Capítulo 3 - CRIANÇA VISIONÁRIA



PREFÁCIO DO AUTOR

Quero dedicar este capítulo a um amigo pessoal: o fotógrafo e artista Marcio March, cujo trabalho intitulado El Gran Visir serviu de inspiração para este capítulo.
Marcio, um grande abraço e sucesso sempre!

Espero que todos gostem.

Vida longa e próspera!

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PRÓLOGO

Um planeta remoto da galáxia. Uma cidade faraônica. Um enorme palácio semelhante a uma pirâmide.

Em seu interior, algumas centenas de homens e mulheres, muito semelhantes a monges, todos com as cabeças raspadas e trajando apenas túnicas brancas, se reúnem diante de um menino, que aparenta ter uns doze anos de idade, sem qualquer pelo em seu corpo e também usando uma túnica branca, que se encontra sentado no topo de uma escadaria, com um enorme triângulo contendo a figura de um olho em seu centro ao fundo. Todos com os olhos fechados, em uma espécie de transe – um profundo estado de meditação.
Um silêncio absoluto toma conta do enorme salão onde eles se encontram.

Até que, de repente, tal silêncio é rompido. Um estalo se dá dentro da mente do menino – algo semelhante a uma descarga elétrica – e o tira de sua concentração. Ele absorve o ar com a boca de maneira brusca, como se estivesse sufocado ou coisa parecida.
Ele aparenta demonstrar um certo pavor – de imediato, um rapaz que estava logo à frente corre em sua direção para acudi-lo.

- Mestre! – grita o rapaz – Está tudo bem?!

- Não foi nada... – responde o menino, meio ofegante – eu estou bem...

- O que foi que aconteceu? – pergunta o rapaz, em seguida – O senhor viu alguma coisa?

- Sim... eu vi... – respondeu a criança.

A esta altura, todos dentro do salão já haviam recobrado a consciência, pois tiveram suas concentrações quebradas pela reação súbita do menino – ele parece ser uma divindade ou algo parecido para aquelas pessoas – e, ao ouvirem estas palavras vindas de sua boca, todos ficam estarrecidos.
O rapaz que veio em socorro, então, pergunta:

- O que o senhor viu, Mestre?

Pausadamente, o menino responde:

- Uma nave estelar... cruzando o espaço. Visitantes de um outro mundo.

O rapaz fica atônito, assim como todos dentro do salão. E o garoto complementa:

- Eu posso... senti-los...

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“Diário do Capitão – Data Estelar: 7502.3

Após solucionar o incidente com a nave Klingon e o roubo dos dispositivos de camuflagem, a Frontier segue em seu curso.”

A USS Frontier segue tranquilamente em viagem pelo espaço. Seu capitão, Daniele Nardelli, encontra-se no refeitório da nave, onde toma seu café da manhã acompanhado da comandante Seul-gi Hong, sua primeira-oficial, e do doutor Jonas Lester, médico-chefe da nave.
O caso envolvendo os Klingons e o roubo de seus dispositivos de camuflagem por parte de uma gangue de ladrões Ferengi ainda repercute na Frontier – e o elegante médico inglês se demonstra inconformado com seu desfecho:

- Fala sério, Dan! Eu ainda não consigo acreditar que você deixou aqueles Ferengi nas mãos dos Klingons! Por que não os mandou para uma Base Estelar próxima?!

- Não havia nada que eu pudesse fazer, Jon – respondeu Dan, enquanto degustava uma xícara de café – O roubo foi cometido dentro do território Klingon. Logo, aqueles Ferengi vão ter que responder pelo crime de acordo com as leis locais.

- Você está de brincadeira! – retruca Lester, demonstrando certa irritação – Por acaso você tem alguma noção do que pode acontecer com eles? Os Klingons não são moleza! Tenho certeza que esses Ferengi vão receber a pior punição possível!

- Relaxa, Jon! – diz Dan, com a maior calma do mundo e quase rindo – Foi só um roubo de carga... o máximo que pode acontecer com eles é terem que passar o resto da vida quebrando dilítio em Rura Penthe! (*)

- Rura Penthe?! – questiona Jon, com os olhos quase saltando das pupilas – Pelas barbas do profeta, Dan! Ouvi dizer que aquele lugar é um verdadeiro inferno! Oh, céus, já estou imaginando o que aqueles orelhudos irão passar...

O doutor coloca a mão no rosto após dizer estas palavras. Dan e Seul-gi riem baixinho.

Até que, subitamente, a conversa é interrompida por um apito de um dispositivo de comunicação próximo. É um chamado da ponte de comando.

- Ponte para capitão! – do outro lado da linha, ouve-se a voz do alferes Hernando Cortez, piloto da nave.

Dan se levanta e corre até o dispositivo, onde aperta um botão para atender ao chamado.

- Aqui é Nardelli. Prossiga!

- Capitão, tem alguma coisa estranha acontecendo! – a voz de Cortez do outro lado da linha demonstra uma certa tensão – Acho melhor o senhor vir até aqui!

- Entendido, sr. Cortez. Estou a caminho! – responde o capitão.

Seul-gi e o doutor também se levantam, de imediato. Antes de seguir para a ponte, o capitão se volta para o doutor Lester, sorrindo:

- É, doutor... parece que vamos ter outro dia cheio!

- De fato, Dan – responde o médico, elegantemente. – Bom, eu estarei na enfermaria. Me chame se precisar de algo.

- Pode deixar, Jon – diz Dan.

O capitão, então, segue rumo a um dos turbo-elevadores, acompanhado de Seul-gi.


Dan e a comandante Hong chegam à ponte de comando. O oficial de comunicações da nave, tenente Dejan Stanic, anuncia sua chegada aos demais oficiais:

- Capitão na ponte!

Nardelli se dirige ao painel do leme, onde se encontra o alferes Cortez.

- O que houve, sr. Cortez? – questiona Dan.

- O leme não está respondendo, senhor! – responde o jovem espanhol – Não consigo ajustar as coordenadas, já está assim há alguns minutos!

- Calma que nós vamos verificar – diz o capitão.

Imediatamente, Nardelli se senta em sua cadeira e aperta um botão para falar com outro setor da nave:

 – Engenharia?!

Do outro lado da linha, responde o engenheiro-chefe da Frontier, Eugene Okonwa:

- Aqui é Okonwa, capitão!

- Sr. Okonwa... – Dan faz uma pausa – Sabe me dizer se há algum problema com os sistemas de navegação?

Na engenharia, Okonwa parece estar confuso por conta de alguma coisa. O africano então responde ao capitão:

- Aparentemente estão normais, senhor. Mas os motores de dobra estão se comportando de maneira estranha!

Dan se surpreende com a revelação de Okonwa. E começa a ficar tenso. Com uma ligeira rispidez na voz, cobra explicações do engenheiro-chefe, franzindo a testa:

- Explique!

Oko sente um frio na espinha. Parece estar lidando com uma situação fora do normal. Ele tenta se explicar com o capitão:

- Não sei explicar direito, senhor... Parece que os reatores de antimatéria estão começando a se sobrecarregar ou algo do tipo. As matrizes de dilítio também estão operando com níveis de energia um pouco acima do normal!

- Entendi – Dan parece ter sentido a tensão na voz de Okonwa. – Verifique a situação deles com calma e diga para o seu pessoal ter cuidado. Mantenha-me informado.

- Sim, senhor – responde o africano.

- Desligo.

Após encerrar a comunicação com Oko, Dan se volta para a comandante Hong:

- Srta. Hong, faça uma varredura em todos os sistemas da nave. Verifique se há alguma anormalidade.

- Sim, capitão – responde Seul-gi.

Mal a coreana encostou em seu painel para executar os comandos solicitados pelo capitão, um forte tranco foi sentido em toda a nave. Alguns dos oficiais da ponte quase caem no chão, e se veem obrigados a se agarrar em algo.
O capitão sente como se tivesse sido puxado para sua cadeira.

- Alguma coisa nos pegou e está nos puxando, capitão! – relata o tenente Andros, chefe de segurança da nave, que também está no leme, juntamente com Cortez – Como se fosse um raio trator ou algo do tipo!

- O leme está fora de controle, senhor! – diz Cortez, desesperado – A velocidade da nave está aumentando!

- O que disse?! – berrou Dan, se segurando em sua cadeira.

De fato, a Frontier parece ter sido pega por alguma coisa, que agora a está arrastando para algum lugar, em linha reta. Gradativamente, a velocidade de dobra da nave vai aumentando.

- Estamos indo neste momento a dobra 6... – informa Cortez – E a velocidade continua aumentando... dobra 7... dobra 8...

- Desse jeito vamos ultrapassar o limite de dobra, sr. Cortez – diz Nardelli, apavorado – Passe para o controle manual, e rápido!

Cortez tenta cumprir a ordem do capitão. No entanto, o leme continua sem dar resposta.

- Impossível, senhor! O leme está completamente inoperante!

Segurando-se em sua cadeira, Dan fica atônito ao ouvir as palavras do alferes Cortez. Com o leme fora de operação, a nave continua em disparada pelo espaço, sem rumo aparente.

- Estamos ultrapassando dobra 9 agora, senhor... – Cortez também se desespera ao leme da nave - dobra 10...

- Essa nave vai fritar se continuar assim... – diz o capitão, quase com um colapso nervoso – Consegue acessar os sistemas de navegação, srta. Hong?

- Negativo, capitão – Seul-gi também se demonstra incrédula e sem saber o que fazer, enquanto mexe em seu display – Tem algo impossibilitando o acesso, parece que os sistemas enlouqueceram!

- Mas como isso é possível?! – responde Dan – Afinal, que diabos está acontecendo com esta nave?

- Ultrapassamos o limite da velocidade de dobra, capitão – Cortez está praticamente tremendo diante do leme – estamos indo agora a dobra 11... dobra 12... dobra 13...

- Pelo amor de Deus... – Dan também se desespera – Erguer defletores, alerta amarelo!

De repente, um apito é ouvido na cadeira do capitão. É um chamado de Okonwa, da engenharia.

- Engenharia para capitão!

- Aqui é Nardelli. Prossiga, sr. Okonwa!

Do outro lado da linha, Oko também demonstra pavor em sua voz. E não é pra menos: a situação dentro da engenharia é simplesmente caótica.

O africano trata de informar os acontecimentos ao capitão:

- Os reatores de antimatéria estão superaquecendo, senhor! As matrizes de dilítio também estão com sobrecarga de energia!

Enquanto Okonwa terminava seu relato ao capitão, raios semelhantes a descargas elétricas se formavam nos reatores das matrizes de dilítio – um deles atinge uma das plataformas de controle, onde estava operando um dos engenheiros da equipe.
A plataforma explode com a descarga de energia, e o engenheiro é arremessado para o outro lado do salão, chocando-se contra uma parede e caindo inconsciente no chão.
Outros dois engenheiros vão em socorro do colega. Um deles grita para Okonwa:

- Senhor, temos um ferido aqui!

O africano olha para trás e vê a situação, com os olhos arregalados. Do outro lado da linha, o capitão ouve a situação, e transmite as suas orientações:

- Tente estabilizar os motores, Oko. Faça o que puder. E mande os feridos à enfermaria, imediatamente!

- Sim, senhor! – responde Okonwa, entrando em desespero.

Dan encerra o contato com a engenharia. E se volta para Cortez:

- Situação, alferes!

- O leme ainda não responde... estamos indo a quase dobra 20...

- Caramba! Desse jeito a gente vai fritar aqui! – grita Dan, no extremo do desespero.

Até que, do nada, a velocidade da nave começa a diminuir. Cortez percebe, e informa imediatamente ao capitão.

- Um minuto, senhor... parece que a velocidade está diminuindo... dobra 13... dobra 12... dobra 11... dobra 10... dobra 9...

Dan solta um suspiro de alívio ao ouvir o relato de Cortez.

- Minha santa Achiropita... Já estava achando que a gente ia virar poeira...

- O leme também voltou a funcionar, capitão – informa Cortez – Mas tem algo errado com os motores de dobra, eles estão começando a falhar! Já estamos em dobra 2.

- Devem ter sido danificados pela sobrecarga – responde Dan – Reverta para impulso, sr. Cortez.

O jovem espanhol atende prontamente à ordem do capitão.

- Revertendo para impulso, senhor.

A Frontier, então, sai da velocidade de dobra e começa a se mover mais lentamente pelo espaço, com as naceles fumegando ligeiramente.
A nave ultrapassou o limite tolerável da dobra espacial – o que provavelmente sobrecarregou os motores e os danificou de alguma forma.
Observando a situação, Dan resolve entrar em contato com a engenharia.

- Engenharia? – O capitão abre um canal de comunicação em sua cadeira.

- Aqui é Okonwa! – Oko atende ao chamado, apreensivo.

- Relatório de danos, sr. Okonwa?

- Ainda estamos averiguando a situação, senhor. Mas posso adiantar que o estrago nos motores foi grande!

- Está bem, continue verificando. Mantenha-me informado.

- Entendido, senhor!

- Desligo.

Nardelli encerra a comunicação e se levanta de sua cadeira. E dirige a palavra à comandante Hong:

- Temos um oficial da engenharia ferido. Vou até a enfermaria para ver o estado dele. Srta. Hong, assuma a ponte.

- Sim, capitão.

Seul-gi se senta na cadeira do capitão, enquanto Dan se dirige ao turbo-elevador.


Na enfermaria, o doutor Lester está terminando de examinar o oficial ferido, juntamente com um dos enfermeiros, quando ouve o toque de sua campainha.

- Entre! – diz o doutor.

A porta automática da enfermaria se abre. E então o capitão entra.

- Como ele está, doutor? – pergunta Dan.

- Sofreu uma concussão e uma fratura na clavícula. E também teve algumas queimaduras nos braços...

Lester faz uma pausa e deixa o capitão apreensivo. Mas logo trata de aliviá-lo.

- Ele vai sobreviver – conclui.

- Pelo visto ele teve sorte... – diz Nardelli.

- De fato, capitão – responde o médico – Mas afinal, o que diabos aconteceu nesta nave?!

- Estamos tentando descobrir, Jon – responde Dan – Alguma coisa fez a Frontier viajar a uma velocidade de dobra acima do suportável pela nave, o que acabou sobrecarregando os motores. Oko e o pessoal da engenharia estão verificando a extensão dos danos.

- Mas isso que você está me dizendo é simplesmente loucura, Dan! – diz Lester – Como uma Crossfield como a Frontier pode viajar a uma dobra acima do tolerado? Isso é impossível!

- Pode até ser, mas simplesmente aconteceu. E pelo visto vai me render muita dor de cabeça... – diz o capitão.

Súbito, um dos dispositivos de comunicação da enfermaria apita. A voz de Hong é ouvida do outro lado da linha.

- Ponte para capitão!

Dan e Lester correm para o dispositivo. O capitão aperta o botão para abrir o canal:

- Aqui é Nardelli. Prossiga, srta. Hong!

- Capitão, venha à ponte imediatamente. Há algo que você precisa ver!

- Estou a caminho! – responde Dan, que encerra a comunicação logo em seguida.

Antes de sair, Nardelli faz um pedido ao doutor Lester:

- Cuide dele, Jon. Mantenha-me informado.

- Pode deixar, capitão! – diz Lester, esboçando um sorriso.


Minutos depois, Dan retorna à ponte de comando da Frontier. Assim que ele sai do turbo-elevador, o tenente Stanic informa sua chegada aos demais oficiais:

- Capitão na ponte!

- Qual a situação, srta. Hong? – pergunta Nardelli.

- Você não vai acreditar... – responde uma estupefata Seul-gi, que imediatamente volta sua atenção para Cortez – Informe, alferes!

Cortez logo trata de relatar a situação ao capitão. A revelação é surpreendente:

- Estamos a cerca de 90 mil quilômetros de um planeta, senhor. Mas... eu não consigo identifica-lo, ele simplesmente não aparece nos mapas!

Ao ouvir as palavras do espanhol, Dan franze a testa, sentindo um misto de surpresa e de pavor. E então transmite sua ordem:

- Coloque na tela, sr. Cortez.

Em princípio, a imagem que aparece na tela não é muito clara. O planeta aparece pequeno em meio a um monte de estrelas.

- Amplie a imagem – ordena o capitão.

Cortez atende à ordem, e amplia a imagem na tela digitando um comando em seu display. A imagem ampliada revela mais detalhes: o tal planeta possui uma cor azul ligeiramente esverdeada, com algumas camadas de nuvens o encobrindo. Assemelha-se muito à Terra – no entanto, nem o capitão nem os outros oficiais da ponte o reconhecem.

- Tá de brincadeira... – Dan arregala os olhos – Já passei por vários setores do quadrante, mas eu nunca tinha visto esse planeta na minha vida!

- Também estou espantado, capitão – responde o tenente Andros, chefe de segurança da Frontier – Cortez disse que não o encontrou nos mapas... talvez seja um planeta que ainda não foi descoberto pela Federação!

- Vamos ter que descobrir mais a respeito – diz o capitão.

Dan, então, se volta para a comandante Hong:

- Análises, srta. Hong?

Seul-gi digita alguns comandos em seu display – em seguida, um holograma tridimensional do planeta aparece diante dela, juntamente com as especificações.
A coreana, então, transmite seu relatório ao capitão:

- Classe M. Atmosfera composta por 70 por cento de nitrogênio e 30 por cento de oxigênio. Cerca de 60 por cento da superfície é coberto de água. É um planeta que se assemelha muito à Terra, capitão.

- Interessante... – diz Dan, surpreso – Há leituras de formas de vida?

- Centenas de milhares – responde Hong – Sendo que um terço delas é composto por humanoides.

Dan se surpreende cada vez mais com os resultados das análises de sua primeira-oficial. E chega a uma conclusão.

- O que significa... que podemos estar diante de um primeiro contato! Neste caso, teremos que agir de acordo com a Primeira Diretriz... (**)

Todos na ponte olham para o capitão, com os olhos quase saltando das pupilas. É a primeira vez que a Frontier se depara com um planeta desconhecido desde o início de sua viagem.
No entanto, a aplicação da Primeira Diretriz estava longe de ser a principal preocupação de Dan – e isso é constatado com a próxima revelação da comandante Hong:

- Tem mais uma coisa que você precisa saber, capitão.

- Prossiga – Dan olha para Seul-gi com um misto de surpresa e apreensão.

- Detectei um forte campo gravitacional vindo da superfície do planeta  – diz Hong.

- Consegue identificar a fonte, Seul-gi? – questiona Dan, parecendo não entender nada.

- Negativo – responde a coreana – Há muita interferência nos sensores. Não consigo determinar uma localização exata.

- Que estranho... – diz o capitão, confuso – Sabe dizer se há algum indício de tecnologia que possa gerar esse campo?

- Os sensores não acusam nada – Seul-gi faz uma pausa – Mas... se me permite arriscar um palpite, capitão... eu acho que foi isso o que nos trouxe até aqui.

- Teríamos que descer até a superfície para tentar descobrir... – diz Dan.

A conversa é interrompida por um apito vindo da cadeira do capitão. É um chamado da engenharia – do outro lado da linha, ouve-se a voz de Okonwa:

- Engenharia para capitão!

- Aqui é Nardelli – Dan responde de imediato – Prossiga!

- Os motores de dobra foram seriamente danificados pela sobrecarga de antimatéria, senhor – relata o africano – As matrizes de dilítio também terão que ser substituídas. Vai levar pelo menos umas duas semanas até conseguirmos consertar tudo!

- Entendido, sr. Okonwa – diz Dan – Há mais alguém ferido?

- Não, senhor – responde Oko.

- Então organize as equipes e diga para iniciarem os trabalhos o quanto antes. Depois disso, apresente-se à sala de transporte – ordena o capitão.

- Entendido, capitão. Desligo – diz Okonwa, encerrando a comunicação.

Dan se levanta de sua cadeira. E se demonstra espantado com toda a situação. Por um lado, uma situação nada boa: os motores de dobra da Frontier vão levar tempo até serem consertados; em contrapartida, há tempo de sobra para explorar o planeta desconhecido que surgiu diante dos olhos de todos – e há, ainda, a questão do campo gravitacional mencionado pela comandante Hong. Seria mesmo ele o responsável por esta vinda súbita da Frontier a este planeta remoto?
Com todas estas questões em sua mente, Dan transmite uma ordem a Cortez, seu piloto:

- Bom, pelo jeito estamos presos aqui... pelo menos por algum tempo. Estabeleça órbita padrão, sr. Cortez.

- Sim, senhor! – responde o espanhol, tentando demonstrar algum ânimo.

A Frontier, então, se aproxima cuidadosamente do planeta, mantendo uma certa distância de sua atmosfera.


“Diário do Capitão – Data Estelar: 7502.8

Alguma coisa arrastou a Frontier até um planeta desconhecido; seja lá o que for, fez a nave viajar a uma velocidade tão grande que sobrecarregou os motores de dobra.
Minha primeira-oficial, comandante Hong, mencionou ter detectado um campo gravitacional vindo da superfície do planeta, e acredita que o mesmo nos trouxe até aqui.
Enquanto os reparos da nave são feitos, investigaremos a superfície do planeta para descobrir a fonte do tal campo.”

Logo em seguida, Dan começa a orientar seus oficiais, com o intuito de organizar um grupo avançado para descer à superfície do planeta.

- Tenente Andros, reúna dois oficiais de segurança e se apresente à sala de transporte. Oriente-os a colocarem seus phasers em tonteio.

- Sim, capitão – responde Andros – Providenciarei isso.

Após transmitir sua ordem ao romulano, Dan abre um canal para a enfermaria.

- Enfermaria?

- Aqui é Lester – responde o doutor, do outro lado da linha – Prossiga, capitão.

- Novidades sobre o oficial da engenharia? – pergunta Nardelli.

- Já recobrou a consciência e o estado dele é estável. Está fora de perigo – responde Lester.

- É bom saber disso – diz Dan - Acha que o estado dele requer mais cuidados, doutor?

- Ele está se recuperando bem. Mas está em observação, meus enfermeiros estão cuidando disso.

- Muito bem, doutor. Peça a eles para que o mantenham informado. Apresente-se à sala de transporte e leve um kit médico, vamos descer à superfície de um planeta novo.

- OK, capitão. Estou a caminho – Lester encerra a comunicação.

Dan se dirige à porta do turbo-elevador. Antes de chegar, se volta para Seul-gi e lhe transmite a ordem:

- Srta. Hong, você também vem.

Seul-gi faz um sinal de afirmação com a cabeça. E segue logo atrás do capitão.


Na sala de transporte, o capitão Nardelli, a comandante Hong, o doutor Lester, o tenente Andros e dois oficiais de segurança encontram Okonwa, que está no dispositivo de acionamento do teletransporte.
O capitão trata de lhe transmitir suas ordens:

- Sr. Okonwa, está no comando agora. Mantenha um canal aberto e me informe sobre o andamento dos reparos.

- Entendido, senhor – responde o africano.

Dan e o grupo sobem na plataforma de transporte. Antes de todo mundo, Okonwa chama a atenção:

- Capitão!

Nardelli olha para Okonwa, que lhe diz com um tom zeloso na voz:

- Por favor, tome cuidado na superfície, senhor.

- Pode deixar, Oko – responde Dan, sorrindo – E você, cuide bem da nave. Estou contando com você.

- Não vou desapontá-lo, capitão. Prometo! – diz Oko.

Um silêncio momentâneo se faz na sala. Até que Dan transmite a ordem:

- Acionar!

Okonwa, então, desliza os dedos para cima sobre o display do dispositivo. Nardelli e os outros são envolvidos por uma luz azulada, e desaparecem instantaneamente da plataforma.


Na superfície do planeta, algumas poucas árvores e arbustos envolvem uma área rochosa. Nela, feixes de luz começam se formam e materializam Dan e os outros.
Todos olham em volta e se surpreendem com a paisagem, ao mesmo tempo que buscam se precaver contra uma eventual hostilidade.
Mas, aparentemente, não há mais ninguém no local, além deles mesmos.

- Estou impressionado – diz Lester – Este lugar soa extremamente familiar, nem parece que estamos em outro planeta!

- Realmente, doutor – responde Andros – esse lugar se parece muito com a Terra.

Hong saca seu tricorder, e por alguns segundos, observa com atenção as leituras realizadas pelo aparelho. Dan solicita mais detalhes:

- Informe, srta. Hong!

- O campo gravitacional está se intensificando, capitão – responde Seul-gi – E está... a 120 graus a nordeste, direção 345, marco 23.

- Muito bem. Seguiremos nessa direção – responde o capitão – Vamos!

"O campo gravitacional está se intensificando, capitão."

O grupo caminha em meio a rochas e vegetação por cerca de meia hora. Até que chegam em um campo aberto com um imenso portal de pedra. Logo depois dele, uma cidade suntuosa e opulenta, também feita inteiramente de pedra.
Todos se espantam ao verem o portal, a cidade e toda sua imponência.

- Eu não acredito! – exclama o doutor – Isso mais parece o monumento de Stonehenge! Mas como isso é possível?

- Simplesmente fascinante... – diz Dan, boquiaberto.

- Dan! – Seul-gi se aproxima com o tricorder e tira Dan de seu “transe” momentâneo – As leituras estão se intensificando... não há dúvidas, a fonte do campo gravitacional está nessa cidade!

- Sério?! Então não temos tempo a perder – responde Nardelli – Temos que entrar na cidade e descobrir onde está a fonte!
Todos, então, dirigem-se para o portal de pedra. Mas antes que o grupo o ultrapassasse, uma figura surge do outro lado. Um rapaz calvo e vestido com uma túnica branca se aproxima da entrada, e logo trata de saudar o capitão e os outros com um tom de voz bastante cordial, para a surpresa destes:

- Saudações, meus amigos. Sejam bem-vindos a Visir. Estávamos aguardando sua chegada.

- Nos aguardando?! Como assim?! – questiona Dan, surpreso – Afinal, quem é você?

- É uma questão muito complexa para que eu possa explicar – responde o rapaz – Em resposta à sua pergunta, me chamo Nadar. Sou o pupilo número 1 do nosso grande mestre.

- Entendi – Dan, então, trata de fazer as honras de sua equipe – Sou o capitão Daniele Nardelli, da USS Frontier. Estes são minha primeira-oficial Seul-gi Hong, meu oficial médico-chefe doutor Lester, meu chefe de segurança Andros e oficiais Felton e Taylor.

- É um prazer conhece-los, senhores – responde Nadar – Por favor, queiram me acompanhar. Meu mestre anseia em vê-los.

Sem entender nada do que está acontecendo, Dan e os outros decidem acompanhar Nadar.


O grupo ultrapassa o portal de pedra e adentra a cidade. Pelas ruas, se veem muitas edificações, todas feitas de pedra, mas altamente sofisticadas – muitas delas possuem em sua porta ou no topo do batente de entrada um triângulo com um olho em seu centro.
Todas as pessoas – homens, mulheres e crianças – possuem a mesma aparência: não têm cabelos ou qualquer evidência de pelos em seu corpo, e vestem apenas uma túnica branca, como se todos fossem monges ou algo do tipo. E se vê de tudo um pouco: crianças correndo e brincando pelas ruas, mercadores comercializando frutas e especiarias... e até algumas cenas inusitadas, como um homem andando com a mão estendida diante de um bloco de pedra, que flutua no ar como se fosse uma pluma.
Todos estes detalhes chamam a atenção do grupo, especialmente de Seul-gi.

- Dan, eu estou impressionada! – comenta a coreana – Todos neste planeta aparentam levar uma vida simples, mas ao mesmo tempo, esta parece ser uma sociedade altamente avançada!

- Estou com essa mesma impressão, Seul-gi – responde o capitão.

Discretamente, o doutor Lester, com um pequeno dispositivo em uma das mãos, interrompe a conversa, cutucando o capitão na altura das costelas e sussurrando-lhe ao ouvido, sem que Nadar perceba:

- Capitão!

- Doutor? – responde Dan, também sussurrando.

- A fisiologia dele se assemelha muito à humana... – relata o médico britânico – mas tem alguma coisa que não se encaixa!

- Explique! – ordena o capitão, franzindo a testa.

- A atividade cerebral dele é algo absolutamente fora do comum – detalha Jon – As sinapses são extremamente desenvolvidas e ele possui um nível de ácido gama-aminobutírico altíssimo. Eu nunca tinha visto nada parecido!

- Entendi... – diz Dan, ligeiramente atônito.

Após falar com o doutor, Dan tenta manter a aparência de normalidade e dirige sua palavra a Nadar:

- A propósito, Nadar, me diga uma coisa... Há quanto tempo vocês estão aqui?

- Esta é uma cidade muito antiga, capitão Nardelli – responde Nadar – Foi construída por nossos ancestrais há algumas dezenas... não, centenas de milhares de anos. Mesmo com o passar do tempo, as coisas têm se mantido iguais desde aquela época.

- Sério? – exclama Nardelli – Que interessante...

- Curioso – Andros entra na conversa – Vocês nunca passaram por guerras ou coisa parecida?

- Nosso povo sempre viveu em absoluta harmonia... – diz Nadar – Nunca precisamos passar por infortúnios deste tipo.

- E qual é o segredo dessa harmonia absoluta? – pergunta Dan.

- Esta também é uma questão complexa para eu explicar – responde o misterioso monge – Mas fique tranquilo, capitão. Meu mestre responderá a todos os seus questionamentos assim que o encontrar.

- Pelo jeito seu mestre é alguém importante neste planeta... – afirma o capitão.

- De fato. Ele é a pessoa mais importante deste lugar – diz Nadar.

De repente, o sacerdote interrompe a caminhada do grupo. E logo trata de avisar a todos:

- Nós chegamos.

Eis que todos se veem diante de uma pirâmide de pedra gigantesca, com aproximadamente uns trezentos metros de altura – aproximadamente o dobro da pirâmide de Quéops, no Egito – com a entrada ornada no topo de seu batente com o mesmo símbolo das outras construções: o triângulo com o olho dentro.
A reação de todos é imediata: os olhos quase saltam para fora das pupilas, e os maxilares ficam suspensos. Espanto absoluto.

- Ca... Caramba!!! – gagueja o doutor Lester – Isso aqui deixa as pirâmides do Egito no chinelo!

- Fascinante... – diz Nardelli, com a voz quase atravessada e o olhar paralisado.

Poucos segundos depois, Nadar trata de quebrar o clima de surpresa e chama a atenção de todos, mantendo o mesmo tom sereno na voz:

- O mestre está lá dentro. Por favor, me acompanhem.

Nadar, então, adentra a pirâmide. E Nardelli e os outros o seguem.


Dan e os outros acompanham Nadar dentro da pirâmide. O grupo segue alguns metros em um corredor escuro, iluminado apenas por algumas tochas no alto das paredes. Ao término do corredor, eles adentram uma gigantesca câmara, do tamanho de um ginásio.
Um pequeno corredor divide dois grandes blocos formados por fileiras de pessoas, todas sentadas em posição de lótus e com os olhos fechados – aparentemente, elas estão em um estado de concentração profunda, e não notam a chegada do grupo.
Os tripulantes da Frontier, ao verem a cena, ficam de olhos arregalados.

- Impressionante, capitão – cochicha o doutor Lester – Na Terra eu já ouvi falar de meditação, yoga e coisas do tipo, mas nunca vi nada parecido com isto!

- Todas elas parecem estar completamente absortas em meditação – repara a comandante Hong – Aparentemente ninguém percebeu nossa presença aqui. Simplesmente notável.

- Me pergunto como deve ser esse tal mestre do qual Nadar fala... – comenta Dan, em um tom de voz bem baixo.

- Deve ser uma espécie de guia espiritual ou coisa do tipo – diz Seul-gi – E tem mais uma coisa, capitão: as leituras estão cada vez mais intensas... o que quer que esteja gerando o campo gravitacional, está neste lugar!

- Entendi... – responde Dan – Continue monitorando, Seul-gi. E aja com o máximo de discrição possível.

Hong faz um sinal de afirmativo com a cabeça. O grupo chega próximo de uma escadaria. E Nadar trata de avisar ao capitão e aos outros:

- O mestre está lá em cima, no final desta escadaria. Devem ir ao encontro dele. Ele irá esclarecer todas as questões que precisarem.

- Tudo bem – diz o capitão.

Todos sobem as escadas. Quando terminam os degraus, logo à frente, há uma parede imensa com o a imagem do triângulo com o olho. À frente dela, sentado em posição de lótus, está um menino, calvo e também vestindo uma túnica branca. É o mestre do qual Nadar falava.
Nardelli e os outros se aproximam, e então o menino se levanta e caminha na direção do grupo.
Gentilmente, ele recebe o capitão e os outros, falando de maneira cordial e surpreendente:

- Sejam bem-vindos, ó viajantes de outro mundo. Estive esperando por sua chegada.

Nardelli se espanta ao ouvir estas palavras do menino. E lhe pergunta:

- Você sabe quem nós somos?!

- Sim – responde o garoto.

Com o tricorder na mão, Seul-gi se aproxima e chama a atenção de Dan. E faz uma revelação:

- Capitão, É ELE!!! ELE é a fonte do campo gravitacional! As leituras indicam uma grande quantidade de energia vinda de seu corpo!

- O que está dizendo, srta. Hong?! – exclama Dan, espantado.

Nadar e o mestre
Não apenas o capitão, mas todos os integrantes do grupo avançado da Frontier se surpreendem com a revelação da comandante Seul-gi Hong.
Aparentemente, a resposta para a vinda repentina da nave ao planeta estava bem diante de seus olhos. Nardelli, então, se volta para o mestre e o questiona:

- Me diga... foi você quem nos trouxe até aqui?

- Exatamente, capitão – responde o menino, sem pestanejar e com um tom sereno na voz – Eu os senti em um canto remoto do universo e os trouxe até este planeta usando a minha mente.

- A mente?! – diz Lester, incrédulo – Por acaso você é paranormal ou coisa do tipo?! Não posso acreditar...

- Você disse que nos... sentiu?! – questiona Hong – Mas, como assim?

- Nosso mestre é capaz de enxergar e sentir tudo o que existe no universo – explica Nadar, aproximando-se do grupo – Por essa razão, ele também é conhecido por nós como o Grande Visionário.

- Grande... Visionário?! – diz Nardelli, boquiaberto.

- Exatamente – responde o monge – Nosso mestre é a origem de todo o nosso povo. É o primeiro ser vivente deste mundo que foi agraciado com o dom da sapiência. Ele emergiu de nossos oceanos há cerca de duzentos mil anos.

- Duzentos mil anos?! – espanta-se Andros – Então isso significa que esse menino é um deus?!

- Não temos intenção alguma de nos equipararmos a deuses ou algo assim – responde o mestre – Tudo o que fazemos neste planeta simplesmente visa a nossa própria evolução.

- Nadar nos disse que seu povo vive em harmonia absoluta desde sempre – diz Dan – Qual a sua explicação para isso?

- Todas as nossas mentes estão ligadas umas às outras – responde o menino – Por essa razão, cada um de nós medita e treina constantemente para desenvolver o controle de nossas mentes. Sempre evitamos qualquer tipo de pensamento que não seja harmonioso.

- Acho que estou entendendo... – diz Seul-gi – O campo gravitacional é gerado por ondas psíquicas...

O capitão e todos os outros da Frontier voltam os olhos para Seul-gi, sem acreditar. E ela conclui seu raciocínio:

- Em outras palavras... o garoto arrastou a Frontier até este planeta usando o poder de sua mente.

- Impossível! – exclama Lester – Uma nave do tamanho da Frontier arrastada apenas com o poder da mente?! Como assim?

- Inacreditável... – diz Andros – É a primeira vez que vejo alguém com tamanho poder...

Nardelli, então, resolve perguntar ao mestre:

- E, afinal de contas... por que você nos trouxe até aqui?

- Para que aprendam... – responde o menino.

Nem o capitão nem os outros do grupo da Frontier entendem o que o garoto quer dizer com estas palavras.
Sob os olhares desconfiados e confusos deles, o mestre explica:

- Sei que vocês viajam pelo universo com a missão de promover a harmonia entre os povos, assim como outros de sua espécie e de outras que se aliaram a vocês. É uma missão de uma nobreza imensurável. Sei também que outros de vocês chegaram até mesmo a perder suas vidas na tentativa de cumprir essa missão.

- E... o que você acredita que tem a nos oferecer? – pergunta Dan.

- A compreensão da mente... – responde o mestre – Se vocês compreenderem suas mentes, e também compreenderem as mentes dos outros, todos alcançarão a harmonia do mesmo jeito que nós alcançamos.
O mestre olha fixamente para Nardelli, que parece não entender nada. E se aproxima lentamente.

- O que você pretende fazer? – Pergunta Dan.

- Fique tranquilo, capitão – diz o menino, com uma voz suave.

O garoto franzino se estica e encosta o dedo médio de sua mão direita no meio da testa de Dan. E vai lhe dizendo suavemente:

- Feche os olhos... esvazie sua mente de qualquer pensamento... sinta a energia do universo fluir pelo seu corpo...

O capitão fecha os olhos, com o mestre tocando em sua testa. Hong e os outros observam atentamente.
Subitamente, Dan começa a enxergar feixes de luz coloridos convergindo em um ponto à frente, em altíssima velocidade.
Em seguida, um clarão – e logo depois dele, imagens de vários mundos ao redor do universo: lugares da Terra, de Andoria, de Romulus, de Vulcano, de Qo’noS, de Telar e de tantos outros, passando cada uma em um piscar de olhos.
Até que, a imagem fica turva e clara – e dentro da grande câmara da pirâmide, o capitão Nardelli subitamente tomba, com o olhar fixo e em estado de catatonia total.
Ao verem a cena, Hong, Lester e os outros tripulantes da Frontier entram em desespero. E correm na direção de Dan.

- Capitão!!! – gritou Seul-gi, muito assustada.

- Dan!!! – grita Lester, que em seguida, se volta para o garoto, enfurecido – Maldição... o que foi que você fez com ele?!

- Não se aflijam... – o jovem mestre tenta tranquilizar o grupo – Evidente que esta não era a reação esperada. Mas seu capitão está bem.

- Ora, seu pirralho! – resmunga o doutor, rangendo os dentes – Chama isso de estar bem? Trate de fazer alguma coisa, ou então, eu...

Antes de fazer qualquer tipo de ameaça, Lester é contido por Seul-gi.

- Doutor! – a coreana estende seu braço esquerdo na frente do médico, e tenta assumir o controle da situação, mesmo apavorada com o que acabou de presenciar – Sei que a situação não é fácil, mas tente se acalmar! Perder a cabeça não vai resolver nada!

Lester fica sem reação diante da atitude de Hong. Ela, por sua vez, volta sua atenção para o garoto:

- Você disse que o capitão está bem – diz a oriental, com a voz firme – Pode assegurar isso?

- Sim – afirma o mestre, sem mudar o tom de sua voz e sem demonstrar qualquer descontrole de emoção.

Seul-gi se volta para Jon, e lhe ordena:

- Doutor, examine-o.

Lester faz um sinal de afirmação com a cabeça, e saca um outro tricorder. De dentro dele, tira um outro dispositivo: uma espécie de scanner bem pequeno, com uma ponta giratória luminosa.
Ele o passa por sobre o corpo de Dan, e vai dando os diagnósticos:

- Os sinais vitais dele estão estáveis. Batimentos cardíacos normais, respiração normal, pulsação normal, circulação normal.

De início, todos estranham as afirmações do doutor. Como alguém no estado do capitão poderia ter todos os seus sinais vitais normais, como se nada tivesse acontecido? Até que, poucos segundos depois, o pequeno scanner de Lester detecta o que há de errado. E o médico informa aos outros:

- Espere um pouco... parece que há uma sobrecarga na atividade cerebral! Deve ser por isso que o capitão ficou inconsciente.

- Explique, doutor! – ordena Seul-gi.

- Eu analisei as pessoas deste planeta desde que chegamos à cidade – comenta Jon – Todas elas possuem atividade cerebral intensa e altamente desenvolvida. Deixei o capitão ciente disso antes de entrarmos aqui.

- A mente dele foi projetada para vários lugares ao mesmo tempo – explica o jovem mestre – Acho que a carga de energia mental foi demais pra ele, e ele acabou não suportando.

- O que quer dizer com isso? – questiona Hong.

- Ele está agora em um nível mais profundo de sua mente – responde o menino – Terei de agir rápido, ou do contrário ele nunca mais vai se levantar.

- Acha que pode fazê-lo voltar ao normal? – pergunta Seul-gi.

- É bom que saiba o que está dizendo, garoto! – diz Lester, lançando um olhar de fúria contra o menino – Que garantia você pode nos dar?

- Não há alternativa, doutor – responde o mestre, impassível – Terão que confiar em mim.

Seul-gi, Jon e os outros olham desconfiados para o garoto, enquanto ouvem estas palavras.


Minutos depois, Nardelli é colocado sobre uma mesa de pedra, com os olhos fechados e as mãos sobrepostas sobre o abdômen.
Nadar e o mestre ficam de um lado da mesa, enquanto Hong, Lester, Andros e os outros dois ficam de outro.
O menino explica o que irá fazer para que o capitão recobre a consciência:

- Tudo o que preciso fazer é me concentrar e projetar minha mente onde o capitão está. E também vou precisar da ajuda de vocês.

- O que quer que a gente faça? – pergunta Andros.

- Vocês devem se concentrar e direcionar seus pensamentos para o capitão. Se fizerem isso, as coisas serão ainda mais fáceis pra mim.

- Está certo. Faremos isso, então – diz Seul-gi.

O menino então coloca uma de suas mãos sobre a de Nardelli e fecha os olhos. E começa a se concentrar.
Todos os outros fecham os olhos.


Em um local estranho e psicodélico, onde vários clarões de luz colorida piscam ao mesmo tempo, encontra-se o capitão Nardelli, andando completamente sem rumo, como se estivesse perdido. Ele mesmo não tem ideia do que aconteceu com ele, nem do que está acontecendo ao seu redor.
Com o olhar confuso em sua volta, ele pergunta a si mesmo:

- Caramba! Mas que lugar é esse, afinal? Como foi que eu vim parar aqui? Onde estão todos os outros?

- Fique tranquilo, capitão – uma voz infantil surpreende Dan – Todos os outros estão bem.

O capitão olha para trás, e vê a figura reluzente do jovem mestre. E fica espantado ao vê-lo.

- Mestre?! – diz Dan – Como veio parar aqui? Aliás... onde é que nós estamos?

- Esta é a essência da mente, capitão Nardelli – responde o menino – É a essência de todo o universo.

- A essência... do universo?! – espanta-se o capitão.

- Exatamente... – diz o mestre – Tanto eu como o nosso povo aprendemos a ter o controle total de nossas mentes... e através delas, podemos enxergar além de nosso mundo.

Instantaneamente, imagens de diversos mundos, eras e épocas começam a se passar diante do capitão e do garoto: a Idade Média, a Renascença, a modernidade e o início da exploração espacial, na Terra; eras antigas e atuais dos Klingons, de Vulcano, de Romulus e de outros planetas; e até mesmo cenas da Batalha das Estrelas Binárias (***) e um vislumbre do obscuro Império Terráqueo da dimensão espelho; tudo se passando em uma imagem após a outra, em milésimos de segundo. Enquanto isso, o jovem mestre continua sua explanação.

- Todos os mundos... universos... dimensões... linhas do tempo... tudo está ao alcance de minha mente. De minha visão. De minha consciência. É por isso que me chamam de “o Grande Visionário”.

- Inacreditável... diz Dan, completamente estupefato.

- Durante milênios, eu ensinei meu povo a controlar suas mentes... – explica o garoto – Todos nós estamos ligados... conectados... sabemos bem o que cada um de nós pensa. Por essa razão evitamos qualquer tipo de fator que desequilibre nossa harmonia.

Após o mestre proferir estas palavras, imagens de violência e de guerras, na Terra e em outros cantos do universo, começam a aparecer diante dos dois. E o garoto complementa seu raciocínio:

- Sabemos que em vários lugares do universo, incluindo o seu planeta, passaram por um sem-número de conflitos e de outros infortúnios: guerras, fome, doenças, injustiças, violência. Aprendi com todos estes erros universais, projetando minha mente para estes mundos, e busquei instruir meu povo de forma a não seguir este mesmo caminho.

Ao mesmo tempo em que fica espantado, Nardelli parece não compreender. Mas o jovem mestre faz questão de dar mais explicações.

- A mente é a chave de tudo no universo – afirma o mestre – É a chave do nosso poder. Se aprendermos a controlar as nossas mentes, podemos conseguir qualquer coisa. E também chegar a qualquer lugar.

- Eu estou impressionado... – diz Dan, com a voz embargada – Eu não tinha ideia de todo esse poder...

O mestre olha para Dan, enquanto este se demonstra fascinado com tudo o que viu e ouviu. E então, segura em sua mão e lhe diz:

- Precisa voltar agora, capitão. Seus amigos estão preocupados com você.

Dan arregala os olhos ao ouvir estas palavras do mestre. Este, por sua vez, coloca-se em frente ao capitão e lhe segura a outra mão, olhando fixamente em seus olhos.
Um clarão ofuscante se forma – e em seguida, Dan desperta subitamente, quase sufocando, aspirando o ar com a boca de maneira brusca. E se vê sentado em cima da mesa de pedra, com o mestre, Nadar e seus companheiros de tripulação à sua volta.

- Dan!!! – Seul-gi avança sobre o capitão e o abraça – Graças a Deus...

- Deixe-o respirar, Hong! – diz o doutor Lester, separando os dois – Você está bem, capitão?

Dan suspira por um segundo. E leva uma das mãos à testa.

- Porca miséria... (****) – diz o capitão, ofegante – O que foi que aconteceu comigo? Estou com uma dor de cabeça dos infernos...

- Se me permite, capitão... – Lester se aproxima de Dan com um hipo-spray (uma espécie de seringa aprimorada) e injeta-lhe algo no pescoço – Isto é um analgésico. Talvez o faça se sentir melhor.

- Obrigado, Jon – diz Nardelli, sorrindo para o doutor.

- Acredito que sua espécie ainda não está preparada para controlar a mente do jeito que nós a controlamos – diz o mestre para o capitão – Mas acho que consegui lhe ensinar alguma coisa.

- É... foi uma experiência e tanto, mestre! – diz Dan – Jamais imaginei que a mente fosse capaz de tantas coisas... Mas ao que tudo indica, terei que continuar fazendo as coisas do nosso jeito tradicional...

Em seguida, o capitão se levanta e se põe ao lado de seu grupo. Educadamente, dirige a palavra aos dois nativos:

- Se não se importarem, preciso falar com a minha nave por um minuto.

- Esteja à vontade, capitão – diz Nadar.

Dan, então, saca seu comunicador. E inicia o contato:

- Nardelli para Frontier.

- Frontier. Okonwa falando. Prossiga, capitão.

- Sr. Okonwa, como estão os reparos da nave?

- Meus homens estão trabalhando em ritmo acelerado – relata Okonwa – Mas ainda vai levar um tempo até consertarmos tudo. Ainda vamos ter que permanecer aqui por mais alguns dias.

- Entendi, Oko – responde Dan – Siga firme nos trabalhos e mantenha-me informado.

- Pode deixar, senhor – diz o africano, do outro lado da linha.

- Desligo – Dan encerra a comunicação e guarda o comunicador em um de seus bolsos.

Um misto de sentimentos se passa pela cabeça do capitão. Ao mesmo tempo em que está frustrado com a situação de sua nave, tem nas mãos uma chance de aprender mais sobre o planeta e sua cultura.
O mestre lhe dirige a palavra:

- Me desculpe por ter lhe causado todos esses transtornos, capitão.

- Não, está tudo bem – diz Dan, tentando tranquilizar o garoto – Eu estou sem alternativas mesmo.

É quando Dan resolve fazer um pedido ao jovem mestre do planeta:

- Mestre, se não se importar... gostaria de permanecer no planeta com a minha equipe por alguns dias. Pelo menos até os reparos na minha nave serem concluídos. Acho que é uma ótima oportunidade de aprender sobre o seu planeta e também sobre os costumes e a cultura de seu povo.

- Você e seu pessoal são bem-vindos, capitão Nardelli – diz o menino, sorrindo – Podem ficar aqui pelo tempo que for necessário. Também me disponho a auxiliá-los em tudo o que precisarem.

- Eu lhe agradeço muito – responde o capitão.


Cerca de uma semana e meia depois, os reparos na Frontier são terminados – Okonwa e a equipe da engenharia conseguiram concluí-los antes do previsto.
O capitão Nardelli e seu grupo estão com o mestre e seu discípulo Nadar no portal da cidade. Todos demonstram estar bastante satisfeitos com o trabalho realizado nos dias que se passaram.

- Puxa, eu estou impressionada! – diz a comandante Hong – De fato vocês são uma sociedade bastante avançada e desenvolvida, nunca vi nada parecido!

- Aprendemos muito com vocês – diz o capitão – nossos superiores ficarão fascinados quando virem nossos relatórios!

- Esperamos que tenha sido uma experiência proveitosa, meus caros – comenta Nadar – Temos muito a oferecer aos diversos povos da galáxia. Espero que consigam transmitir a nossa mensagem.

- Faremos tudo o que for possível, Nadar – responde Dan.

- Mestre... o doutor se aproxima do menino – Me desculpe por ter sido rude com você daquela vez. Eu me importo muito com o capitão, e fiquei assustado com tudo aquilo.

- Não há nada com o que se preocupar, doutor – diz o mestre, com um sorriso no rosto – Entendo seus sentimentos. E não tenho razões para guardar rancor, nem de você, nem de ninguém.

- Vocês são muito gentis – diz Seul-gi, também sorrindo – Isso é simplesmente encantador!

Dan se aproxima do mestre. E lhe estende a mão.

- Muito obrigado por tudo, mestre.

O menino responde ao gesto de Nardelli. E os dois se cumprimentam.

- Fiquei muito feliz em conhece-los – diz o mestre – Continuem exercendo bem sua missão pelo universo. E venham nos visitar quando puderem.

- Pode ter certeza de que voltaremos um dia – responde Dan, sorridente – Eu prometo.

Aos poucos, o grupo se afasta de Nadar e do jovem mestre. O discípulo ainda dirige uma última palavra a eles, de forma serena e amistosa:

- Cuidem-se, meus amigos.

- Vocês também, Nadar – responde o capitão.

Dan, em seguida, saca o comunicador e transmite a ordem para a nave:

- Nardelli para Frontier. Seis pra subir.

Logo após estas palavras, raios de luz azulada envolvem o capitão e os outros do grupo. E todos desaparecem diante dos olhares do mestre e de Nadar.
O discípulo, então, se põe a conversar com o menino:

- Estes humanos são criaturas formidáveis, não acha, mestre?

- É verdade – responde o mestre – Mas eles ainda têm muito a evoluir.

- Acha que conseguirão algum dia?

O menino olha para Nadar e sorri:

- Quem sabe...


“Diário do Capitão – Data Estelar: 7503.6

É difícil descrever minha experiência dentro do planeta Visir; tudo o que posso dizer é que se trata de uma sociedade extremamente avançada – eu diria que é quase utópica! 
Durante os dias em que permanecemos no planeta, pudemos aprender muito sobre sua cultura e seus costumes. Trata-se de um povo bastante pacífico e amistoso, quem sabe num futuro próximo eles estabeleçam relações com a Federação.
Sobre os reparos na nave, o sr. Okonwa e a equipe da engenharia conseguiram concluí-los antes do previsto, e estamos prontos para seguir viagem.”

De volta à Frontier, Dan, Hong e Lester conversam pelos corredores da nave sobre os acontecimentos no planeta Visir:

- Sem brincadeira, Dan, tudo o que vivemos nesse planeta foi surreal! – exclama o doutor Lester – Eu gelei de susto a hora que você desmaiou, por um momento, achei que você tivesse morrido!

- Eu também não entendi direito tudo o que aconteceu, a minha ficha ainda não caiu, Jon – diz Dan.

- Sei lá... – brada o médico – Toda essa coisa de projeção mental, poder da mente e o escambau... será que isso tudo existe mesmo? Como médico que sou, eu tenho minhas dúvidas...

- É mesmo?! – diz o capitão, como quem está prestes a cair na risada – Se eu te contasse tudo o que vi quando eu “apaguei”, então você me diria que eu enlouqueci!

- Como se eu estivesse interessado... – resmunga Jon – Bom, eu vou para a enfermaria, preciso ver como está o engenheiro. Se tudo estiver certo, darei alta pra ele hoje mesmo!

- É bom saber disso, doutor! – exclama Nardelli.

Jon segue em direção a um dos turbo-elevadores, enquanto Dan e Seul-gi seguem sozinhos. A coreana se segura para não cair na risada com a atitude do doutor.

- Fala sério... esse doutor é uma figura! – diz a comandante, sorrindo – Ele não mudou nada desde os tempos da Academia...

- Pois é... – concorda Dan.

Seul-gi, então, dirige seu olhar para Nardelli com um sorriso no rosto. E pergunta com uma voz risonha:

- Como se sente, capitão?

- Sei lá... – Dan hesita por um momento – É difícil descrever tudo com palavras, Seul-gi. Aquele momento com o mestre foi algo extraordinário, extremamente fora do comum. Eu poderia dizer até mesmo que foi uma experiência transcendental!

- Pretende começar a praticar meditação depois disso? – pergunta Hong.

- É... até que não é uma má ideia... – responde Dan, levantando a sobrancelha.


Dan e Seul-gi chegam à ponte de comando. Stanic o anuncia aos demais:

- Capitão na ponte!

- Os motores estão prontos, capitão – avisa o alferes Cortez, ao leme – Podemos partir quando o senhor quiser!

Dan senta-se em sua cadeira e transmite a ordem ao espanhol:

- Pois bem... tire-nos de órbita, sr. Cortez. À frente, dobra 1.

- Dobra 1, senhor – responde Cortez.

Dan faz uma pausa. E chama novamente a atenção do jovem alferes:

- Sr. Cortez?

- Senhor?! – Hernando olha para trás e encara o capitão, com um olhar desconfiado.

É quando o capitão faz uma pose e abre um sorriso. E fala com um tom descontraído:

- Pisa fundo!

Cortez se volta para seu display, sorrindo a ponto de quase dar risada.
Ele digita os comandos, e a Frontier ganha o espaço em dobra rumo a seu próximo destino.



CONTINUA...

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NOTAS DO AUTOR:


(*) Uma colônia penal Klingon. É apresentada em Jornada nas Estrelas VI - A Terra Desconhecida e também no episódio 9 da segunda temporada de Star Trek: Enterprise.

(**) Também chamada de Ordem Geral I. É uma das normas fundamentais estabelecidas pela Frota Estelar - segundo ela, nenhum oficial da Frota deve interferir de forma deliberada no desenvolvimento cultural e tecnológico de um planeta ou de seu povo.

(***) Vide Star Trek: Discovery - Temporada 1.

(****) Nota Cultural: uma exclamação tipicamente italiana. Não tem uma tradução exata - é como se fosse um "caramba" ou algo do tipo em português.

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