de ombros. E volta seu olhar para sua primeira-oficial.

- Uma coisa você tem que admitir, Seul-gi – Dan sorri e olha fundo nos olhos de Hong – Ao menos jeito de princesa você tem.

Hong fica paralisada com estas palavras do capitão. E seu rosto começa a avermelhar.

- Com todo o respeito, capitão – Okonwa se manifesta, e resolve botar lenha na fogueira – Mas... a sua opinião é suspeita.

É a vez de Dan ficar paralisado, e com o rosto ligeiramente corado. Ele e Hong se vêem colocados em uma saia justa.
Lester acha graça de toda a situação, e começa a dar risada. Logo em seguida, todos os outros três na mesa – Dan, Seul-gi e Oko – também começam a rir.

E enquanto a conversa se desenrola no refeitório, a Frontier vai deixando a órbita do planeta Hanchon, seguindo rumo a seu próximo destino.



CONTINUA...

__________________________________


NOTAS DO AUTOR:

(*) Nota cultural: a era Joseon é um período histórico da Coreia que durou mais de 500 anos, entre os anos de 1392 e 1897 - trata-se da mais longa dinastia confucionista a governar a península coreana.

(**) Vide Jornada nas Estrelas/Star Trek - The Original Series - Temporada 2 ep. 21: "Padrões de Força" ("Patterns of Force")

(***) Nota cultural: chuseok é um feriado tradicional da Coreia, celebrado durante três dias, onde comemora-se a boa colheita; é como uma celebração de ação de graças.
É costume no chuseok retornar às cidades natais para reunir-se com os familiares, e também o uso do hanbok, que é a vestimenta tradicional da Coreia.

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